Good Riddance

Another Turning Point

Todo dia era a mesma coisa. A mesma rotina, a mesma brincadeira. Mas nem por isso a vida era monótona. Pode-se se fazer a mesma coisa todos os dias, e mesmo assim viver vários momentos diferentes.

Tudo que Draco precisava era de sua bicicleta, e ele estaria feliz. Ele dormia até tarde, acordava, dava um beijo em sua mãe, e saía para brincar.

- Você não está indo àquela lomba de novo, não é mesmo, Draco? – Narcissa perguntava, desconfiada e preocupada, para o filho de apenas oito anos de idade.

Draco negava enfaticamente, balançando os fios loiros em todas as direções. Depois do almoço, ele pegava sua bicicleta, companheira de aventuras, e pedalava até a lomba.

A família Malfoy morava em uma pequena cidade portuária, e eram os mais ricos cidadãos do local. Mas Draco não se importava em ser refinado enquanto pedalava pela cidade.

Duas da tarde, o ponto de encontro, no topo da grande lomba. A rua descia vertiginosa, e no final, havia um cruzamento, mais a frente, as águas do porto, que chegavam calmas do mar revolto.

"Você está atrasado." Ele disse em seu tom de menino rico mimado, quando o garotinho moreno, de mesma idade, parou ao lado dele, com um skate velho embaixo do braço.

"Mas eu vim, não vim?" Ele desafiou, estufando o peito.

Chamava-se Harry Potter, era um menininho pobre, que Draco conhecera por acidente. Literalmente um acidente, já que ele o atropelara um dia, por descuido.

Os Potter eram uma família humilde, donos de uma singela confeitaria da cidade, aonde Harry e Draco iam depois de brincarem na lomba.

Os dois olharam para a lomba, de onde carros e microônibus subiam e desciam sem parar. Draco montou na bicicleta sem freios – que ele mesmo tirara.

"Freios são para meninas." Ele costumava dizer.

E Harry deitou no skate, de barriga para baixo. Era por isso que Draco secretamente gostava dele. Aquilo era loucura. Era arriscado, e ele não se importava. Assim como ele também não se importava.

"um, dois..." Começou Draco, quando um dos lados da rua tornou-se menos movimentado. "TRÊS!" Gritou, e os dois tomaram impulso e começaram a descer a lomba, aos risos.

Um dos microônibus parou na hora errada, e os dois tiveram que desviar para o outro lado da rua, sem conseguir ver se algum carro estaria vindo. Por sorte não, e eles puderam chegar até o final.

Passaram pelo cruzamento, arrancando várias buzinadas indignadas, e seguiram reto. Era o ponto alto da descida. Mais do que o frio na barriga, ao descer a toda velocidade, sentindo o vento fresco vindo do mar no rosto, era seguir em linha reta e cair diretamente nas águas do porto, a toda velocidade.

Era como voar por alguns segundos, e então cair na água gelada.

Os dois submergiram, dando risadas. O frio na barriga ainda fazendo-lhes cócegas.

"Você viu aquilo?" Exclamou Harry, com os braços sobre o skate de madeira, que flutuava na água. "Quase fomos atropelados por aquele jipe!"

Draco gargalhou e nadou até a beira, esforçando-se para levar a bicicleta junto. Ele colocara dois dispositivos que impediam que ela afundasse por completo, mas era difícil mantê-la na superfície.

Os dois saíram da água e correram lomba acima, para mais uma tentativa.

"Depois eu quero trocar." Pediu Harry, quando eles chegaram lá em cima de novo. E foi a mesma loucura, só que agora um carro ficara atrás deles, buzinando. Eles olhavam para trás com olhinhos excitados, e tentavam acelerar mais.

Horas depois, os dois foram até a confeitaria dos pais de Harry.

"Oh, Deus! Mas é todo o dia a mesma coisa!" Exclamava Lílian, todas as vezes, e corria para pegar algumas toalhas.

Eles tomavam suco de laranja e comiam os pães de queijo. Os melhores da cidade.

Às vezes, quando Draco perdia a noção do tempo ouvindo as histórias de James sobre bruxaria e mitologia, ou tentando decifrar as charadas e brincadeiras de Sirius, amigo de infância de James, Narcissa aparecia na confeitaria, agradecia à Lílian por cuidar do filho com uma careta de desgosto e arrastava Draco para casa.

Ele abanava para Harry, que sorria e murmurava um "Até amanhã."

À noite, Draco ouvia as ameaças da mãe. Dizia que se Lucius descobrisse sobre as traquinagens dele junto com uma garotinho pobre, ele ficaria de castigo até atingir a maioridade.

Draco abanava a mão pálida, como se dispensando os argumentos da mãe. Ela nunca contava nada para Lucius e, de qualquer forma, ele estava sempre viajando, cuidando dos negócios.

No dia seguinte, Draco foi encontrar Harry, no mesmo local.

"Ela brigou muito?" Perguntou o menino, e Draco deu de ombros, não querendo falar sobre aquilo.

Os dois começaram a descer, e aquele prometia ser um dia como outro qualquer. Os dois seguiam um carro enorme, prateado, que andava à frente. Mas o carro parou abruptamente, algo que os dois não esperavam, já que só os ônibus costumavam parar nas paradas.

Os dois desviaram rápido para o lado, mas um ônibus vinha subindo a lomba. Harry gritou, mas passou por baixo do ônibus.

Draco não poderia fazer aquilo, então rapidamente calculou o que iria doer menos, e voltou para o outro lado. O carro continuava parado, ele virou a bicicleta e se estatelou no metal do carro.

"Outh." Gemeu, deslizando até o chão. Tentou se levantar e viu que não tinha quebrado nenhum osso. Acabou rindo mais, apesar da dor. Provavelmente ficaria todo roxo.

"Inacreditável." Uma voz fria ecoou perto de Draco, e ele levantou o rosto. O sorriso murchou de imediato.

Lucius levantou o filho e o arrastou para dentro do carro. Draco ainda tentou reclamar, dizer que precisava pegar sua bicicleta, mas Lucius não o escutou; ou fingiu não escutar. Colocou-o no banco traseiro, e seguiu para casa. Draco não se atreveu a falar com o pai, que mantinha a expressão fria e impassível; os lábios crispados.

Harry viu quando carro passou, com Draco, a expressão atemorizada, dentro dele. Ele se apoiou na margem de concreto e suspirou, antes de sair da água.

Sem Draco.

E caminhou até a confeitaria. Sozinho.

Draco nunca mais apareceu. E ele levou algumas semanas até desistir de ir até o lugar marcado. No vigésimo terceiro dia, ele caminhou até a casa dele, a quinze quarteirões de distância. Chegou lá, com os pés cansados e olhou para a única mansão da cidade.

"O que você está olhando, menino? Não damos esmolas aqui. Vá, vá." Disse um guarda, em frente à entrada gradeada do local.

A mansão ficava a uma boa distância da calçada, e Harry não achou que gritar por Draco adiantaria.

Ele abaixou a cabeça e colocou o skate apoiado em um dos pilares da grade, e foi para casa.


Onze anos depois...

"Draco! Você vai se atrasar para a aula, querido!" Gritou Narcissa, ao pé da escada. Draco claramente tinha uma queda por chegar atrasado à faculdade.

Provavelmente para chamar a atenção das garotas, enquanto entrava na sala, de nariz empinado, como se fosse o dono do mundo.

Draco apareceu no topo da escada, e deslizou até embaixo pelo corrimão. Saltou e parou em pé, ao lado de Narcissa, beijando-a na bochecha.

"Acalme-se mulher. Eu nunca me atraso." Gracejou Draco, jogando a mochila por sobre um ombro.

Seguiu para a saída, furtando-se da tentativa de Narcissa de fazê-lo comer alguma. Do lado de fora, uma moto esportiva o aguardava, brilhosa sob os raios de sol matutinos. Ele sorriu e respirou fundo, estufando o peito, antes de subir na moto, colocar o capacete e seguir para a faculdade da cidade.

A família Malfoy mudara-se para Londres há nove anos. E Draco lembrava bem uma das razões. Mas ele concordava que a mudança acontecera para o melhor. Às vezes, chegava a perguntar a si mesmo como fora capaz de agir como um rebelde inconseqüente na companhia de um garoto de classe baixa. Era quase uma abominação.


"Mãe. Mãe. Mãe!" Exclamou Harry, tentando se desvencilhar dos abraços e beijos de Lílian. "Eu vou ficar bem, não se preocupe."

Lílian se afastou e olhou orgulhosa para o filho. Haviam se mudado recentemente para Londres, e Harry foi obrigado a abandonar a faculdade que começara a cursar na outra cidade.

A nova faculdade era maior e mais cara, mas os Potters estavam melhores de dinheiro do que há onze anos. Lílian se preocupava com a mudança repentina, temendo que Harry não se adaptasse, mas o garoto parecia tranqüilo enquanto pegava sua mochila desgastada e montava na bicicleta que comprara logo que entrara na faculdade.

Harry abanou para a mãe e sumiu pelas ruas da cidade.

Estaria mentindo se dissesse que não estava nem um pouco nervoso para o seu primeiro dia em uma universidade totalmente diferente. Ainda mais assim, no meio do semestre. Ele seria o novato provinciano. E ele não gostava da idéia.

Tinha vários amigos e conhecidos na antiga cidade. Ali, não conhecia ninguém e não sabia como agiam os jovens da capital.

Suspirou e balançou a cabeça, afastando os pensamentos negativos. Acabaria se adaptando.

Draco desceu da moto, no estacionamento da faculdade.

A universidade de Londres é composta por um complexo de faculdades e instituições, e Draco freqüentava a Imperial College London. Uma instituição focada em ciência, tecnologia e engenharia. Uma das melhores e mais seletivas do mundo.

Cursava medicina.

Não achava que algum dia colocaria em prática nada do que aprendia, já que herdaria toda a fortuna e os negócios do pai. Mas era de praxe, das famílias ricas, ter um filho com diploma de médico.

Draco andou, ou melhor, desfilou pelo pátio da universidade. Mas seu pequeno show foi pateticamente interrompedido quando um garoto quase o atropelou com uma bicicleta.

"Wooow, me desculpe." O garoto disse, ao parar a bicicleta e empurrar os óculos com o dedo indicador.

Draco se aprumou e olhou para o garoto, com uma resposta muito mal educada na ponta da língua, mas acabou se engasgando.

"Você está bem?" O moreno perguntou, colocando uma mão sobre o ombro de Draco.

Draco olhou-o de cima abaixo. Não poderia ser! Porém, quando terminou sua avaliação, um vento repentino trespassou-os, e os cabelos revoltos do garoto movimentaram-se, revelando uma cicatriz em forma de raio na testa dele.

Não poderiam existir duas pessoas com a mesma testa rachada no mundo.

"Harry?" Perguntou o loiro, um pouco assombrado. Harry ergueu as sobrancelhas, surpreso.

"Como você sabe o meu nome?"

Draco sentiu o sangue ferver. Então ele lembrava do menino pobre e mal-vestido, mas ele não o reconhecia. Ele! Como ele poderia não se lembrar dele?

Por sorte, Draco viu algo que o salvou daquela situação constrangedora.

"Eu não sabia, seu imbecil. Está escrito no seu formulário de transferência." Draco apontou para a pasta caída e aberta no chão.

Harry olhou para o chão e então para a mochila. Era tão velha que abrira sozinha com o peso que carregava, e com o quase tropelamento.

"Oh, obrigado. Eu não posso perder esse papel." Harry disse, abaixando-se para pegar a pasta, mas quando se levantou, viu que o loiro já estava longe.

Harry ficou alguns segundos observando-o. Ele era muito parecido com seu amigo de infância; mas muito diferente ao mesmo tempo. O amigo do qual se lembrava não era arrogante, e nem olhava para as pessoas como se elas fossem insetos. Harry quase se sentira como um gafanhoto de óculos.

Harry não se lembrava do nome dele. Nunca o perdoara pelo sumiço repentino, e obrigara-se a esquecê-lo. Hoje, quando recordava, dava risadas. Coisas de criança.


Nota da autora: Essa história da lomba... É fato verídico. Mais ou menos.

Ps.: Os títulos serão tirados da música Good Riddance (Time of Your Life) do Green Day. É linda, recomendo.