Prólogo e Capítulo 1
Eu tenho o que podemos classificar como Uma vida perfeita! Sério mesmo: tenho 31 anos, mas cara de 20 (não me gabo muito disso; é ruim ter que mostrar minha Identidade a todos os céticos que arregalam os olhos quando revelo minha idade) e modesta parte falando, eu sou bacana. É... Até que dou pro gasto. Consigo chamar alguma atenção quando penteio o cabelo. Sou casado há dois anos com a mulher mais perfeita deste planeta. Eu sou meio louco, estabanado (tá, isso não é lá palavra que se use), atrapalhado, cheio de fogo. E minha mulher é totalmente o oposto: tímida, calma, linda, inteligente. Muitas pessoas podem achar que pela minha personalidade eu quisesse alguém mais "agitada". Mas não! Eu combino com ela! Os opostos se atraem, se completam e se preenchem com suas necessidades.
Nós nos conhecemos em uma escola de música, que cursávamos. Ela, uma pianista muito linda; eu, um baterista muito louco. Namoramos por dez anos até conseguirmos finalmente nos casar. Ela formou-se em medicina. E eu... bem... Eu fiz engenharia... mas...
"Eu não preciso disso aqui, meu marido tem dois empregos". Sim, minha mulher fala isso várias vezes por dia. Não, ela não é a Roxelle, mas sim, eu tenho "dois empregos". Sou engenheiro mecânico na Wolks durante a semana e às vezes, sim, às vezes, quando tenho coragem e quando minha mulher não está vendo, eu faço pequenos serviços como Agente Secreto numa Companhia Secreta.
"Se é tudo secreto, por que está contando isso?". Simples, meu caro ou minha cara. Sei que você não irá contar isso a ninguém, pois caso contrário, terei que mata-lo ou mata-la. Não, eu acho que nunca matei ninguém. Pelo menos não por querer. Não que eu saiba. A questão é que, estou contando minha vida porque acho ela maneira demais pra ficar escondida. Não quero passar despercebido por este mundo. Quero que ao menos duas ou três pessoas saibam que eu estive aqui e fiz tudo isso que logo mais irei lhes contar. Mas acima de tudo, encarnarei o velho e bom Bento Santiago, ou Dom Casmurro caso prefiram, para narrar a vocês minha triste e solitária vida (que de triste e solitária não tem nada) para organizar minha mente tão complexada por essa poluição visual de pensamentos, ideias, lembranças, e afins.
Comecemos então, por um belo dia de folga minha e de minha esposa. Ah, esqueci de dizer meu nome, né? Pois bem. Sou Sanada Yukimura. Minha esposa se chama Kasuga, Kasuga Toratsuna Yukimura, caso vocês queiram saber, né, por algum motivo que eu desconheça. Pois então, onde estávamos mesmo? Ah sim, nossa bela folga. Folga é uma coisa sagrada para nós dois. Ambos somos carentes de atenção e os poucos momentos que temos juntos são reservados para cada um saciar os desejos um do outro.
- Acha que já está na hora? Quero dizer: alguns casais esperam vários anos para aproveitarem mais, viajar e etc. Outros sem planejamento têm logo no primeiro ano juntos. Mas nós... bem, já estamos a mais de dez anos juntos! Quero dizer: não seria errado não adiar mais. Né? – Kasuga me olhava com seus familiares olhos de pidona. E meu Deus! Que olhos são esses! Sério! Não tem olho azul ou verde que supere os espetaculares olhos cor de mel da minha esposa! Eles são grandões e sempre parecem assustados. Desde que olhei para esses olhos a primeira vez, nunca mais parei de viajar nesse mel esverdeado.
Você já deve estar cansado de tanto eu enrolar com toda essa descrição detalhada. Devo estar pior que Eça de Queiroz. Não, eu não sou uma pessoa culta. Eu leio bastante. Gosto muito. Mas só leio livros de investigação policial. Minha esposa é que é mais inteligente e me conta essas coisas de gente inteligente. Vocês também podem estranhar o fato de estarmos juntos há tanto tempo e eu ainda babar por ela. Mas sinceramente: ela é linda de verdade e foi tão difícil para conseguirmos nos casar com todas essas coisas de faculdade e família que agradeço a Deus todos os dias por cada segundo que estamos juntos. Sim, eu sou meloso demais e to nem aí pra o que dizem. "Mas calma, calma! Não priemos cânico". Logo, logo eu paro com essa baboseira. É só que estou bem empolgado com o começo de história e quero descrever bem os fatos pra você entender bem os fatos.
Enfim, voltando ao presente narrativo, Kasuga e eu estávamos retornando a um antigo debate nosso sobre bebês. Vocês devem ter uma ideia de como é isso, não é? Ter ou não ter, eis a questão. Ter ou não ter dinheiro, paciência, sono, vontade... etc, etc, talz. Bom, dinheiro não é problema pra gente porque, FRANCAMENTE, uma médica e um engenheiro/agentesecreto juntos dá um BOOOOM rendimento. E eu sou daquele que não gosta de economizar! Compro tudo na cara mesmo! Um carro aqui... outro ali... Tá, tá... Não é pra tanto. Mas é por aí.
A nossa casa fica em um condomínio fechado. É bem estilo europeia mesmo: de tijolos e avermelhada, como a Kasuga sempre gostava de fazer no The Sims. Ela era viciada nessa coisa de casa! Me dava até medo! Num instante estava ela lá, quietinha, timidazinha... Eu perguntava da casa do The Sims e lá vinha AQUELE OLHÃO E AQUELE SORRISÃO FALANDO "EU FIZ, EU FIZ, TÁ MUITO SHOW!". Ela tinha 16 anos. Era linda. Bom, ainda é, né.
Agora estávamos na cozinha, planejada na cor marrom, e minha esposa me olhava apoiada de costas no mármore do fogão que ficava no meio do cômodo, esperando minha opinião com os olhões que já descrevi. Eu estava prestes a responder quando meu celular tocou. Fiz sinal com o dedo indicador, para dizer que só seria um minuto. Ela fez sua costumeira revirada de olhos de quando alguém liga pra mim e eu tenho que cortar o assunto.
- Casa do sossego, quem perturba? – perguntei como sempre.
- Yukimura, imbecil! O que está dizendo?
- Ouh, chefe? Ah, malz aê. Pensei que fosse da telefônica. Algum problema?
- Problema? Vou dizer o problema: o problema é ter uma caralhada de ligações logo pela manhã, só com empresários de alto nível reclamando de dinheiro roubado em suas contas! E logo no dia que 80% dos meus funcionários estão de folga reclamando da telefônia, em suas casas, com seus traseiros gordos amassados numa poltrona quente e confortável enquanto EU me mato pra resolver tudo...
Parei de ouvir o resto do discurso, pois todo aquele parágrafo seria apenas de reclamação. Em vez disso, comecei a tremer. Meu chefe da Companhia, que aliás se chama SiSe (a companhia, não meu chefe. Meu chefe se chama Oyakata, ou como todos os funcionários sãos o chamam, Oyakata-sama), em geral é um cara bacana, divertido, cheio de energia; igualzinho a mim. Então, vê-lo bravo e xingando todo mundo era de se apavorar. Seria como ver o Papa escutando Death Metal. E só pra acrescentar na enorme lista de informações que vocês já têm sobre mim: eu sou viciadão num rock bão.
- Está me ouvindo, Yukimura?
- Sim, senhor! Estou ouvindo perfeitamente bem, Oh Grande Oyakata-sama. Só poderia repetir, por favor, a parte do "com seus traseiros gordos"? Porque devo discordar do senhor: todos sabem, e minha esposa melhor do que ninguém, que eu sou magro demais, oh Grande Oyakata-sama.
Vocês devem me achar louco por fazer piadas com meu chefe num momento crítico como esse, mas se eu não fizer isso estarei sendo infiel a minha alma. Eu sou assim por natureza. É uma necessidade minha fazer piadas cotidianas.
- Deixe de ser ridículo! Você entendeu que estou te ligando pra que você venha até aqui ou vou ter que mandar um avião com um outdoor chamando por você?
- Não senhor, isso não seria necessário. Mas eu não me importaria: ninguém nunca fez isso por mim...
Kasuga deve escutado a altura da voz do meu chefe depois dessa, porque ela fez uma careta de medo e saiu pela outra porta da cozinha, que dava para a estufa. Ou talvez ela não tenha escutado e sua intuição feminina tenha alertado isso de alguma forma que eu não saberia, porque não sou uma mulher. Sério mesmo! Pow, vai querer minha identidade também?
Os próximos minutos no celular foram destinados a escutar os comandos do meu chefe: basicamente eu tinha que ligar meu carro, sair da garagem e correr para o prédio da Companhia. Ah, e por gasolina também. Tinha que me lembrar disso.
Desliguei o celular decepcionado e fiz minha melhor careta de "Eu sinto muito querida" para minha esposa que já estava pondo a cabecinha para dentro da cozinha, esbanjando todo seu charme.
- Eu sinto muito querida – eu tratei de dizer – Mas surgiu um problema na empresa e me pediram pra ir lá.
- Qual das empresas? – ela perguntou com uma sobrancelha erguida e fazendo aquela caretinha de 'posso saber?'.
- A de sempre amor! Aquela onde eu desenho aquelas pecinhas, e ligo aquelas máquinas esquisitas que fazem assim e pego aqueles...
- Eu não sou burra, Sanada!
- Eu sei amor! Sei que você sabe como funcionam as máquinas...
- Não estou falando disso! Sei que você está falando da SiSe!
Eu fiz cara de choque.
- Ah? Como ousa proferir tais acusações? Eu sou inocente! Você sabe que parei de arriscar minha vida com esse tipo de trabalho! Vem amor, me dá um beijo... – eu estiquei os braços para abraça-la, mas fui empurrado e poxa, fiquei no vácuo.
- Eu sei que é da SiSe! Você não brinca com o seu chefe da Wolks...!
- Droga amor, você é inteligente demais pra mim! Ou eu que sou burro demais... Não ouse decidir isso por mim querida! Isso é feio... Deus castiga.
- Chega de palhaçada! – ela virou-se irritada e continuou cortando tomates. Tentei me aproximar dela.
- Querida, eu... Meu Deus!
Kasuga virou-se apontando a faca para mim.
- Você realmente vai me deixar aqui sozinha, hoje? No nosso sagrado dia de descanso familiar? Você sabe que eu morro de medo de ficar sozinha!
- Desde quando? – eu tentava mudar de assunto pra ver se ela largava a faca. Sabe o que é mais assustador do que meu chefe bravo? Minha esposa apontando uma faca pra mim.
- Desde quando? – ela repetiu incrédula – Desde que assisti aquele filme de terror que não posso pronunciar o nome... – ela se abraçou contendo os calafrios. Minha esposa é bastante medrosa com filmes de terror. Deixá-la sozinha é um crime! Ela morre de medo de assombrações. Mas isso é charme porque ela adora praticar uma macumbinha nos finais de semana, lá no Centro Espírita dela que só tem gente velha.
- Amor, eu só vou checar o problema e volto em uma hora! Eu prometo que vai ser o tempo da comida esquentar e bam! Estou de volta!
Ela parou pensativa, provavelmente medindo as opções. Então ela voltou a cortar de costas e eu ri, porque tinha certeza que ela estava fazendo biquinho.
- Então vai logo.
Eu abracei-a por trás e beijei seu pescoço lindo! Lindo mesmo! Ela era demais para um pobre coitado como eu: loira, 1.60, branca igual a neve e tinha mãozinhas e pezinhos pequeninos. Pareciam patinhas de hamster. Não estou comparando minha esposa a um rato, que fique bem claro! E por falar em rato: ô mulherzinha pra gostar de um bichinho! BenzaDeus! Sério, nossa casa era um perfeito zoológico: temos dois cachorros gigantes (um Golden chamado Teddy que é meu grandão, e o metido do dálmata dela, chamado Domino), um gato chato persa vermelho, o Bichento (a Kasuga é fã da Hermione). Também temos uma rata, uma pássara, esquilos, suricatas e minha esposa anda planejando ter um hipogrifo. Ela é doida, doida, tadinha.
- Volta logo! – ela alertou uma última vez.
Subi as escadas como um foguete para trocar a bermuda cáqui e tirar minha camiseta do Slip (slipknot) e troquei-as por uma camisa social cinza com listras pretas, um blazer marrom e jeans. Tornei a descer os degraus correndo (a Kasuga sempre me repreendia por correr na escada) e olhei uma ultima vez para a cozinha, para vê-la limpando com um pano o suéter azul claro com golinhas brancas aparecendo, vestindo sua jeans que "levantava tudo" e me deixava louquinho, descalça, e com seus cabelos loiros presos em um coque bagunçado. Ela era linda até desarrumada em casa.
Saí pela porta da frente, atravessei o gramado e abri a garagem. Eu sempre babava quando fazia isso porque a porta abria devagarinho mostrando aos pouquinhos, ele, o magnífico, o espetacular Audi TT preto. Parecia comercial de TV. O melhor era que eu podia tocar nele. Porque é meu, ó que maravilha. Às vezes eu via algum vizinho chato passando e corria pra apertar o botão da garagem só pro fulaninho ver MEU brinquedo na MINHA garagem.
Pisei no acelerador com tudo e saí cantando pneu, deixando o solitário Toyota Prius da minha muié. Carrinho mixuruca o dela. Só porque "é ecológico". Puf. Pra mim carro tem que ser como o meu! Daqueles que você dá a partida e deixa tudo preto de fumaça atrás. Ai se minha mulher escuta isso... vou ter que ficar uns cinquenta minutos na cama ouvindo um baita discurso sobre camada de bozônio. Ou sei lá o que.
Meu Audi saiu do condomínio e eu zarpei. É coisa de velho falar isso, mas foi isso mesmo que aconteceu.
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Ah, e só mais uma coisa que talvez vocês não tenham notado: estou de folga dos meus dois empregos.
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