Delicioso pecado

- Veja só, que olhos lindos! Tenho certeza de que esta túnica ornará perfeitamente com eles.

- Ora, Kanon... eles são iguais aos seus!

- São iguais. Mas tem um espírito diferente... isso é o que os caracteriza!

Kanon deu um beijo de leve nos lábios de Saga. Este último, ainda se familiarizando com a vida na corte, observava todos aqueles olhos que se voltavam a si. De certa forma, era constrangedor - pois por anos estivera quase isolado de tudo e de todos, embora em seus ouvidos chegassem muitos rumores da corte; e agora tinha de se expor a todos.

De repente, de proscrito e herdeiro deserdado, Saga se tornara o segundo monarca entronizado graças a Kanon, seu irmão, que instara para que ambos dividissem a herança - e isso incluia o trono.

E de repente ele se tornara o solteiro mais cobiçado do reino. Não somente por ser um dos reis, mas por ser belo e agradável. Na primeira semana, recebera não sei quantas propostas de damas querendo oferecer suas filhas, moças de sangue nobre e casadoiras, para um casamento vantajoso. Ele suspirava, desalentado.

- Kanon, se eu ficar me arrumando dessa forma, as donzelas vão ficar ainda mais afoitas.

- Deixe. Eu confio em você.

- Sei que confia. Mas veja! Eu não gosto de todo esse assédio. Por um momento, sinto saudade do tempo em que não precisava me expor e tinha lá o meu sossego em meu castelo...

- Ora! Naquele tempo você não tinha a mim.

- É verdade, eu não tinha. Mas era só isso que me fazia falta, e não o assédio da corte! E nem todos esses pedidos de casamento...

- Não vai ceder a eles, vai?

- Claro que não. Sabe que eu o amo. E ademais, não seria capaz de casar apenas por interesse.

O mais moço foi até as costas do mais velho e o abraçou.

- Você já é casado, bobo... aquela cerimônia de entronamento foi seu casamento comigo, embora ninguém saiba além de nós. Mas fique sabendo que eu ficaria muito aborrecido se considerasse a ele como menos do que um casamento contraído oficialmente...

- Eu já o considero assim. Sempre considerei na verdade, mesmo antes de conhecê-lo pessoalmente.

Desta vez, ambos se beijaram longa e docemente nos lábios. Sorriram e foram a seus compromissos com a corte, os quais nem sempre eram agradáveis, mas era o jeito.

Naquele dia, porém, Saga teria contato com uma pessoa a qual não via há muitos anos, e que mexeria com suas defesas...

No meio das demais damas e cavalheiros os quais vinham pleitear empréstimos, terras, acordos e demais burocracias, estava uma dama bem-parecida, porém com ares de quem já conhecia bastante "o mundo" por assim dizer. Saga a reconheceu quase imediatamente, apesar de tê-la visto a última vez há quase dezesseis anos. Mas reconheceu. Então, desviou os olhos. Mas ela lhe sorriu de maneira insistente.

Fingir que não a vira não adiantara muito para ele. Pois assim que as audiências se acabaram e ele saíra com Kanon, ouvira um suave pigarrear a suas costas.

- Com licença, Vossa Majestade. Poderia eu por favor falar consigo a sós apenas por alguns instantes?

Ambos viraram para trás, pois ambos eram reis. Porém, a misteriosa mulher mirou a Saga.

- Meu senhor. Não se recorda de mim?

Demoraram alguns segundos até que ele respondesse.

- Recordo sim.

- Podemos nos falar?

O mais velho olhou a Kanon, querendo assim indagar dele o que fazer. Este assentiu com um pequeno gesto de cabeça, e fez que ia se retirar... porém ficou na espreita do lado de fora, enquanto Saga e a mulher se encontravam numa sala, a sós como desejava ela.

- Meu senhor. Veja, agora é o rei! Não se recorda de que não tinha esperança de tornar-se monarca?

- E não tinha de fato. Foi meu irmão quem insistiu para que tal ocorresse.

- Mas meu senhor...! Não precisa mentir a mim. Não, pois eu sei que essas questões de família sempre são complicadas, mas vocês conseguiram chegar a um consenso.

- Não minto. Foi ele quem quis!

- Ah, sim... e que belo está! Quando o conheci era ainda um mancebo tímido. Agora está tão homem, tão bonito!

As mãos da mulher foram até o rosto dele e o tocaram de leve, mas ele recuou.

- Até quando fugirá de mim, Saga?

As faces de Kanon arderam ao ouvir a mulher se reportar a ele de forma tão... familiar! Pelo primeiro nome! Mas o gêmeo parecia alheio aos apelos dela.

- Minha senhora, agora sou o rei e não posso mais me dar a esses disparates.

- E por que não? Por ser o rei é que seria de seu direito querer ter o máximo de mulheres possível! Ora, é um direito seu de homem belo e rico! Pois sim... sabia que minha vida também mudou muito de lá pra cá? Casei novamente dois anos após os nossos... encontros...

"Encontros!", pensou Kanon, e seu sangue ferveu. "Mas se Saga me disse que não teve nenhuma namorada!"

O gêmeo mais velho permanecia desviando o olhar da mulher e tentando evitar a sua pungência, mas ela continuava a falar animada:

- Casei e tive sete filhos, acredita?

- Deseja pleitear alguma posição de destaque a eles?

- Oh, não! Bem, quem sabe um dia, mas agora não! Hoje quero falar de nós dois.

- Creio que não há muito o que falar.

- Há, sim! Ora veja, eu sou casada, mas ainda dou minhas escapadelas por aí... meu marido sabe que nosso casamento foi somente por conveniência, e assim o é até hoje!

- Minha senhora - o tom polido e distante não saía da voz de Saga por um momento - sendo uma mulher casada, não é direito que se reporte assim a mim.

- Eu já disse, meu casamento é só conveniência! E ademais, os anos passaram, você se transformou num homem, mas continua fugindo de mim! Vamos, não é mais um menino inocente... leio em seus olhos que foi devidamente iniciado na arte do amor!

Saga corou por um instante. Mas que mulher atrevida! Ainda era atrevida, mesmo após todos aqueles anos, e mesmo sendo uma "respeitável dama" mãe de sete filhos! Não tinha jeito mesmo!

- Diga-me - declarou a mulher, um laivo de despeito nos olhos - Quem foi? Quando foi?! Por que não comigo e sim com essa outra? Por que? Por que?!

- Por favor, senhora Giannette - declarou ele - Mantenha a compostura.

- Por que não pode ser meu amante? Ao menos uma vez! Não me negue novamente o que negou há dezesseis anos!

Saga segurou aos pulsos da mulher, com delicadeza porém com firmeza, e foi levando-a para fora da sala.

- Mantenha a compostura. Eu não quero nada com uma mulher casada.

Vendo que não poderia mudar a situação, a tal mulher olhou ao monarca com despeito.

- Ainda puritano! Não entendo! Não sou mulher desprezível, e sempre me desprezou!

Tendo dito isso, foi embora pisando duro. Kanon adentrou a sala e logo deu a entender que havia ouvido tudo.

- Saga, que mulher tola! Pois se ela soubesse que você na cama geme pior que a meretriz mais perdida, não o chamaria de "puritano"...

- Ora cale-se! Não é tanto assim!

- Claro que é. Só eu que vejo é que sei! Mas enfim... quem é essa mulher?

O gêmeo mais velho suspirou. Em seguida, disse:

- Bem. Quando eu tinha cerca de quinze anos de idade, meu pai contatou a uma mulher - no caso, essa mulher, que naquele tempo era muito mais jovem - para que... me iniciasse nas artes do amor, por assim dizer.

- Pelo que ela falou, você negou.

- Sim, neguei. Nunca gostei de mulher.

- Mas ela falou de "encontros"...

- Sim, tivemos alguns encontros, mas não passamos de... algumas carícias.

- Carícias?!

- Acalme-se - riu Saga - Tem ciúmes de meu passado?

- Pois não tenho. Apenas queria saber... até onde foram.

Saga sorriu.

- Pois então eu vou lhe contar. Vou contar também como essa mulher foi fundamental... para que eu, ainda em minha adolescência, reconhecesse que o amava como "mais que um irmão".

To be continued

OoOoOoOoOoOoO

Pois é, nos últimos tempos comecei a re-shippar esse casal de UA! E inventei essa mulher aí, que desejou o Saguinha mas não teve! Vamos ver como que foi?

Até o próximo capítulo! Beijos a todos e todas!