[POV: Scorpius]
- Ah, que bom que você apareceu, Scorpius. Eu já tava pensando que você não viria.
Alvo estava, como sempre, me olhando com aqueles olhos gentis e divertidos que eu tanto gostava de ver. Ele fez sinal para eu me sentar ao lado dele na cadeira vazia, e joguei meus livros, penas e pergaminhos em cima da carteira.
- Você acha mesmo que eu iria te deixar sem dupla pra esse trabalho? Que eu não iria fazer questão de aparecer pra infernizar ainda mais sua vida? – falei, rindo e começando a arrumar minhas coisas para a atividade que começaríamos em breve.
- Eu realmente não sei, Scorpius. Você anda muito estranho – disse Alvo, pegando o pergaminho com as instruções para a poção que deveríamos preparar e entregando para mim. – Aonde você estava? Por que atrasou?
Essa era a pergunta que eu estava tentando evitar a todo custo. Eu não queria ter de respondê-la, ainda mais pensando que Alvo era uma das grandes forças motrizes de tamanha mudança no meu comportamento. É claro que ele perceberá que algo estava errado.
Não na nossa relação! Ah, não, estava tudo bem entre nós. Continuávamos conversando sobre os mesmos assuntos, rindo das mesmas piadas e relembrando todas as merdas que havíamos feito com aquele maldito vira-tempo. Mas crescer estava mudando a minha cabeça.
Eu estava diferente. Eu via as situações e as pessoas de forma diferente, refletia mais sobre tudo o que me rodeava, porque agora, percebi, tinha sensações novas.
Já era difícil ter de lidar com toda a ideia de que havíamos chegado perto de foder totalmente com o mundo bruxo no ano anterior, todos nós julgando sem entender de verdade o que havia acontecido. A culpa era um pouco de Alvo, todos sempre souberam disso, mas eu o entendia mais do que ninguém e soube, desde o princípio, que não dá pra culpar alguém por seus demônios internos. Os meus demônios, atualmente, estavam mexendo com a minha cabeça e me faziam pensar coisas que seriam vergonhosas para qualquer pessoa sã. Eles estavam fazendo com que eu me atrasasse para as aulas, parecesse estar constantemente em outro planeta (embora realmente fosse possível estar em outro planeta, segundo Parvati, nossa professora de Astrologia, eu não acho que esse seja o caso) e desse uma de louco nas situações que envolviam meus amigos. E Alvo vinha percebendo que eu estava agindo de forma estranha.
- Eu… só não conseguia achar meu livro de poções. Daí percebi que, como eu não arrumo minhas roupas há uma semana, talvez estivesse no meio da pilha. E, bingo, estava.
O que era uma mentira deslavada. Eu nunca contaria para Alvo que o real motivo para eu me atrasar era Rosa Weasley, a ruiva mais bonita de Hogwarts.
[POV: Alvo]
- Scorpius, agora era a raiz de bobotúbera! Por que você jogou essas escamas de dragão aí? – arranquei as instruções das mãos de Scorpius, que parecia estar no mundo da lua.
- Desculpa, eu não prestei atenção na ordem…
- Sim, ficou bem óbvio que você não prestou – falei, puxando o caldeirão de cima do suporte e levantando da minha cadeira. – A gente vai ter que começar tudo de novo! Que ódio.
Fui até a pia e entornei o conteúdo do caldeirão no ralo.
- Talvez a gente conseguisse reaproveitar alguma coisa, sabe? Você não precisava ter jogado tudo fora – Scorpius falou, puxando o caldeirão da minha mão quando cheguei novamente na mesa e encaixando-o no suporte.
- Scorpius! Você está prestando atenção em alguma coisa do que está fazendo?
A fúria tomou conta quando peguei as instruções de cima da mesa e coloquei meu dedo embaixo de um grande aviso, em letras garrafais, vermelho. Li em voz alta:
- "Essa poção é de alta periculosidade e deve ser tratada com grande cautela. Caso algo saia errado, descarte tudo e comece-a novamente. Resultados adversos e possíveis explosões podem ser causadas, caso contrário. Informe ao professor qualquer problema na preparação". Você leu isso? Francamente.
Scorpius parecia extremamente chateado e colocou a cabeça entre os braços apoiados na carteira. Sentei novamente ao lado dele e recomecei a cortar as raizes de bobotúbera.
- Desculpa – Scorpius falou, a voz abafada porque ainda estava com a cabeça enfiada nos braços. – Eu estou muito desatento.
- Está desculpado. Só, por favor, me ajuda a terminar essa poção porque eu realmente preciso de nota em poções. Alguém aqui não é o menino gênio e favorito dos professores…
- Ei, você não precisa falar assim comigo, também – Scorpius levantou a cabeça dos braços e ficou ereto. – Desculpa pelo erro. Não precisa me ofender.
- Eu não estou ofendendo, só estou dizendo que preciso de nota em poções.
- E me chamando de CDF.
- Eu não preciso te chamar de CDF, Scorpius. Você é CDF. Achei que isso já era consenso.
- Quer saber? Eu não preciso de nota em poções, Alvo – Scorpius pegou os pergaminhos, as penas e se levantou da cadeira. – Faça a poção sozinho.
Scorpius saiu andando em direção à porta, rápido como um tiro. Fiquei parado encarando o assento vazio. O que estava acontecendo? Eu sentia que estava perdendo a amizade de Scorpius como areia que escorrega pela mão. E mais do que nunca, não queria perder a amizade de Scorpius. Dava arrepios pensar que talvez, algum dia, ele fosse desaparecer e não falar mais comigo, eu passava mal de imaginar que ele não quisesse mais conversar comigo ou deitar na cama ao meu lado e ficar falando bobagens e dando risada.
Eu estava desesperado de medo de que Scorpius, de fato, estivesse cansando de mim. Logo eu, o bruxo mais fodido de toda a escola, o Potter dissidente, o que tentara arruinar o mundo bruxo por diversão no último ano. Uma sensação quente se espalhou pelo meu peito, puro pânico. Minhas mãos começaram a suar e minha frequência cardíaca acelerou, pensamentos ruins tomando conta da minha mente. Senti a crise de ansiedade chegando: o coração disparado, um calafrio, a respiração ficando difícil, um peso sobre o peito, os pensamentos ruins me assolando. O horror da falha, o sentimento de desesperança, a certeza de que eu era um caso perdido e morreria no esquecimento e na solidão. Scorpius estava cansando de mim. Ele não suportava mais ficar perto de mim.
Comecei a fazer rapidamente os exercícios de respiração com os olhos fechados. Inspiro fundo, seguro por três segundos, expiro lentamente. O coração começa a desacelerar, o calafrio começa a cessar. A ansiedade não vai tomar o controle.
Sacudi a cabeça. Não queria pensar na possibilidade de Scorpius estar cansando de mim.
- Está tudo bem, Alvo? – a professora de poções sorriu lá da frente, sentada em sua mesa, de forma bondosa, vendo meus olhos fechados. Ela sabe que eu sou uma falha.
- Está tudo certo. – Sorri em resposta, desejando que ela não fosse legilimente. Eu não queria ninguém sentido pena de mim. Já era bem difícil conviver com as crises.
Continuei cortando e arrumando os ingredientes em cima da mesa minuciosamente, acrescentando ao caldeirão as dosagens certas e regulando o fogo.
- Faltam apenas cinco minutos. Comecem a colocar a poção nos frascos, só vou avaliar as envasadas.
Ainda faltavam cinco passos para terminar o preparo. O pânico mais uma vez se apoderou de meus pensamentos e eu senti a ansiedade chegando sorrateiramente. A pressão no peito, a dificuldade para respirar. Eu era uma falha.
- Professora, não vou conseguir terminar em cinco minutos. Posso entregar atrasado?
- Não, senhor Potter. Gostaria de lembrá-lo que na minha aula você não vai ter nenhum privilégio pelo sobrenome que carrega.
Minhas mãos suavam ainda mais enquanto eu tentava cortar o restante das folhas de mandrágora. Na pressa, a faca caiu das minhas mãos e foi parar embaixo da mesa da frente, ocupada por grifinórios. Eles riram da minha cara e chutaram a faca para ainda mais longe.
Coloquei as raízes de bobotúbera cortadas, mas logo percebi que havia jogado as escamas de dragão antes.. O mesmo erro de Scorpio.
- O tempo acabou, queridos. Por favor, afastem-se dos caldeirões e me entreguem aqui os frascos das poções para serem analisadas.
Peguei um pouco a poção e comecei a envasar.
- Não aceitarei sua poção, senhor Potter. Eu avisei que faltavam cinco minutos e falei para vocês envasarem antes. Esse processo faz parte do preparo.
Levantei o caldeirão, fui até a pia e joguei todo o conteúdo lá dentro. Um pequeno som de explosão ecoou pelos canos. Os grifinorios riam ainda mais, como se essa fosse a piada do século. "Alvo fez o ralo peidar!". Haha. Não.
Quando passei na frente da mesa da professora depois de lavar o caldeirão, ela olhou fixamente para os meus olhos e falou:
- Estou muito desapontada com o seu rendimento, senhor Potter. Temo que terei de deixá-lo de recuperação na minha disciplina.
- Desculpe, professora. – Encarei meus pés.
- Não se desculpe, Alvo. A questão aqui não é pedir desculpas, é mostrar avanços. Preciso ver que você está entendendo o preparo de poções.
- Eu vou melhorar. Eu consigo – falei, fechando um pouco os olhos.
- Você está passando por algum problema?
- Não – menti. – Está tudo bem.
Ela me olhou com uma expressão de preocupação, mas logo desviou o olhar e continuou lendo o livro que estava em sua mesa, dispensando a minha presença.
O sentimento horroroso de pressão no peito voltou. Aquela sensação quente escorreu novamente por dentro de mim e o desespero estava ali. E agora? Eu iria reprovar em poções? Isso não teria acontecido se Scorpius estivesse ali. Mas ele estaria ali se eu não tivesse sido tão arrogante com ele.
Mais uma falha. Eu era uma grande falha, em todos os aspectos da minha vida.
[FIM DO CAPÍTULO 1]
