Na prisão de Stormcage, River Song era escoltada por uma equipe de dez homens armados com armas grandes. Era uma transferência de cela somente, mas River não era uma prisioneira qualquer. Imagine o número um dos procurados na lista do FBI. Agora estenda isso para um nível Universal. Esse era mais ou menos a fama dela. Afinal de contas, ela havia matado ninguém menos do que o próprio Doutor.
Os homens faziam dois círculos concêntricos compostos de cinco pessoas cada ao redor dela, vigiando cada pedaço do grande pátio onde passavam. Apesar de ser uma das mais seguras prisões existentes, o diretor do local se preocupava com a possibilidade de River escapar, ou de alguém tentar resgatá-la. Tanto que a próxima prisão dela era feita de tijolos forjados em núcleo de estrela-anã. Não havia muitas coisas que pudessem escapar daquele claustro.
O comandante da escolta quase se permitia um sorriso. Alguns metros mais as portas daquela prisão se abririam, e River Song estaria enclausurada pelo resto de sua vida. Nem ela conseguiria trapacear os poderes da natureza daqueles tijolos. Ela não havia tentado nada, e somente andava como se aquilo ocorresse todo dia. O que era quase verdade.
O pátio era bem iluminado, dando aos homens boa visibilidade de tudo. Porém o comandante viu uma lâmpada piscando. Fez uma anotação mental para lembrar de falar com o pessoal da manutenção. Depois de checar o espaço e constatar que não havia nada ameaçador, voltou para o seu posto e prosseguiu. Ninguém reparou quando um deles sumiu na escuridão que a lâmpada, agora bem fraca, deixava surgir. Ele começou a tirar a farda preta que usava.
Nesse momento, a guarnição havia chegado à porta. O comandante, seguindo o regulamento, ligou o rádio e virou-se de frente para os círculos de homens, checando cada um:
- Destacamento Farewell, reportem-se ao seu comandante quanto a problemas na travessia, na ordem já conhecida.
Com eficiência militar, cada um deles confirmou que tudo havia acontecido nos conformes. Nada diferente. Parecia idiota fazer aquilo, mas regras eram regras. O comandante, quase convencido, começou a se virar. E mais por hábito do que por qualquer outra coisa, fez uma contagem por alto. Oito. Espere! Oito? Ele tinha certeza de que havia ouvido o Farewell-7 reportar no rádio? Ele se virou bruscamente, assustando seus subordinados.
Definitivamente só havia nove deles. Onde estava o outro?
- Farewell-7, reporte imediatamente! – disse no rádio o responsável.
Nenhuma resposta.
Ele abriu o capacete, abandonando todo o profissionalismo.
- Carl, onde está você? – berrou. - Caramba!
River assistia aquilo meio assustada, meio intrigada. A segurança de Stormcage havia sido driblada por ela somente, ninguém mais era capaz daquele feito. Ou será que...
- Ah, desculpe, acredito que isso tudo seja culpa minha! – uma voz alta e parecendo sinceramente arrependida se elevou. River sorriu, pois aquilo confirmou sua suspeita. Uma luz verde flutuou no ar e então todas as lâmpadas desligaram.
- Quem está ai? – disse o comandante. – E o que fez com Carl? – ele apontou a arma para a fonte da voz.
- Ah, nada de mais. Um café descontraído, um sonífero de gosto bem atraente... E aqui estou eu! – disse a voz de um ponto totalmente diferente.
- Ligar lanternas de capacete – o comandante havia fechado o capacete e ligado o rádio. De repente, nove lanternas acenderam.
- Bom, muito bom, comandante. Agora você tem iluminação – a voz parecia andar em volta deles. – Mas, sabe o que eu acho? Trocar esses capacetes por Stetsons fluorescentes. Eles são tão mais legais! Vão lhes dar uma ótima moral quando fizerem sua escolta. Aliás, sua arma – a grande espécie de metralhadora que Carl carregava veio deslizando pelo chão de algum ponto à esquerda do comandante. – Talvez por um pouco mais de marrom nas roupas – dessa vez a voz chegou bem perto do homem, e uma farda preta foi pendurada no ombro dele. Ele se virou assustado. – Se vocês se vestirem tão bem como eu, estão um passo a frente na conquista. Quero os créditos. "Direitos autorais nas dicas da paquera cedidos ao Doutor." Só espero que vocês se saiam melhor nisso do que em me capturar porque, lamento dizer, vocês já falharam deploravelmente nesse aspecto.
- E o que te dá tanta certeza disso? – o comandante assumiu sua cara mais desafiadora.
Dessa vez, a voz soou no lado do capacete onde ficaria o ouvido do homem.
- Confie em mim. Eu sou o Doutor.
O comandante virou e a luz incidiu sobre um homem de gravata borboleta. Começou a disparar para a fonte da voz. Os homens tentaram seguir o exemplo de seu superior e atiraram na mesma direção, mas o Doutor parecia não passar mais de um segundo no mesmo lugar. Então ninguém estava mais vendo o Doutor. Os olhos treinados dos soldados varriam a escuridão atrás do invasor.
O comandante estava literalmente com medo. As lendas sobre o Senhor do Tempo haviam viajado o espaço por milhões e milhões de séculos. O louco homem com sua caixa azul, o homem com capacidade de voltar da morte, cujas veias carregavam sangue bombeado não por um, mas por dois corações...
"Dois corações!" – pensou o homem. Com o scanner de calor o comandante podia ver o Doutor por meio do seu sistema cardiovascular binário. Assim que visse dois músculos cardíacos pulsando juntos no mesmo corpo na escuridão, iria dar a ordem. Atirar para matar.
- Farewell-3 a 5, guiem River Song para a prisão – disse a autoridade no rádio. – O resto de vocês, venham comigo, e liguem seus scanners de calor. Procurem por alguém que tenha dois corações. Se algum de vocês tiver, é uma boa hora de contar – o comandante se permitiu uma brincadeira.
- Não, senhor. – disse um deles, corajosamente tentando quebrar a tensão no ar. – Amaríamos o senhor muito mais com tantos corações. E isso não é profissional.
Risos nervosos soaram no rádio. Todos ligaram os scanners. Imediatamente veias e corações pulsaram em vermelho nos visores. Perto da porta, um corpo se recostava contra a parede, respirando pesadamente. Dois corações pulsavam.
- Comandante, olhe – um homem chamou a atenção.
Ele olhou e reconheceu o Doutor.
- Provavelmente ele tomou algum tiro, senhor – continuou o homem.
- Sim. No três, todos corram e dominem o Doutor. Não parece oferecer perigo. Um, dois, três!
Todos se deslocaram para o local e tomaram as mãos do homem. Mas... espere! Eram quatro mãos! E braços! Pernas também! Que tipo de criatura era aquela? As lendas nunca falaram assim do Doutor. Quando desligaram o scanner e ligaram a luz natural, revelou-se a imagem de Carl, o soldado que faltava, e outro homem amarrados um contra o outro. Suas bocas estavam fechadas com fita adesiva. Era inteligente. No scanner eles dois passariam por um homem de dois corações. Um embuste.
- Procurem novamente! – O comandante berrou, o capacete aberto. Virou-se para checar River Song. Um homem a dominava e tentava abrir a prisão ao mesmo tempo. Mas ele havia mandado mais dois soldados. Eles estavam no chão, derrubados e inconscientes. O soldado restante digitou o código, soltou as mãos de River Song e a entregou um cartão. O homem, introduziu o outro semelhante que tinha numa fenda. A mulher seguiu o exemplo. Os dois giraram o cartão ao mesmo tempo, como se fossem chaves. As pesadas portas da prisão deslizaram, se abrindo. A essa altura, o comandante e sua tropa corriam para a prisão, sem entender nada.
O Doutor, ainda no uniforme da tropa, tomou uma arma e apontou para a cabeça de River.
- O que você quer conosco, Doutor? – disse o comandante.
- Ah, só levar essa aqui para um passeio, sabe? Cumprir com as obrigações de marido e tudo o mais... – ele sorriu travessamente. – Estou ficando velho para isso.
- Eu realmente estou sentindo falta – Song se pronunciou.
- Quer levá-la? – o outro devolveu.
- O que mais seria?
- Mas está cercado! A única coisa atrás de você é a mais segura cela do Universo! Você será preso ou será preso! Não existe escapatória – o comandante finalizou.
- Aah, eu tinha o senhor em tanta estima! Não permita que sua mente se feche assim! As mentes são sempre gigantescas! Sempre... maiores por dentro! – e ele estalou os dedos.
Atrás do Doutor, duas janelas pequeninas se acenderam, assim como uma lanterna mais no alto. Uma das janelas fazia parte de uma porta, que se abriu e revelou a TARDIS. O casal deslizou para dentro da máquina enquanto uma chuva de balas ricocheteava na madeira. Lá dentro, os dois baixavam alavancas, aumentava e diminuíam reguladores. O Doutor ligou o auto-falante.
- Por favor, me desculpem com Carl. Ele foi muito gentil enquanto conversamos. Diga a ele que depois lhe passarei o telefone da mulher de quem lhe falei. Ah... e quanto o beijo que a mulher dele me deu... bom, acho que não tenho muito o que dizer..
Os motores começaram a rugir e a TARDIS começou a se desmaterializar. Em segundos, não restava mais nada alem de uma cela vazia e nove soldados atordoados.
