Vortex Paradise – 1 – Prólogo

Levantava, erguia a espada e voltava a lutar. O aço chorava e gritava. E então caiu de novo. Sentia a respiração falhar, os músculos queimavam e doíam, a armadura parecia pesada demais e a palma da mão também ardia ao segurar a espada, que por sorte não fora tirada de suas mãos. Seu adversário continuava em sua mesma pose de batalha, com uma mão atrás das costas, com seu ar cordial e elegante. Sentiu raiva daquilo, trincou os dentes e se levantou novamente partindo pra cima dele com mais um grito de guerra.

As espadas se encontraram mais algumas vezes. A fúria era seu combustível e o fazia ignorar as dores dos ferimentos.E eram muitos ferimentos. Cortes de espada em seus braços e em sua coxa. Também em seu rosto. Seu nariz sangrava assim como o canto dos lábios. Mais um movimento de espada. Dois, três , quatro. Uma seqüência. Queria acertar qualquer ponto vital dele. Queria apenas acertá-lo e por isso brandia a espada furiosamente. O outro, pos sua vez, não tentava si quer atacar. Apenas defendia seus ataques com o olhar sério e calmo, como se estivesse espantando moscas. Por que aquilo parecia tão mais fácil para ele? Por que ele parecia esforçar-se tão menos.

O austríaco se aproveitou de uma pequena abertura, acertou em suas costelas com o cabo da espada, e mais uma vez foi ao chão.

O chão. Fitou o gramado que tinha o mesmo verde de seus olhos, e agarrou com raiva. Não era assim! Não perdia facilmente! Si quer estava acostumado a perder! Mas o austríaco fazia parecer como se aquele sempre fora o seu lugar. No chão.

Pensou em erguer a espada mais uma vez, mas o sapato fino pisou em suas mãos. Gritou com a dor e soltou a espada enquanto seu adversário dizia olhando-o com um ar prepotente:

- Já chega, garoto. – disse o austríaco agachando-se e apanhando sua espada. – Estou farto disso, Hungria. Cresça mais alguns anos, e venha me desafiar de novo. E então, talvez, isso não seja tão humilhante pra você.

Então ele deu as costas e começou a afastar-se de seu oponente derrotado. Antes que este gritasse:

- Espere! – disse o rapaz tentando erguer-se com os braços trêmulos. Tinha cabeça baixa e em um murmúrio. – Como você pode? – então trincou os dentes. – COMO VOCÊ PODE SIMPLESMENTE ME DERROTAR ASSIM COMO SE EU NÃO FOSSE NADA?

Áustria parou e voltou-se pra seu adversário com o mesmo olhar frio e indiferente.

- Não quis fazer parecer que você não é nada. Mas, o que você é... – e então acento os óculos sobre o nariz. – Simplesmente não é o suficiente pra me derrotar.

Hungria cerrou os punhos, deu um soco no gramado e então se ergueu cambaleante.

- Se... – seu joelho falhou fazendo com que quase fosse ao chão novamente. – Se eu sou assim tão insignificante. Por que você não acaba logo com minha existência e me mata? – Então voltou seu olhar verde cheio de fúria para o austríaco. – SE VOCÊ É TÃO CAPAZ DE FAZER ISSO PORQUE NÃO ACABA COMIGO DE UMA VEZ?

- Não tenho interesse em simplesmente acabar com você... – começou o austríaco. – E também não posso te machucar demais, se não, aqueles com os quais você luta atualmente vão conquistar seu território... E sendo os bárbaros que são, logo viriam bater na minha porta e eu não quero problemas para a minha casa. Por tanto, pare logo com isso.

- Eu... Eu não posso parar... – Disse em voz baixa, sentindo o gosto ferroso do sangue tocar-lhe a ponta da língua e tornar aquele momento ainda mais amargo. – Eu não iria desafiar alguém como você, Áustria, se eu estivesse disposto a perder! Eu não vou embora sem que seu território seja meu! Eu preciso... Eu preciso de força! Eu preciso ficar mais forte pra expulsar aqueles nojentos da minha casa! Por isso eu não vou desistir! – Então levantou a cabeça e encarou o austríaco com toda a força que tinha. – EU SÓ VOU PARAR QUANDO TE DERROTAR ÁUSTRIA! AHHHHHH!

Áustria viu o rapaz húngaro partir em sua direção novamente, de mãos nuas. Suspirou. Era um tolo. Pretendia ganhar só no punho?

Quando Hungria, que vinha correndo em alta velocidade em sua direção, se aproximou o suficiente, ele fez um movimento sutil, leve, rápido suave como o de uma dança, desviando o tronco para a lateral. O rapaz, passou direto, aturdido, tentando entender porque seu soco, que deveria ter ido direto no plexo solar do adversário estava tingindo o ar naquele momento. Um momento que durou muito pouco. Pois um austríaco tinha um dos braços erguidos com a espada em punho, o cabo voltado para baixo e o desceu com toda a força na nuca do húngaro, fazendo-o desmaiar.

O garoto caiu inconsciente na grama. O mais velho o observou através das lentes finas dos óculos.

- Devo dizer... Que apesar de tudo, a sua determinação é, de fato, louvável.

Áustria limpou as laminas das espadas com um lenço. Jogou a de se adversário ao lado dele, para que ao menos tivesse como se defender quando acordasse. Embainhou a sua, deu-lhe as costas e começava a partir a passos lentos.

Um sentimento o abateu. Aquele sentimento de receio, interrompeu o movimento de seus pés e o fez parar. Era tão sublime como uma nota fina. Baixa demais para ser ouvida com clareza, mas ainda sim, um som belo demais pra ser ignorado no silêncio.

Ele voltou-se para trás e viu o jovem rapaz estirado no chão. O rosto ferido cheio de manchas vermelhas de sangue borrado. Os cabelos castanhos soltando-se de seu rabo de cavalo e caindo sobre o rosto sereno deitado na grama.

O austríaco sabia que se apenas o deixasse ali, os otomanos tomariam todas as suas terras, e extinguiriam sua existência. E no entanto se ele o acordasse, ele voltaria a atacá-lo novamente.

Naquele momento, Áustria tomou uma decisão simples. Uma decisão fácil. Uma coisa tão natural quanto à cor das folhas e o soprar do vento. E ao mesmo tempo, algo que mudaria sua vida para sempre.


Aos poucos foi sentindo seu corpo novamente. Sentia o desconforto das dores musculares causadas na batalha. E agora, a inconsciências já não era o bastante pra anestesiar a dor na cabeça. Piscou os olhos com força e os abriu lentamente. E a primeira coisa que viu foi o teto elegante em tecido vermelho da cama nobre onde estava deitado.

E então levantou bruscamente quando lhe ocorreu que não deveria estar deitado em uma cama nobre e sim no meio da floresta na grama úmida e no chão duro.

- O que é isso? – levou a mão ao rosto e percebeu que esta estava enfaixada com ataduras. Tocou os cortes que deveriam estar em seu rosto e notou que esses também haviam recebido tratamento adequado. – Mas que diabos é isso? O que aconteceu? – Então olhou ao redor e viu o quarto com mobília fina, quase tudo ali era coberto por tecidos e madeira nobre, de cores bem quentes e vivas. Os raios de sol alaranjados do cair da tarde entravam sutis pela grande janela na parede á sua direita. – Que lugar é esse?

- Meu quarto. – Era o austríaco. Estava sentado numa cadeira próximo ao que parecia ser uma penteadeira ou uma escrivaninha. Estava com os braços e as pernas cruzadas e seu habitual ar arrogante e presunçoso. – Ou melhor, é seu quarto agora. Estamos na minha casa...

- O que?

- E antes que comece a fazer algum alvoroço, devo avisá-lo... – continuou, sem se deixar interromper. – Que você é meu subordinado agora. E toda e qualquer atitude que eu julgar inapropriada entre um subordinado e um mestre, será tratada devidamente.

- E o que te leva a acreditar que eu aceitarei de bom grado que você me subjugue?

O austríaco levantou o olhar e fitou o húngaro raivoso.

- Acredito que seja o fato de que você não tenha escolha Hungria. Você pode ficar em minha casa sob minhas ordens, ou eu posso entregá-lo aos otomanos feridos como está. – Então ele suspirou e se levantou de sua cadeira. – Considerando as cartas que o destino lhe deu, a chance que estou lhe dando é indubitavelmente melhor.

Hungria absorveu aquelas palavras e se imaginou lutando contra os otomanos na situação em que estava. Não tinha mesmo condição de pará-los antes de decidir atar o Áustria na intenção de tomar seu território e se fortalecer para parar o avanço do inimigo. E era indubitável que, mesmo que estivesse perdendo sua liberdade e sua própria casa, ao menos continuava vivo e existindo. O que não ocorreria caso tivesse sido deixado sozinho.

O jovem rapaz cerrou os punhos e baixou a cabeça trincando os dentes e contendo as lágrimas.

Áustria o olhou de soslaio pro garoto. Entendia como ele estava se sentindo e a forma como aquele rosto de traços finos tão apreciáveis esperava a desolação e a raiva de alguém que tem que se conformar por ter perdido tudo, o faziam sentir-se como o vilão da história.

È bem verdade que ele poderia ter se unido á Hungria. Aquele garotinho já o havia salvado tantas vezes em sua infância, e agora precisava ser salvo. E ele podia tê-lo salvo. Podia muito bem ter oferecido uma aliança pra que eles se unissem contra a dominação do território. Mas húngaro o atacara primeiro, e ia contra seu orgulho oferecer uma aliança nessas condições – além também de provavelmente desagradar seu chefe, caso o fizesse. -. E no entanto, a atitude lhe parecia digna de louvor e bem altruísta.

Mas, já havia tomado sua decisão. E talvez em breve, Hungria percebesse que aquela era a melhor decisão.

- Eu não pretendo mais discutir com você. – ele deu-lhe as costas e saiu do quarto fazendo ranger a grande porta de mogno. – Você precisa tirar essa armadura e tomar um banho. Mandarei que os criados venham ajudá-lo. Logo em seguida, lhe mostrarei a casa.

Aquela porta fechou-se com um baque surdo. Um rapaz húngaro cativo, ajoelhado na cama, sentia-se mergulhando na solidão daquele quarto, que agora seria sua cela numa prisão. E sentia-se grato por isso. Sim. Grato. Porque agora em sua completa solidão, ele finalmente podia mergulhar o rosto nas cobertas macias e entregar-se ás suas lágrimas. As lagrimas de um homem que havia acabado de perder sua casa, sua liberdade, sua esperança... Um homem que havia acabado de perder sua antiga vida. De perder tudo o que tinha...