Título: Onde Mora o Coração
Casal: Oliver/Percy
Resumo:
A vida de Oliver não vai bem como tinha planejado. Ao invés de uma estrela do futebol havia se tornado policial e agora estava sendo obrigado a se afastar graças a um acidente. Decidido a sentir pena de si mesmo, compra uma casa caindo aos pedaços no subúrbio e encontra muito mais do que imaginou.
Classificação: M
Disclaimer: Nada me pertence.
Atenção: Universo Alternativo. Slash.
"Parado, mas ainda me movendo.
Deitado, mas sem descansar.
Respirando, sufocando.
Todo tempo estou debatendo."
Viu as meninas assim que entrou na rua. Não que ele tivesse algum tipo de supervisão ou elas estivessem vestidas de forma chamativa, mas era meio impossível ignorar todo aquele cabelo vermelho. Era quase como voltar a escola, não via pessoas tão ruivas desde Hogwarts. Sorriu ao lembrar que naquela época costumava achar que todos os ruivos eram Weasleys. Claro que hoje em dia sabia que nem todos os ruivos do mundo eram membros da família Weasley... Embora muitos fossem.
Ficou um pouco surpreso ao notar que elas estavam consertando uma bicicleta no gramado de sua nova casa, mas imaginou que fossem crianças da vizinhança. O táxi parou na entrada da garagem e ele desceu com dificuldade, ainda não tinha se acostumado com as muletas e em momentos como aquele sentia vontade de joga-las longe. Quando finalmente venceu a batalha, fechou a porta do carro e contou até cinco antes de tomar coragem de começar a andar até o porta-malas para ajudar o motorista. Sabia que se arrependeria de ter recusado a ajuda de Angelina e Katie. Na hora havia feito sentido, seu orgulho masculino tinha acordado esperneando diante da ideia de seus novos vizinhos o verem sendo ajudado por duas mulheres. Como se já não bastassem as muletas. Mas uma hora e meia num espaço apertado, não tinha feito muito bem a sua perna operada. Podia até ouvir a voz reprovadora de sua mãe o chamando de louco. Só queria entrar em casa, tomar o remédio para dor, se jogar na cama e dormir até o dia seguinte.
-Oi.-uma voz alegre o saudou. -Você é o nosso novo vizinho?
Uma das meninas estava parada bem ao seu lado e olhava para sua perna engessada com interesse. Um pequeno sorriso enfeitava o rostinho sardento e incríveis olhos azuis pareciam ainda maiores graças as lentes dos óculos que teimava em escorregar por seu narizinho. Seus cabelos eram finos e estavam cortados um pouco acima dos ombros, eram mais cor de cobre do que vermelhos. Oliver teve que sorrir. Gostava de crianças, costumava achar que seria pai de um pequeno time de futebol e em um certo momento da vida tinha chegado a pensar em nomes para eles. Mas como todos os seus planos, aquele também tinha ido por água a baixo.
-Uhum, eu sou o Oliver. Oliver Wood.-encostou uma das muletas no carro e estendeu a mão para a menina.
Ela pensou um pouco antes de apertar seus dedos com firmeza surpreendente. Oliver notou a outra garota observando tudo de perto. Parecia uma versão mais velha da menininha que estava falando com ele, embora tivesse algumas diferenças notáveis. Não usava óculos e tinha olhos castanhos e, apesar de não ter dito uma só palavra, exibia um certo ar de superioridade e tédio. Uma adolescente típica. Toda de preto, a única cor nela eram os cabelos vermelho vivo.
-Eu sou a Lucy e aquela é minha irmã Molly. Nós moramos ali.- a pequena apontou para a casa ao lado da dele.
Se é que uma construção daquelas podia ser chamada de casa. Era de longe o maior imóvel da rua, dois andares de beleza e ainda por cima com o melhor jardim do bloco. Uma olhada para toda aquela grama verde e bem cuidada, os arbustos cirurgicamente podados e os canteiros com flores vermelhas e amarelas, e Oliver entendeu porque as meninas tinham escolhido seu gramado malcuidado para consertarem a bicicleta. Quem quer que fosse o responsável por aquele jardim premiado não gostaria nada se elas estragassem algo, mesmo que sem querer. Ainda estava com inveja do jardim alheio quando Lucy voltou a falar.
-Posso escrever no seu gesso? Eu tenho canetinhas e lápis colorido em casa, posso pegar e fazer uns desenhos. Ia ficar tão lindo.
-Lucy, deixa o moço em paz. Dá tchau pra ele, já tá na hora de entrar.- a mais velha falou pela primeira vez.
A pequena Lucy fez o biquinho mais fofo da história da humanidade e chutou o cascalho do chão, deu uma última olhada para o gesso de Oliver e depois abriu um largo sorriso.
-Eu já sei! Você devia vir jantar lá em casa. Nosso pai é o melhor cozinheiro do mundo!-ela exclamou como se tivesse acabado de descobrir a solução de um problema difícil.- Aí depois eu posso escrever no seu gesso.
Oliver soltou uma gargalhada, não sabia o que era mais engraçado a expressão animada de Lucy ou a contrariada de Molly.
-Eu adoraria, mas acho que seu pais iriam gostar de me conhecer antes. -piscou para Molly que balançou a cabeça embora até ela estivesse sorrindo.
-Lucy! Molly!- uma voz de mulher ecoou. As duas meninas olharam na direção da casa onde moravam, uma senhora com uniforme de empregada estava parada na varanda acenando para que elas voltassem.
-Acho que vocês tem que correr...
-Foi legal te conhecer, senhor Wood. Boa tarde!
Lucy correu atrás da irmã que ia levando a bicicleta. Quando estavam já na metade do jardim premiado de sua própria casa ela voltou a se virar e gritou:-Bem vindo ao bairro!
-Obrigado!
Esperou elas desaparecerem atrás da empregada antes de finalmente entrar em casa. Podia dizer que apesar de tudo aquele tinha sido um bom começo.
Acordou com o som inconfundível de batidas na porta. Levou alguns segundos para lembrar que lugar era aquele e porque estava deitado num colchão no meio de uma sala sem mobílias e cheia de caixas. Esfregou a mão nos olhos para afastar o sono e olhou para os números vermelhos piscando no relógio digital ao lado de sua cama improvisada. 20:15. Ótimo, tinha dormido durante seis horas direto e ainda assim estava se sentindo um lixo. Voltou a cobrir os olhos com o braço e virou o corpo, as luzes estavam apagadas e não estava fazendo barulho, tinha certeza de quem quer q fosse iria embora quando não recebesse resposta. Para a infelicidade de Oliver as batidas não pararam, na verdade depois de cinco minutos começaram a parecer mais fortes. Sinal claro de que a pessoa do outro lado estava ficando nervosa. Suspirou resignado com a derrota e resolveu levantar e anteder antes que quem quer que fosse resolvesse ligar para a polícia. Sabia muito bem como as pessoas do subúrbio eram chegadas numa tempestade no copo d'água.
-Já vaaaaaai... Já vai!- gritou para se fazer ouvir sobre o som das batidas.
O barulho infernal parou imediatamente, restando apenas o som de suas muletas batendo no chão enquanto se deslocava com dificuldade até a porta. Chegou a seu destino irritado e com uma sensação ruim na boca do estomago. Uma inquietação sem sentido que vinha sentindo desde o acidente. Abriu a porta pronto para mandar a pessoa embora, mas uma olhada para a figura parada na sua varanda foi o bastante para deixa-lo completamente mudo. Fazia 17 anos desde a última vez que tinha visto Percy Weasley, mas ali estava ele, como um pedaço do passado de volta à luz. Notou com satisfação que não era o único em choque com a surpresa e por algum motivo aquilo foi o bastante para traze-lo de volta ao presente. Soltou uma risada involuntária antes de falar.
-Percy? Percy Weasley?
Mesmo com a falta de iluminação onde estavam conseguiu ver o rosto do outro ficando vermelho de embaraço. Riu com vontade dessa vez. Só ele mesmo para ir dormir sentindo dor e acordar num episódio de Além da Imaginação, talvez precisasse mandar checar aqueles remédios.
-Mas... você... Wood!
Não era todo dia que alguém tinha a oportunidade de causar incapacidade comunicativa em Percy Weasley, por isso Oliver encostou na porta para aproveitar melhor a cena. Poderia ter ficado a noite inteira olhando o outro ficar cada vez mais vermelho e se atrapalhar com as palavras se seus olhos bem treinados não tivessem notado uma movimentação curiosa na janela da casa do outro lado da rua. Podia ver claramente uma senhora olhando para eles e chamando alguém , segundos depois um senhor apareceu ao lado dela e entregou um par de binóculos. Sentiu o queixo cair. Percy parou de balbuciar e olhou sobre o ombro, mas rapidamente voltou a encarar Oliver.
-São os Floyd, eles acham que são um tipo de vigilantes da vizinhança.
-Não brinca.
-É sério, daqui a pouco Margareth vai pegar o telefone e ligar para as amigas e logo nós estaremos estrelando Big Brother Suburbia.
Era só o que faltava na vida de Oliver.
-Olha, porque você não entra enquanto eu acendo as luzes?
-Hum, não acho uma boa ide...
-Entra logo Weasley. Não posso ficar muito tempo em pé e já extrapolei o limite assistindo você bater o recorde de vermelhidão e gagueira.
Abriu mais a porta e saiu do caminho dando espaço para o ruivo entrar, acendeu as luzes da varanda e da sala e se arrependeu imediatamente. A casa parecia ter passado por um terremoto, não lembrava de ter largado as caixas de qualquer jeito durante a mudança, nem daquele papel de parede rasgado, do carpete manchado ou da marca enorme de infiltração no teto. Para piorar tudo Percy estava parado no meio da sala olhando fixamente para a tal marca no teto, como se esperasse que alguma assombração de filme japonês saísse dela. Ele parecia completamente fora de lugar ali, com suas roupas limpas e bem cortadas. Não tinha mudado muito desde a escola, continuava alto e magro. Os cabelos ruivos tinham um corte de bom gosto e estavam tão bem penteados que Oliver sentiu vontade de meter a mão neles e desarruma-los só para ver a reação do outro. Os óculos antigos de armação grosseira tinham dado lugar a um de marca que combinava perfeitamente com o rosto mais maduro e o ar de homem de negócios. Era evidente que alguém tinha se dado muito bem na vida, alguém que não se chamava Wood. Sentiu a dor voltando lentamente.
-O que você está fazendo aqui afinal?-perguntou com animosidade, não conseguia mais aguentar todo aquele silêncio.
Percy, que parecia ter esquecido que não estava sozinho, desviou o olhar do teto e concentrou-se em Oliver. Seus olhos azuis estavam escuros, como o céu do lado de fora, só que sem o brilho romântico das estrelas e da lua. Estavam mais para tempestade prestes a se transformar em furacão. Ele tinha notado o tom da pergunta. "Ótimo, não queria mesmo ser sútil" pensou Oliver.
-Eu moro na casa ao lado.-o ruivo respondeu e apontou para a parede com o papel rasgado, na direção da casa do jardim perfeito.
-Que merda!-Oliver falou sem pensar.
-O que?-o rosto de Percy voltou a ficar vermelho, mas dessa vez não era de vergonha.
-O que?-Oliver usou a tática 29 do manual da desconversa.
-O que você acabou de dizer?
-Nada, você que falou que mora aqui do lado.
-Não, você disse mer...-e como um bom filhinho de mamãe, Percy engasgou com o palavrão.
Oliver mordeu a língua para impedir que uma gargalhada escapasse, mas olhar para a cara de ofendido do outro não estava ajudando seu autocontrole. A dor na perna tinha aumentado e sua mão esquerda estava começando a tremer, precisava mesmo tomar aquele remédio. Segurou as muletas com mais firmeza e foi até a cozinha sem se preocupar em olhar se estava sendo seguido. Conhecia aquele Weasley muito bem e sabia que ele não iria embora antes de dar pelo menos um sermão.
-Minha filha mais nova passou o jantar inteiro falando como o vizinho novo tinha um gesso lindo para ela pintar e como ele tinha prometido deixar que ela desenhasse no gesso em troca do jantar.
-Hahaha eu não disse isso não! Mas até que ela tem uma imaginação incrível.- "diferente de você', completou mentalmente.
Encheu um copo com água da bica, pegou dois comprimidos na cartela que tinha largado em cima da pia e engoliu tudo de um gole só.
-Mas isso ainda não explica porque você está aqui...
Pegou um copo de noodles de dentro de um sacola de supermercado que estava na bancada e ficou olhando em volta tentando lembrar se tinha trazido a chaleira ou dado ela junto com todas as coisas de cozinha que nunca tinha usado na vida. Acabou enchendo o copo com água da bica, colocou a mão em cima da tampa, sacodiu, espiou o resultado. Não parecia nada apetitoso, mas era o que tinha e ia ser aquilo mesmo. Pegou um garfo e espetou a massa dura que boiava na água fria.
-Ela ficou esperando você aparecer no quintal atrás da casa para poder te convidar para jantar, mas acabou ficando preocupada quando não viu nenhuma luz ou movimentação por horas.
Oliver engoliu o macarrão bravamente e encarou o ruivo. Pensou em comentar como as pessoas daquela rua pareciam não ter mais o que fazer além de espiar umas as vidas das outras. Mas no fundo se sentiu tocado que uma criança que tinha acabado de conhecer tivesse se importado tanto com seu bem estar. Mesmo que fosse com a intenção de transformar o gesso de sua perna numa pintura abstrata.
-Você vai comer mesmo isso? Essas coisas já são contra indicadas quando preparadas do jeito correto. Dessa forma criativa que você fez deve ser quase tóxica.
-Eu acabei de me mudar, não sei onde estão as coisas.- respondeu na defensiva.
Percy deu um espetáculo de olhada em volta. Depois abriu um sorriso cínico.
-É mesmo? Nem notei.
Oliver bateu o pote na pia e ficou aliviado quando metade do conteúdo voou longe.
-Escuta, se era só isso você pode fazer o favor de voltar para sua mansão agora que viu que não estou morto.
-Ótimo, vou dar a notícia para Lucy. E não se preocupe, elas não vão ficar vindo te perturbar.
-Não foram elas que vieram aqui me perturbar...
Percy não se deu ao trabalho de responder a provocação, deu meia volta e saiu da casa pisando firme. Quando Oliver trancou a porta viu o outro sendo recebido pelas filhas na varanda da própria casa, nem sinal de esposa. Mas isso não era surpresa, nenhuma mulher em sã consciência aguentaria Percy "Perfeito" Weasley por muito tempo. Encostou a testa na madeira e fechou os olhos. Com tanto lugar no mundo, tinha tido a sorte de comprar sua primeira casa bem ao lado daquele idiota e sua vida perfeita. A vida podia ser mais injusta?
