Fic Kyman tratando de temas realmente polêmicos e pesados. Se se acha fraco para enfrentar esse tipo de leitura, não leia!

Sinopse inteira: Todos os sonhos e esperanças de Kyle de possuir uma vida perfeita e normal foram arruinados quando este foi capturado pelo tráfico infantil de pessoas e comercializado como um objeto, longe das terras de South Park.
Agora, dezesseis anos depois, Kyle encontra um velho amigo de infância, mas ele ainda não sabe se ter encontrado Eric Cartman, ou Big Bones, como ele é chamado dentro da máfia, era a sua passagem para o paraíso ou um assento de primeira classe para o verdadeiro inferno.


Desde que Kyle era pequeno, ele tinha um sonho.

Sonhava em se tornar advogado, igualzinho ao pai. Passava horas do seu dia ajudando-o a arrumar os seus processos e a organizar o dinheiro da casa. Pegava os casos do pai e lia-os, tentando encontrar alguma forma para ajudá-lo, mesmo que não entendesse nada das leis do estado do Colorado. Kyle podia ser pequeno, mas era bastante inteligente e tinha noção do mundo e do dinheiro, o que o tornava motivo de orgulho para Gerald, pai coruja que sempre gostava de enaltecer as qualidades do filho prodígio nas reuniões de família e amigos.

Mas sabia que antes de se formar em direito, tinha que passar por várias etapas. Tinha que terminar o primeiro grau e junto com as obrigações, viriam as diversões. Iria estudar, mas sairia para brincar com o seu quarteto de infância: Kenny, Stan e Eric, esse último não era bem um amigo, mas eles andavam juntos. Por algum motivo, Cartman estava sempre presente, mesmo que antagonizasse com os três. Talvez ninguém quisesse brincar com ele e eles fossem os únicos a realmente tratá-lo bem, ou melhor, aturá-lo.

Eles saíam juntos todos os dias, brincavam de super-heróis, mexicanos, lutadores e tudo que mentes criativas de crianças de nove anos de idade conseguiam imaginar. E assim eles iam crescer, deixando as brincadeiras mais bobas para trás e amadurecendo-as, até que parassem de brincar e começassem a praticar esportes juntos e somente conversar. Isso seria quando ele estivesse no segundo grau. Seria o período das descobertas, da puberdade. Era nessa época que ele iria se apaixonar por alguma garota e provavelmente seria rejeitado. Veria vídeos proibidos escondido com seus amigos no quarto, colocando a televisão no mudo e torcendo para que ninguém da casa sequer imaginasse o que eles estariam vendo. Sua mãe morreria de desgosto ao saber que o seu filho, aquele menino tão inteligente e educado, ficava se masturbando vendo filmes pornôs.

Até que ele chegasse ao terceiro grau. Seus desejos sexuais sairiam da escuridão do quarto e iriam se focar em mulheres de verdade, que já estariam desenvolvidas e com interesses em garotos. Nesse período a sua mãe iria realmente se preocupar, já que dar prazer a si próprio não engravida ninguém, já sexo... Tentaria controlá-lo e o mandar levar camisinha para todos os lugares, mesmo quando ele falasse que só iria sair com os amigos para ir a algum bar. Pegaria o seu carro e os encontraria no bar perto da cidade e... É, quando ele chegasse ao ensino médio, ele também poderia dirigir, teria sua carteira e, se seu pai fosse bastante legal, lhe daria um carro. Mulheres, bebidas, carro próprio... E, é claro, o estudo. Ele nunca havia tido problemas com estudo, sua inteligência muito acima da média não exigia nem que ele precisasse estudar, só de estar em sala e ouvir o que o professor falava já era o bastante para ele aprender o que muitos demoravam a entender.

E quando acabasse a escola, seria a época da formatura, a hora de deixar South Park e os amigos para trás. Iria conseguir entrar em Harvard sem muito esforço e deixaria os seus pais envaidecidos por sua conquista. Iria usar aqueles chapéus engraçados e provavelmente seria o orador da sua turma, fazendo um discurso sobre final de ciclo e o início de um novo, dúvidas, insegurança e coragem. Típico e clichê, mas todos no final iriam chorar e se abraçar, tendo a certeza de não se veriam durante um bom tempo e alguns poderiam nunca mais chegar a se encontrar. Seria o final da escola, final de doze anos de estudo e convivência, era muito tempo para que eles simplesmente dessem as costas e fossem embora. Choros, emoção e declarações de amor seriam feitas, tudo acompanhado com aquele estranho aperto no peito que não ia embora, mesmo que eles se abraçassem o máximo que podiam. Despedidas eram mesmo difíceis.

Iria para a faculdade de Direito em Harvard e levaria um trote pesado na primeira semana, tendo que fazer uma série de favores para os veteranos. Iria experimentar uma versão mais intensa do seu ensino médio, cheia de bebidas, mulheres, diversão e talvez até algumas drogas, mas com o fator essencial de que sua mãe e seu pai não estariam monitorando os seus passos. Seria ele sozinho e maior de idade naquele mundo que era Harvard, onde ele só seria culpado se fosse pego. Os anos iriam passar e Kyle iria amadurecer, fazer novas amizades e conhecer a mulher da sua vida, ela faria uma matéria com ele no sétimo período e eles acabariam fazendo um trabalho juntos e se apaixonariam. Iriam namorar e sairiam da faculdade já planejando o casamento, casa e filhos. Deixaria a vida boêmia para trás de vez e seria, pela primeira vez, um adulto de verdade. Talvez voltasse para South Park e criasse uma agencia de advogados com o pai, aquela cidade pequena era perfeita para criar filhos, uma vez que a violência era baixíssima e as crianças podiam brincar na rua até tarde. Muitos dos seus amigos de infância voltariam a morar lá também, teriam filhos e seriam amigos dos seus...

Era uma vida perfeita, cheia de vitórias, conquistas, amigos, mulheres, diversão, família e amor. Uma vida que qualquer pessoa desejava, não era cheia de dinheiro e luxuosa, mas repleta de felicidade.

Mas não aconteceu nada disso.

Essa era a vida que Kyle sempre idealizou, mas ela jamais se concretizou. Tudo em sua vida desmoronou e tomou um rumo completamente oposto, um rumo sombrio e triste, onde a menor centelha de felicidade era extinta antes mesmo de existir.

Ele agora se encontrava em um quarto pequeno e cinza. As paredes eram descascadas e com sinais de infiltrações no teto, mas ele não se importava com isso. As roupas e alguns poucos pertences pessoais estavam jogados pelo chão e por cima da escrivaninha, dando a clara impressão de descaso. Estava deitado em uma cama de casal velha e cheia de furos no lençol e no colchão, com algumas molas escapando pelo acolchoado da cama, mostrando que ele já estava velho, gasto e que precisava ser trocado. Suspirou melancolicamente, colocando os braços atrás da cabeça e desviando os seus olhos para a janela. Grades. Ele não podia fugir.

Kyle sentou-se na cama, dando graças a Deus por ainda ser cedo e ainda não estar na hora de começar a trabalhar. Estava só de cueca, mas pudor era algo que ele não tinha mais, não depois de estar naquele ramo há dezesseis anos. Mesmo se alguém entrasse e visse naquelas condições não seria problema, já haviam o visto em situações bem piores. Espreguiçou-se demoradamente, sentindo os braços brancos e com pequenas sardas estalarem por ele estar deitado durante muito tempo. Levantou e foi até o banheiro do seu quarto, pegando uma escova de dente na pia e escovando-os, extinguindo os gostos amargos que ficaram na sua boca da noite passada.

Observava a si mesmo no espelho, sem ânimo algum com o que via. Não era a imagem que queria ter de si mesmo quando estivesse com vinte e cinco anos, não queria estar acordando na cama de um prostíbulo e indo escovar os seus dentes em um banheiro imundo porque não aguentava sentir o gosto da ejaculação de um desconhecido em algo tão íntimo que era a sua boca. Seus olhos verdes não emitiam mais o mínimo brilho, agora eram sofridos e totalmente apagados, distantes. Seu rosto era magro – até demais – e mostrava os ossos nas maçãs do rosto, dando-lhe o aspecto de desnutrido. Sua pele e seus lábios mostravam pequenos cortes, herança de seus anos naquele lugar com clientes nem um pouco gentis. Os cabelos ruivos continuavam os mesmos, vivos e flamejantes, mas isso era porque Bill sabia que a maioria dos clientes de Kyle só iam deitar com ele pela tara que eles possuíam em cabelos ruivos, então ele fazia questão de dar os melhores xampus e condicionadores para que o garoto cuidasse bem do seu maior atrativo.

Cuspiu a espuma e ligou a torneira, bochechando com a água para tirar os resquícios da pasta da boca, secando o rosto logo em seguida com a toalha e voltando para o quarto, sentando-se na cadeira de madeira velha e quebrada que ele tinha no quarto para ficar fazendo o seu maior hobby: olhar pela janela.

Parecia um hobby muito sem graça para quem era livre, mas para ele valia ouro. A janela era a sua única ligação com o mundo exterior, era a única prova de que existia um mundo lá fora, que ainda existia vida além daquelas grades. Observar as nuvens no céu, os pássaros... Quantas vezes não havia se imaginado como um pássaro? Um lindo pássaro ruivo e arteiro, que passaria pelas grades de aço daquele lugar e voaria para longe, bem longe daquele inferno. Eram imagens mentais que o consolavam, eram elas que não o deixavam enlouquecer dentro daquele minúsculo quarto cinza. Era a janela e tudo que ela podia lhe mostrar que o dava forças para viver, embora ele soubesse bem que isso jamais iria salvá-lo. A janela era uma ilusão. Ela lhe passava um mundo que era real, mas não o pertencia. Era como se ficasse observando a vida inteira uma imagem dele mesmo rico e esperar que ele fosse rico por causa disso. Não ia. Era só uma imagem, não iria acontecer no mundo real.

Mas ele não se importava, só queria aproveitar aqueles momentos de mentira o quanto podia. Sua realidade já era dura e triste demais, por que ele não podia se dar ao luxo de fugir dela também? Só sonhava com o dia que seu salvador iria surgir pela sua janela, a arrancaria fora e o tiraria daquele lugar. Já havia sonhado várias vezes com aquela cena, embora nunca tivesse conseguido ver quem era a pessoa que sempre o salvava. Seria um amigo? Um desconhecido? Como poderia saber? Queria acreditar que era um sonho profético, mas tinha as suas dúvidas. Não era tão sortudo assim, além do mais tinha certeza que seus pais já haviam desistido de procurá-lo, era mais do que certo que todos em South Park achassem que ele estava morto. Dezesseis anos era tempo demais para alimentarem a esperança de ainda encontrarem o filho perdido. Ninguém gostava de sofrer tanto assim. Talvez ficasse preso naquele lugar até ficar velho, em uma idade em que ninguém iria mais querer nada com ele e então iriam matá-lo. Sua vida inteira seria resumida em ser tratado como lixo e usado para o sexo, até o momento que fosse realmente inútil. Sentiu o coração apertar, mas nenhuma lágrima foi derramada. Era como se elas já tivessem secado de tanto serem desperdiçadas só com aquele assunto.

As imagens do seu futuro brilhante não paravam de rondar sua cabeça, era como se elas estivessem ali o tempo todo para lembrarem a ele o quanto ele era infeliz. Todos os seus amigos deveriam estar levando vidas normais e prósperas, terminando a faculdade, namorando, curtindo a vida e ele lá, servindo de objeto sexual para homens nojentos e preso dentro daquela gaiola horrível. Não queria passar a vida inteira naquele lugar, era cruel demais ter uma vida resumida em apenas prostituição e abusos.

– Ginger, o Bill quer que você desça em uma hora. – Disse uma voz do nada, fazendo o rapaz se sobressaltar. Nem havia ouvido a porta abrindo, estava realmente viajando em seus pensamentos.

Ginger era o "nome de guerra" que ele havia recebido quando chegou naquele lugar com nove anos de idade. Muito original.

Olhou para trás e encontrou Margareth, braço direito de Bill, a cafetina do lugar. Ela era uma senhora de, em média, setenta anos, mas se vestia e se maquiava como se tivesse vinte. Seus braços, pescoço e orelhas eram recheados de joias e seus cabelos brancos estavam sempre pintados com uma tinta tão loira que era evidente a artificialidade. A maquiagem era carregada, mas era típica para ser usada em lugares como aquele. Os olhos castanhos e astutos observavam tudo e era difícil alguma coisa passar despercebida quando ela estava no aposento. Uma mulher que cresceu no meio do crime e tinha anos de experiência.

Kyle se virou para ela de corpo inteiro, olhando-a cautelosamente.

- Ele falou do que se trata? Não tenho clientes essa hora... – Falou devagar, tendo cuidado com as palavras. Margareth era uma mulher difícil de lidar, ele mesmo já havia apanhado várias vezes por simplesmente não ter falado com ela da maneira correta.

A mulher suspirou dramaticamente, olhando para Kyle como se ele fosse a pior coisa do mundo. E para ela, todos aqueles escravos sexuais eram.

- Não, claro que não. Por que ele daria satisfação a um bichinho como você? - Ela olhou as suas unhas postiças vermelhas e compridas com descaso, enquanto o humilhava – Tudo que ele falou é que é pra você descer, vestido com a sua melhor roupa, não que eu ache que você tenha alguma melhor do que esses trapos que você usa... Enfim, seja rápido, sabe como ele odeia esperar. – E saiu, batendo a porta com força.

Kyle ficou durante alguns segundos observando a porta fechada, sentindo um calafrio ao notar que havia algo estranho e diferente no pedido de Bill. Uma faísca de esperança brotou em seu coração, e se eles haviam decidido o libertar? Pediram pra ele vestir a sua melhor roupa, talvez ele fosse receber uma espécie de carta de alforria! Já havia sido escravizado ali durante tanto tempo, quem sabe eles não enjoaram da sua cara e resolveram se livrar dele de uma vez? Talvez Deus finalmente houvesse ouvido os seus pedidos e mandado um salvador para livrá-lo daquele inferno que era a sua vida.

Empolgado como há muito tempo não estava, ele saltou da cadeira e correu em direção ao armário, na procura de uma roupa que fosse boa o suficiente para Bill.

Iria ser como um pássaro – e voaria para longe daquele lugar.

Pena que não seria exatamente do jeito que ele imaginou.