A manhã
já estava avançada quando uma sombra furtiva chegou. Nem
fora notado, aprendera desde muito jovem a esgueirar-se em silêncio.
De certa forma, isso era prazeroso. Aprendera e descobrira muitas coisas
apenas observando os outros, sem que notassem sua presença. A sombra
se dirigiu à grande sala frontal superior. A porta estava totalmente
aberta. Adentrou no local, tão furtivamente quanto antes. Ficou
a observá-la. Ela estava em pé, olhando pela sacada, provavelmente
pensando. Mesmo de costas, pôde observar que ela estava diferente.
Não era mais a menininha que conhecera, a qual dissera adeus alguns
anos atrás. Foi só então que se deu conta de quanto
tempo estivera longe.
- Há quanto tempo... - ela disse, sem se virar - Estava entretida,
pensando. O fiz esperar muito?
- Não. Ainda me surpreendo quando notas minha presença,
ainda mais depois de tanto tempo.
- Senti o seu cosmo - ela disse, se virando e olhando para ele com um
sorriso jovial - Ainda me lembro dele. Faz algum tempo, mas você
continua o mesmo.
Ele sorriu. O corpo amadurecera, mas ela continuava com aquele sorriso
doce, acalentador. Toda vez que a via, sabia o motivo pelo qual tanto
lutara. Ela o amava, amava a todos e fazia questão de dispensar
atenção especial a cada um deles, os fazendo se sentir especiais,
únicos, amados por ela de uma maneira que não haviam sido
durante a infância. Ela era magnífica.
- Você cresceu... - ele disse, sem jeito. Ela riu, se aproximando
dele - Quero dizer, quase nem a reconheci.
- Cortei o cabelo - ela disse, rindo. Aproximou-se mais ainda, ficando
frente a frente com ele - Ah! E fiquei mais velha, talvez seja isso. -
ela riu.
- Percebi - ele disse, abrindo os braços - Que tal um abraço?
Se é que eu tenho direito a um, depois de abandoná-la.
Ela o olhou por uns segundos. Esse não era um ato típico
dele, ela demorou para aceitá-lo. Depois de tantos anos, talvez
ele tivesse mudado. Ela sorriu e o abraçou. Ele passou seus braços
pelas costas dela, num abraço carinhoso. Sentira tanta falta dela,
sentira tanta falta de todos desde que se afastara. Sentira falta do carinho
de seus amigos, de seus irmãos. Do carinho que só ela podia
proporcionar a eles, com seu cosmo puro, carinhoso, quente, acalentador.
Nesse momento percebeu quantas saudades sentira de todos, mais do que
imaginava, mas não disse nada, esse não era seu estilo.
- Você não me abandonou.Fui eu que pedi que tivessem uma
vida normal. Vocês mereciam isso. - ela se soltou dos braços
dele - Mesmo assim, senti saudades - ela parou e o observou - Você
colocou um brinco! - ela riu.
- Ah! Esqueci de tirar - ele coçou a cabeça, sem graça.
- Você não gostou, não é?
- Apenas achei estranho. Não imaginava que algum dia fosse vê-lo
com um brinco. - ela sorriu - Mas, olhando melhor, até que ficou
bonitinho.
- Tem certeza?
- Se eu disser o contrário, você vai tirá-lo.
- Claro, sua opinião é importante...
- Sim, eu sei. Sou uma representante do sexo feminino, e com minha sinceridade,
saberia a verdade - ela sorriu.
A conversa entre os dois foi interrompida pela entrada repentina, e aparentemente
apavorada, do mordomo. Ele estava visivelmente apressado. Olhou para o
jovem presente, demonstrando todo o seu descontentamento.
- Mas o que você está fazendo aqui, moleque? - perguntou,
com a voz cheia de raiva - Pensei que a senhorita Saori tinha pedido para
vocês a deixarem em paz!
- Tatsumi! - Saori o repreendeu. - Ikki é sempre - ela frisou essa
palavra, olhando séria para Tatsumi - bem vindo aqui!
- Mas senhorita...
- Eu já disse. Não o quero destratando os homens que salvaram
minha vida tantas vezes!
- Tudo bem, Saori. Ele ainda pensa que sou aquele menininho - Ikki sorriu
maliciosamente - aquele menininho que ele tinha que amarrar pra bater,
porque mesmo eu sendo tão jovem, podia dar uma surra nele.
- Ora, seu...
- Tatsumi! - novamente, Saori repreendia o mordomo. - Acho que você
tinha algo a me falar, não é mesmo?
- Sim! Senhorita Saori, a pequena Mia piorou! Acho que chegou a hora!
Tatsumi proferiu essas palavras com notável desespero em sua voz.
Saori nada disse, apenas saiu praticamente correndo do local, pedindo
para que Ikki a acompanhasse, Tatsumi indo logo atrás deles. Eles
foram até o prédio da fundação Graad, na U.T.I.
chegaram em um leito, onde uma criança estava deitada. Devia ter
aproximadamente cinco anos ou menos. Estava muito pálida, fraca,
mas tinha um sorriso no rosto. A linda menininha olhava para Saori, que
se ajoelhou ao lado da cama, segurando sua mão.
- Estou aqui, meu bem - Saori disse, com a voz calma e doce.
A menina olhou para Ikki e depois para Tatsumi, voltando seus doces olhinhos
azuis para Saori.
- Quem é ele? - ela perguntou, com a voz fraca.
- É Ikki.
Saori fez um sinal para que ele se aproximasse. Ele assim o fez. A pequena
mãozinha da criança estava estendida para ele. Ele a segurou,
com medo de machucar a menina, que parecia tão frágil.
- Mamãe falou de você. - ela disse, sorrindo - Sou Mia.
Ikki olhou para Saori. Mia acabava de chama-la de mãe. Saori olhou
para ele.
"Depois te explico", ela respondeu em sua mente.
Saori ficou ali, por quase uma hora, enquanto a pequena menina lhe contava
algumas coisas, cada vez com maior dificuldade. A menina fechou os olhos,
por alguns momentos, então ela os abriu e olhou para Ikki.
- Cuida bem da mamãe. Ela vai ficar triste.
Ikki a olhou, surpreso. A menina sabia o que a esperava, e estava encarando
isso com tamanha coragem que isso tocou Ikki. Ela era mais corajosa do
que muitos cavaleiros com quem ele lutara.
- Mamãe... - Mia olhava para Saori, que estava com os olhos marejados
de lágrimas, tentando ao máximo não desabar diante
de sua filha - eu te amo...
- Também te amo, meu...
Saori não terminou de dizer a frase. Mia já exalara seu
último suspiro. A menina se fora, com um sorriso no rosto. Ikki
não sabia o que fazer. Tatsumi correu até Saori, mas ela
não se mexia. Estava em choque.
- Saori... - Ikki disse, se aproximando.
- Ela não era linda? - ela disse, sem desviar os olhos do corpinho,
sua voz quase num sussurro. - Tão linda...
- Saori... - Ikki sentou ao lado dela, passando o braço pelos ombros
de Saori.
Foi como se isso a fizesse acordar. Saori começou a chorar, soluçando.
Ikki a puxou de encontro a si, e ela apoiou sua cabeça em seu ombro,
suas lágrimas eram tantas, que molhavam a blusa de Ikki. Mas o
choro não durou muito. Logo, ela levantou a cabeça, os olhos
já inchados, e sorriu para Ikki. Não era um sorriso comum,
era o sorriso mais triste que ele já vira em seu rosto.
- Obrigada, Ikki.
- Saori, eu sinto muito.
- Desculpa, eu não consegui me controlar.
- Não se preocupe. Você foi muito forte. Esperou que ela
partisse, para então desabafar, para que ela pudesse ir mais calma.
- Ela sabia que ia morrer. Enfrentou isso tão bem! Tão linda,
tão carinhosa...
- Puxou a mãe dela - Ikki disse, tentando fazer com que Saori se
confortasse.
- Ela não era minha filha.
Os médicos
chegaram e Saori se despediu pela última vez de Mia, saindo da
sala logo depois. Tatsumi e Ikki a acompanhavam.
- Tatsumi, tome toas as providências que eu já te disse.
- Sim, senhorita. Para que horas a senhorita deseja o avião pronto?
- Amanhã de manhã.
Tatsumi fez um aceno positivo e se retirou. Ikki notou que ele estava
se segurando para não chorar. Tatsumi mudara muito desde a época
que Ikki morara na fundação Graad, na mansão Kido.
Saori se dirigiu aos jardins, caminhando lentamente, calada. Ikki foi
atrás dela, sentia que ela precisava de companhia. Caminhava tão
calado quanto ela, logo atrás, cuidando dela.
- Mia não era minha filha - a voz de Saori finalmente rompeu o
silêncio.
- Não precisa se explicar.
- Eu preciso. Sei que ficou chocado quando ela me chamou de mamãe.
- Sim, um pouco.
- Vamos, aproxime-se. - ela o chamou para que ele caminhasse ao seu lado
- Eu caminhava por Athenas, vendo como as coisas estavam. Aioria foi comigo.
Saori parou
e se sentou em uma pedra. Enquanto ela falava, relembrava da primeira
vez que vira a menina.
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"Saori caminhava pelas ruas de um bairro de Athenas, acompanhada
de Aioria. Apesar dele ser contra, ela não se abstia de seus passeios.
Gostava do contato com o povo, a fazia se sentir mais real, mais humana.
Havia algum tempo que ela não saía do Santuário,
precisava sair um pouco. Queria ir sozinha, mas Aioria insistira para
que fosse junto.
Várias crianças corriam pela ria. Elas passaram rindo pelos
dois, fazendo com que Saori risse e Aioria deixasse escapar um sorriso,
divertido com a alegria dos pequenos.
- Então, você sorri.
- Não há motivos para sorrir no Santuário, Athena.
- Saori. Já disse para me chamar de Saori. Fica muito distante
me chamando de Athena. Já nos conhecemos há tanto tempo.
- Sou um cavaleiro de Athena, devo trata-la como a deusa que és.
- Mais do que meu cavaleiro, você é meu amigo, Aioria. Por
favor, me chame de Saori.
- Tudo bem, Saori - ele sorriu. Era verdade, depois de tanto tempo, já
eram amigos e até ele admitia que preferia a chamar de Saori.
- Há motivos para sorrir no Santuário, Aioria - ela prosseguiu
- Só devias ficar tão sério quando houvesse real
perigo ou uma invasão ao Santuário.
- Ou quando treinamos nossos pupilos - ele completou.
- Não exatamente. Marin era severa, mas sempre tratou Seiya com
doçura.
- Não consigo ser tão doce quanto Marin... - Aioria ficou
vermelhoao lembrar dela e Saori sorriu - além do mais, aquela roupa
não combina com o meu cabelo.
Saori
riu. Gostava quando os cavaleiros se esqueciam um pouco de que eram cavaleiros
e agiam como os seres humanos que eram. A vida de um cavaleiro de Athena
não é fácil e esses poucos momentos de descontração
deveriam ser aproveitados.
As crianças estavam voltando, dessa vez não estavam rindo,
apenas correndo, com medo. Atrás delas corria um homem segurando
um pedaço de madeira, o agitando no ar e prometendo que iria quebrar
as pernas delas. Uma das crianças se escondeu atrás de Saori,
tremendo de medo. O homem se aproximou de Saori, batendo o pedaço
de madeira na mão, com um olhar de vitória. Ela notou o
quanto ele era forte e colocou a mão para trás, acariciando
os cabelos do menino.
- Vem cá, seu pirralho, vou te mostrar quem é que manda
aqui! - a voz do homem ecoou pelo local, provocando mais medo na criança.
O rosto de Aioria estava sério. Saori sabia que ele estava esperando
que o homem se aproximasse um pouco mais, o suficiente para que ele achasse
que poderia colocar Saori em perigo. O homem esticou o braço. Não
foi preciso Saori fazer qualquer movimento, Aioria já estava segurando
o braço do homem firmemente.
- Já não basta assustar essas crianças? - Aioria
disse, com uma expressão séria e a voz dura.
- Esses ladrões! Roubaram pão! Vou acabar com eles! - o
homem sacudia o braço, tentando se livrar de Aioria, que para o
homem, parecia muito mais forte do que seu físico demonstrava.
Ele era impressionantemente forte.
- E por isso quer bater em crianças?
- Cala a boca ou você apanha também!
Aioria soltou o braço do homem, o olhando sério.
- Não se atreva. Se tentar tocar na senhorita ou em alguma das
crianças, vai se arrepender.
O homem tentou dar um soco em Aioria, que se esquivou e segurou o punho
dele. O homem se surpreendeu com a velocidade de Aioria. Aioria estava
pronto para desferir um golpe no indivíduo quando ouviu a voz de
Saori.
- Quanto eles roubaram?
Aioria pareceu relaxar, mas sem soltar o punho do homem. Saori sabia que
ele estava muito preocupado com sua segurança e seria praticamente
impossível que ele o soltasse sem que estivesse convencido de que
não havia perigo para ela.
- Alguns pães.
- Não tem vergonha de tentar espancar crianças só
porque roubaram alguns pães para se alimentarem? - Aioria olhava
para o homem, com um olhar severo, que Saori vira tantas vezes quando
ele estava no santuário.
Saori sorriu docemente. Aioria a olhou sem entender o motivo de tal. Ela
fez um gesto para que Aioria soltasse o homem, mas ele só o fez
depois que ela o olhou com um olhar contrariado.
- Será que isso paga o que eles roubaram? - Saori tirou o belo
colar que estava usando. Obviamente, o colar valia muito mais do que as
crianças roubaram ou iriam roubar por muito tempo.
- É, talvez, se isso for verdadeiro. - estava claro de que o homem
queria enganar Saori.
- Não tente enganar Athena, homem! - ameaçou Aioria.
- Não se preocupe, Aioria. Tenho certeza de que este bondoso homem
jamais viu tamanha fortuna e nem imaginava que um dia teria tal peça
de arte em suas mãos.
- A ... Athena? - o homem olhava para Saori, sem acreditar - essa menininha
é Athena?
- Sim, homem! Ela é Athena e eu sou Aioria, o cavaleiro de ouro
de Leão. Exijo respeito ao se dirigir à Deusa, agora que
sabes quem ela é!
Saori apenas sorriu. Não iria se meter. Sabia do orgulho que Aioria
tinha de ser um dos seus cavaleiros de ouro e sabia também do orgulho
que ele nutria por ser freqüentemente escolhido para acompanhar Saori
em seus passeios, um voto de confiança e amizade vindo da Deusa.
O homem abaixou a cabeça e esticou a jóia de volta a Saori,
se ajoelhando.
- Perdão, Athena. Perdoe esse pobre idiota eu ousou levantar a
mão para ti!
- Está tudo bem - Saori o tranqüilizou de um possível
castigo terrível - Estaria disposto a fazer um favor para mim?
- Si... sim senhora - o homem gaguejou.
- Pois então, gostaria que você, a partir de agora, fornecesse
não só pão, mas queijo, leite, doces e outras coisas
para essas crianças.
O menino que estava escondido atrás de Saori levantou a cabeça,
olhando pra ela, com total surpresa. Saori sorriu ao olhar para a criança.
Ela segurava um pedaço de pão com força, como se
tivesse medo de que o pegassem de volta.
- Mas...
- Não se preocupe. Serás pago pelo Santuário.
- Senhora, não posso aceitar que me pague, mas também preciso
sobreviver.
- Você está me fazendo um favor e eu irei retribuí-lo.
Quem ajuda Athena jamais é esquecido.
- Obrigada senhora. A senhora é muito boa.
- Agora, volte e separe o que eu te pedi para essas crianças.
O homem aceitou com a cabeça e saiu correndo de volta ao seu estabelecimento.
A criança ainda olhava para Saori, com a mesma cara.
- O que devemos fazer com a criança?
- Acho que devemos pica-la e ferve-la, para servir de sopa aps demais
– Aioria olhou para a criança sério, fazendo com que
ela começasse a tremer. Saori riu.
- Calma, pequeno. Aioria estava brincando. Ele é incapaz de machucar
alguém indefeso, ainda mais uma criança.
Aioria sorriu e piscou para o garoto, a expressão bem mais leve.
A criança retribuiu o sorriso, sentindo um calor muito agradável
vindo de Saori. Ela se ajoelhou na frente do menino, ficando quase na
mesma altura. Ela estendeu a mão, pedindo o pedaço de pão.
O menino o escondeu com as mãos.
- Este pão está sujo, meu pequeno. O padeiro vai lhe dar
pão fresco, leite, queijo, doces. Não precisa desse pedaço.
Apesar da voz doce de Saori e daquela sensação agradável,
o menino tinha medo. Ela percebeu isso e tentou acalma-lo.
- Qual seu nome, pequeno?
- Justius.
- Bom, Justius, eu sou Saori e esse é Aioria, um de meus cavaleiros.
- Você não era Athena?
- Eu sou Athena. Mas nas horas vagas sou Saori.
- Não entendi.
- Qualquer dia você entende. Você confia em mim?
Justius ficou olhando para Saori por uns momentos e depois sacudiu a cabeça
afirmativamente, entregando o pão a ela.
- Obrigada Justius, vamos, me mostre onde você mora.
O menino sorriu. Quanto mais tempo passava perto de Saori, mais ele confiava
nela, mais ele se sentia seguro. Ele estendeu a mão para Saori,
que a pegou e começou a caminhar com ele. Aioria os seguia com
uma certa distância, não querendo quebrar o elo que estava
se formando entre os dois. Sabia o que ela estava planejando. Já
o fizera tantas vezes, como que a tentar se redimir pelo que Mitsumasa
havia feito.
Chegaram em um beco, Aioria se aproximou. Estava apreensivo, era um lugar
perigoso e Saori estava tão entretida com o menino, que poderia
não perceber algum perigo. Mas antes que Aioria se preocupasse
ainda mais, Justius entrou com Saori dentro de uma casa abandonada. Saori
pediu para que Aioria ficasse do lado de fora.
O local era sombrio e úmido. Ela se perguntou como crianças
conseguiam viver em um local como aquele. O menino logo sumiu, voltando
logo depois puxando uma menininha pela mão.
- Esta é a Mia, minha irmãzinha – ele explicou, a
pegando com facilidade no colo. – Ela tem três anos e está
doente.
Saori olhou para o menino. Parecia ter pouco mais de um ano e meio. Estava
fraca e muito doente.
- Você cuida dela sozinho? Onde estão seus pais?
- Eles morreram. Mia era um bebezinho. Tinha dois aninhos.
- Quantos anos você tem?
- Nove.
- Tão novo e com tanta responsabilidade – Saori estava preocupada
com os dois – Posso ver a sua irmã?
- Pode. Só cuidado quando pegar ela, porque ela ta bem doentinha.
- Não se preocupe... – Saori pegou a menina em seus braços
e quase chorou – Ela é tão frágil.
- Vou ganhar dinheiro pra levar ela no doutor.
- Eu vou leva-la, quando voltarmos.
A menina começou a tossir sem parar. Quando aliviou um pouco a
tosse, Saori fez um carinho na menina e percebeu que ela estava ardendo
em febre. Justius saiu para procurar um pouco de água e um pano
a pedido de Saori. Enquanto Justius procurava, a menina voltou a tossir,
dessa vez com sangue.
- Aioria! – Saori estava preocupada, a menina mal podia respirar.
Aioria estava parado do lado de fora, sentado, olhando as crianças
brincarem com a bola. Ele estava jogando a bola de volta a um dos garotos
quando ouviu o chamado de Saori. Rapidamente ele entrou e a viu segurando
uma menina. Havia sangue na roupa de Saori e ele se assustou, porém
instantes depois entendeu e antes que Saori fizesse algum pedido, ele
tomou a menina dos braços dela e a levou para o médico mais
próximo. Não era necessário que Saori pedisse para
ele fazer tal coisa, ele não precisava de ordens dela para ajudar
uma criancinha que precisava de auxílio.
Justius voltou e não viu sua irmã, apenas um pouco de sangue
no vestido de Saori. Deixou o pano cair e antes que ele entrasse em pânico,
ela explicou tudo para ele.
- Vão cuidar dela?
- Claro. Assim que ela melhorar, vou leva-la comigo. – Justius arregalou
os olhos – Você quer vir comigo também? Assim os dois
vão ficar juntos.
- Você vai ser nossa mamãe? – ele perguntou, olhando
esperançoso para Saori.
- Ninguém pode substituir a mãe de vocês. Vou ser
uma madrinha.
Justius a abraçou com força, agradecido.
- Sempre quis ter uma mãe. Nunca tivemos. Ela morreu quando Mia
nasceu.
Saori sorriu. Ficou conversando com Justius por um bom tempo, até
Aioria voltar assegurando que Mia já estava bem.
- Saori, acho melhor voltarmos. Está ficando tarde.
- Você está parecendo seu irmão – Saori riu,
lembrando do jeito paternal que Aioros a tratava – Mas você
tem razão. Justius vai conosco.
- Como quiser, Saori.
Os três se dirigiram ao Santuário, passando pelo hospital
para ver a menina. Saori conseguiu convencer os médicos a deixar
a menina ser transferida para o hospital da Fundação Graad
no dia seguinte. Depois, foram ao Santuário, onde Justius ficou
na casa de Leão, já que ele não poderia ir até
a 13ª Casa.
No dia seguinte, Mia foi transferida para o hospital da Fundação
Graad e Justius passou a morar com Saori."
-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=--=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-=-
Saori
olhou para Ikki, sorrindo. Estava tão concentrada na narração
de como conhecera Mia, que esquecera completamente do tempo, de tudo.
Ele a olhava, como se estivesse escutado cada palavra.
- O que aconteceu com Justius? Eu não o vi.
- Ah! Aquele cabeça dura! Ele quis me compensar, me agradecer por
tudo o que eu fiz por Mia e por ele, mesmo não conseguindo descobrir
o que ela tinha, e quis se tornar um cavaleiro. A princípio eu
fui contra. Não quero mais crianças lutando, mas ele é
teimoso e só desistiu quando Aioria disse que treinaria ele.
- Ele já se tornou cavaleiro?
- Não. Ele é muito jovem. Decidi que crianças não
vão mais arriscar suas vidas. Já devia ter feito isso muito
antes. Só de lembrar de vocês, tão novos, lutando,
se ferindo daquele jeito, me dá arrepios.
- Saori, não lutaríamos se não desejássemos.
- Quem pode decidir se deseja ou não lutar com apenas 13 anos?
- Com 13 anos, já sabíamos o quanto você é
importante.
- mamãe! – uma voz veio de longe.
- Justius! – Saori se levantou e correu até o menino, o abraçando.
Ikki notou semelhança com a menina, porém outra coisa o
incomodava.
- O que Ikki faz aqui? – ele perguntou
- Vocês dois se conhecem?
- Justius uma vez tentou me roubar e eu dei uns cascudos nele. –
riu Ikki. – Nunca poderia imaginar que ele iria tentar se tornar
um cavaleiro.
- você bateu nele?
- Calma, Saori. Foi só uns cascudos...
- Mas doeu! – riu Justius – Eu só queria um pouco de
dinheiro para...
- Já sei disso, menino. Saori me contou.
- Não se preocupe, mamãe. Isso foi antes da gente se conhecer.
Levei uns cascudos, mas Ikki me deu uns trocados.
- Ora, ora... mas que Ikki bondoso.
- Não estraga minha reputação, pirralho.
- Qual é, vai encarar, grandalhão? Vai comer grama!
- Vocês dois querem parar com isso? Não é hora e nem
lugar pra brigarem!
- Eu já soube do que aconteceu, mamãe. Ela sabia o que ia
acontecer. Ela se foi feliz. Não sentiu dor, nem tristeza.
- Mas...
- Sem mas, Saori. Sei que se pudesse salva-la, você teria feito.
Agora, temos que rezar por ela. Eu ainda estou aqui. E sempre vou estar.
- Justius...
- Vamos, vamos entrar. Aioria veio e ta te esperando lá dentro.
Mais gente vai chegar daqui a pouco.
Justius pegou na mão de Saori e os três entraram na mansão.
Justius não conseguia, mas Ikki sentia toda a dor que Saori estava
sentindo. Nunca sentira o cosmo dela tão triste. Ele tocou em seu
ombro, querendo dar apoio. Ela deu um meio sorriso. Mia se fora, mas os
outros estavam voltando. Ikki fora o primeiro. Agora eles seriam uma família.
Uma família feliz, sem se preocupar com os problemas de antigamente.
E o dia terminou, levando com ele Mia, a luz, as tristezas de Saori. Um
novo dia logo ia começar e com ele, a esperança voltava
a brilhar.
