Mal-entendidos
(dedicada a minha amiga Mounna, que fez de mim uma personagem)
Capítulo 1
Albus Dumbledore caminhou hesitante até o banco junto à janela, que ficava num dos corredores menos utilizados com vista para o ocaso. Lá, embolada confortavelmente como se estivesse tentando tirar um cochilo, estava deitada uma gata de pelo malhado numa tonalidade extremamente familiar.
O velho pigarreou alto para anunciar sua presença, mas ao notar que ele se aproximava a gata apenas enterrou a cabeça entre as patas como se não quisesse vê-lo. Passados assim alguns instantes de visível aflição, ele se cansou de esperar por um convite ou qualquer outro tipo de reação mais amigável e foi se sentar ao lado dela.
– Eu não queria ter sido rude com você. De todas as pessoas do mundo, não com você... Perdoe-me, Minerva – o diretor pediu baixinho, qualquer coisa de angústia e dor nos olhos outrora tão brilhantes. – Por favor, ao menos olhe pra mim.
Novamente ele esperou, porém ela não se moveu.
O bruxo conhecia suficientemente bem o gênio da amiga para saber que ela não o desculparia assim tão facilmente pela sua falta, e também admitia que dessa vez McGonagall tinha toda a razão nisso. Porque a briga daquela tarde, e que também foi a primeira briga que tiveram em todos esses anos de convivência, havia sido inteiramente culpa dele. A insistência em não querer escutá-la, absurda. O modo como a acusara de ingratidão por querer deixar a escola [e assim deixá-lo também], extremamente infantil. E, em seguida, quando a professora deixou seu gabinete correndo furiosamente em sua forma animaga tudo que ele havia pensado em fazer foi se enterrar no primeiro pote de doces que encontrou até conseguir ficar mais calmo.
– Tudo bem, eu entendo que esteja chateada. Eu só fui grosseiro porque... – nesse ponto ele teve que inspirar fundo para conseguir terminar a frase e, mesmo assim, quando prosseguiu sua voz vacilou um pouco – estava com ciúmes. Morrendo de ciúmes.
Albus ainda esperou por quase minuto inteiro que viesse uma resposta, mas houve nada. Ele tinha acabado de reconhecer seus sentimentos e a outra ainda não tinha esboçado reação alguma, nem que fosse para ir embora ou mesmo retornar para sua forma humana! Isso definitivamente não podia ser bom sinal.
– Ontem ouvi você comentando com Poppy que havia sido pedida em casamento e hoje quando me disse que tinha uma coisa importante para me contar eu... fiquei apavorado. Sua expressão ofendida quando negou que estava noiva desmentiu tudo, mas você saiu tão rápido que não tive tempo de tentar me explicar. Entenda que só agi mal porque tive medo de perdê-la. Não que algum dia tenha sido minha para que realmente a pudesse perder, mas... – ele suspirou tristemente, o olhar baixo voltado para as próprias mãos. – Apesar de saber que não há a menor possibilidade de eu ser correspondido, estou completamente apaixonado por você. Sei que não tenho o direito de me sentir assim, Minerva, mas eu sinto. Não posso evitar.
O diretor sentiu que ela se movia ao seu lado e com o canto dos olhos pode vê-la virar a cabeça em sua direção. Mas não teve coragem de levantar o olhar para fitá-la de volta, com medo de encontrar ali piedade ou algo ainda mais cruel. Apenas tinha a necessidade de continuar a falar tudo de uma vez antes que perdesse de vez a coragem.
– E quero que saiba que eu a compreendo. Com essa imensa diferença de idade entre nós, nossos empregos em jogo e todas as minhas complicações… Entendo que só me queira como amigo, e posso me conformar com isso. Posso até aceitar seu... relacionamento... – tentou sem sucesso não fechar os punhos ao terminar a frase – com Elphinstone, algum dia. Quer dizer, isso não tem que mudar nada entre nós. Na verdade espero sinceramente que não mude, muito menos que nos afaste. Eu só... achei que você devia saber – a voz tornou-se subitamente mais rouca, dolorosamente verdadeira. – Saber que eu te amo.
Lentamente a gata subiu até o colo de Dumbledore e esfregou a cabeça contra a mão dele, ronronando de leve. E por um momento o bruxo engasgou de emoção, certo de que aquilo era um legítimo sinal de afeição por parte dela. Hesitou por um segundo com a mão trêmula, mas então acariciou respeitosamente o pelo macio entre as orelhas do animal e recebeu em troca um miado apreciativo.
– Minerva, isso quer dizer que você...? – esperançoso, ele levantou o olhar. E quando seus olhos azuis finalmente cruzaram com os dourados e de pupilas verticais, estranhamente não encontraram as características marcas quadradas que diferenciavam a forma animaga da professora dos demais gatos de pelagem semelhante que habitavam o castelo. – Espere, você não é...
– Cookie! – exclamou uma voz feminina e infantil mais à frente no corredor, interrompendo-o e assustando-o de volta para a realidade.
Obviamente era uma aluna. Tratava-se de uma segundanista lufa de cabelo castanho e enrolado nas pontas, cuja franja que começara a deixar crescer recentemente caía de forma incômoda sobre os olhos, e ela parecia imensamente aliviada quando se aproximou de braços estendidos na direção do bichinho aninhado no colo de Dumbledore.
– Cookie? – repetiu o diretor, incerto, levantando a gata até a altura dos olhos para examiná-la novamente.
Não, aquela definitivamente não era Minerva McGonagall. A verdadeira, mesmo em sua forma felina, jamais o deixaria chamá-la pelo nome de algum doce impunemente. Tampouco lamberia sua mão como estava fazendo agora.
Bom Mérlin, então ele havia dito tudo em vão. Quanta estupidez! E pensar que agora teria de voltar a procurar por Minerva e pedir desculpas novamente. Conseguiria fazê-lo outra vez? Teria forças para suportar por mais tempo essa tortura da espera de uma resposta aos seus sentimentos? Ou talvez esse fosse um sinal do destino para que se calasse... Desculpar-se sim, mas não dizer mais nada além disso. Manter seu amor em segredo por ainda mais tempo do que já o vinha guardando, talvez mantê-lo assim pra sempre.
– Então você está aí! Obrigada por cuidar da minha gatinha, diretor Dumbledore – ela agradeceu enquanto retirava seu animal de estimação das mãos dele, ainda ligeiramente atônito com a própria má sorte. – Eu a procurei por toda a parte.
– Sim, claro. Bom, seja mais cuidadosa com ela da próxima vez. Afinal não vamos querer perdê-la – ele respondeu com um daqueles sorrisos que servem somente para impedir as lágrimas de se formarem, mas a garota não percebeu. Com medo de acabar se descompondo ali mesmo, despediu a aluna da forma mais delicada que pôde. – Tenha uma boa tarde, Samantha.
Albus levantou-se lentamente, observando desolado a menina se afastar murmurando broncas em tom manhoso para Cookie. Se não estivesse tão triste teria rido com o pensamente de que, se alguém se dirigisse assim para a verdadeira Minerva, ela certamente também teria fugido dessa pessoa. Mas não se deixaria apanhar de forma assim tão dócil depois.
Não, agora que tinha parado para pensar, mesmo em sua forma felina Minerva ainda era completamente diferente de qualquer outra... E se não estivesse tão transtornado, ele certamente teria reparado.
Dumbledore fez uma nota mental de ser mais cauteloso da próxima vez que encontrasse um gato malhado e então girou os calcanhares para retomar sua busca, repassando na cabeça todos os possíveis lugares onde deveria ir em seguida, quando foi novamente interrompido por uma presença inesperada. Mas dessa vez era o ilustre e cortês fantasma da Grifinória, Nicholas de Mimsy-Popington.
Por um momento o velho levou a mão ao peito de susto por encontrar o outro tão próximo que quase o tinha atravessado, e então voltou a se apavorar com a perspectiva muito mais sombria de que ele pudesse ter presenciado todo o absurdo e vergonhoso mal-entendido no qual ele acabara de se envolver. Fato que, pelo sorriso compassivo na face transparente de Nick-Quase-Sem-Cabeça, era mais do que evidente.
– Nicholas! Eu... bem... não é o que parece.
– Não se preocupe, diretor – o fantasma respondeu, pousando uma mão intangível sobre o ombro do outro de forma compreensiva. – Eu não pretendo contar pra ninguém que vi o senhor se declarando ao gato errado.
E por um longo momento extremamente constrangedor Albus foi capaz de invejá-lo, julgando 45 golpes de machado cego um destino menos cruel do que o que tinha perante si agora. Deu dois passos para trás e largou-se de volta no banco, a cabeça entre as mãos, sentindo-se mais velho, infeliz e cansado do que nunca. Ainda assim tentou agradecer o outro pela sua discrição, mas foi calado por um gesto da mão do morto, que novamente tomou a palavra.
– Da mesma forma que não pretendo sair espalhando por aí que vi a professora McGonagall ensaiando dizer-lhe coisa parecida várias vezes, defronte um certo espelho que mostra os desejos de nosso coração. Tampouco que ela foi na direção desse mesmo espelho há poucos minutos atrás.
A surpresa do bruxo foi tão intensa e que, pela sua imobilidade nos instantes que se seguiram, Nick temeu que sua mente tivesse abandonado o corpo. Mas antes que pudesse ir até o diretor para se certificar de que este não tinha se tornado seu mais novo colega no além-vida, eis que toda a tristeza de Dumbledore tinha se desvanecido e seus olhos brilhavam mais do que nunca quando ele se levantou num salto.
– Com licença, meu caro. Penso que talvez ainda haja tempo de falar com o gato certo.
– Suponho que sim – o morto disse e deu um passo para o lado, estendendo o braço transparente como que para mostrar o caminho ao outro.
Dumbledore já tinha percorrido quase todo o corredor quando se deteve um último instante, chamando em voz alta a atenção do outro novamente.
– E Nicholas – ele disse com um amplo sorriso –, muito obrigado.
– Bem, alguém tem que ter a cabeça no lugar nesse castelo – o fantasma zombou, falando para si mesmo, depois que o outro já tinha desaparecido de vista. – Estranho que este tenha de ser justo eu.
n/a: Antes de mais nada, agradeço por lerem. Estou muito satisfeita com todos os meus queridos leitores que estão sempre por aqui, porque saibam que isso é a melhor recompensa que eu posso sonhar receber por esse meu "trabalho" que tanto me enche de alegrias. E se eu puder lhes pedir algo é que continuem acompanhando minhas histórias malucas.
Bem, eu poderia perfeitamente deixar a fic assim como está e fazer dessa uma oneshot, ou então acrescentar mais um capítulo... O que vocês acham? Por favor, deixem um review pra que eu saiba suas opiniões.
Um beijo imenso da Pearll.
