"Assim como ele, você ainda não abandonou tudo. Por isso, você não vai ser um habitante de vilarejos de párias. Com certeza, um dia irá se levantar de novo.
Até lá, pense que esta é uma coincidência fortuita e descanse um pouco por aqui."
- Mana... Mana...
Era o que o jovem de cabelos brancos repetia para si mesmo o tempo todo.
"Quando você irá voltar a sorrir para mim, mana?"
Quanto tempo fazia? Dias, semanas, meses? Odiou aquele homem por tanto tempo. Dez anos.
Aquele homem tirou tudo dele. Aquele homem de cabelos vermelhos... Como sangue.
Como o sangue de sua irmã derramado na neve.
E agora, o que tudo isso importava?
- Não vai comer, garoto?
Os outros párias já estavam acostumados com o homem de cabelos brancos. Provavelmente era um maluco fugido, e nenhum deles lhe dava muita atenção. Só o Velho.
Como sempre, o Velho não teve resposta nenhuma. Seus passarinhos ficaram voando ao seu redor.
- Por quanto tempo vai ficar remoendo lembranças sem sentido?
Enishi levantou os olhos inexpressivos para o velho. Ele falava como se soubesse de tudo.
- Saia da minha frente... - A voz saiu rouca, pelo pouco uso. O Velho deu um sorriso bem humorado.
- É o que todos dizem para seus problemas, mas eles saem? Ah, não. As coisas não são assim. - Sua voz então ficou séria de repente, e seus olhos brilharam por trás do óculos quebrado. - Encare a realidade, garoto. Ela está aí do seu lado.
O diário de sua irmã. Fechado, intacto, desde que tinha recebido das mãos daquela mulher.
- Você não quer encarar que sua vida foi um erro. Que seus propósitos foram um erro. Por isso, você não o abre.
- Cale a boca...
- Você é um covarde, Enishi.
- CALE A BOCA!
Enishi levantou-se, em fúria. O Velho nem piscou, apenas sorriu.
- E agora, vai bater num velho? HAHAH! Pode me bater, garoto. Desconte toda sua frustração, não vai adiantar.
Frustração. Sim, era exatamente o que Enishi sentia. Ele dá um soco na parede de madeira em que estava encostado, que destrói como se fosse papel, e berra.
- Isso, vamos! Desconte tudo! Bote tudo pra fora! Só assim você poderá recomeçar.
E o Velho virou as costas e saiu andando, deixando Enishi escorregar para o chão novamente, subitamente inexpressivo de novo.
Mas seus olhos se fixaram no diário, até que suas mãos finalmente o alcançaram.
Hora de encarar a realidade.
