De repente percebi que o que sentia era fogo. Fogo puro a queimar-me o sangue, a devorar-me o interior e a faiscar nos meus olhos, mais forte do que o vermelho vivo de um Alpha. Como se tivesse voltado atrás no tempo e fosse eu a arder no incêndio... No entanto, eu não ficara sequer chamuscado e tudo o que encontrei foram os destroços, onde se misturavam as cinzas daqueles que amei. Portanto, eu sabia que estava vivo e se ainda tivesse dúvidas, os batimentos cardíacos tão loucos como na lua cheia poderiam confirmá-lo. Estava vivo e consumido por outro tipo de fogo, não menos violento do que o primeiro.

Toda a raiva que me alimentou durante anos estava acesa num nível estonteante de concentração e se a minha cabeça ainda conseguia raciocinar, então eu devotaria os últimos pensamentos a ele. Pois a verdade é que se eu era o fogo, ele era a gasolina e não havia como negar algo que estava diante dos meus olhos, estendido no colchão velho, sob a minha guarda.

Não sabia dizer em que altura exacta começou e se o soube mais cedo, escolhi ignorar para meu próprio benefício. Depois de toda a culpa por ser estúpido a ponto de amar as pessoas erradas, ninguém podia recriminar o meu distanciamento. Eu precisava de ficar distante para não cometer o mesmo erro. Mas a prudência não adiantou de nada, porque no fundo eu era o mesmo rapazinho ingénuo e quebradiço de outrora, a desafiar raparigas nos corredores do colégio para que os meus amigos não me vissem fraquejar, a aceitar nos braços aquela que seria a assassina da minha própria família, a salvar uma aberração das garras de um grupo de Alphas. Talvez o problema tivessem mesmo sido as mulheres...talvez devesse ter escolhido o caminho B desde início.

Contudo, não podia dizer que acordara e percebera que gostava de homens. Eu não gostava de homens, eu gostava de um homem. Na verdade, somente um adolescente sarcástico, magricelas e azarado no campo amoroso - aí já éramos dois.

Então, enquanto passava os olhos pelo corpo adormecido de Stiles e observava a forma como ele torcia os lábios quando o sonho se adensava, eu sabia que estava apaixonado, mais uma vez. E desta vez, queimava.

Em primeiro lugar, não precisaríamos de estar escondidos se eu não me tivesse deixado aproximar dele, ceder àquele sentimento corrosivo. Poderia ter parado e ignorado, poderia ter-me feito cego e surdo...mas o certo é que fora de cabeça para as águas mais profundas e levara-o junto. Seria mais fácil se ele não correspondesse. Eu nunca poderia obrigá-lo a amar-me, por isso, não haveria perigo e quem sabe se não conseguiria manter o sentimento em segredo durante mais um tempo.

O problema da nossa história não era falta de compatibilidade, desejo ou paixão, mas sim as circunstâncias externas. Conseguia controlar-me e ele seria a âncora que viria substituir a minha ligação à raiva para manter-me acordado. Ele seria a âncora se não houvesse um grupo de Lobisomens a tentar estripá-lo para atingir-me.

Deucalion podia vir com tudo o que tivesse, podia matar-me no processo, mas não encostaria os dedos a um fio de cabelo de Stiles. Esse era o motivo para ter arrastado o garoto até ali, para me certificar de que ninguém lhe tocava e se fosse a minha licantropia a colocá-lo em risco, então eu mesmo abriria a minha garganta ao meio para impedir que o meu lado animal lhe causasse danos. Ninguém tocaria no que era meu.

Por tudo isso, naquela noite eu era puro fogo. Não tinha a noção se daria certo entre nós e o mais possível, segundo probabilidades construídas da minha experiência, era descobrir que afinal de contas o rapazinho que eu amava era uma entidade do mal; podia acontecer e não seria a primeira vez. No entanto, uma certeza ridícula abalava-me da cabeça aos pés e afirmava que Stiles era só a pessoa mais pura na qual eu já tocara, tão pura que ficava manchada pela minha simples presença. E apesar de saber que não merecia alguém assim, eu ia ser egoísta e atender a mim primeiro, que se lixassem os valores morais. Quem mexesse nele para tentar chegar a mim, ia acabar queimado.

Porque eu ia arder e arder e arder, tanto quanto aquele amor durasse.