Trapaça do Destino pertence exclusivamente a Sally Bradford! Quanto aos personagens, uns pertencem a Sally Bradford e outros a J.K. Rowling.
Trapaça do Destino - Sally Bradford
Lily Evans estava certa de nunca ter visto aquele homem na vida. Sendo assim, o que ele fazia à porta do apartamento em que ela morava, convidando-a a entrar? Ao perceber sua hesitação, o desconhecido estendeu-lhe a mão e tentou se explicar:
— Sou James Potter e a partir de hoje, passo a dividir o apartamento e as despesas com você.
Ela ignorou o gesto de cortesia e não disfarçou o espanto:
— Você o quê?
— Vou morar com você.
— Ora, isso só pode ser uma brincadeira de mau gosto!
Mas o estranho não parecia estar brincando. Lily examinou-lhe o rosto levemente bronzeado, delineado por traços bem-feitos, e os cabelos pretos desalinhados. Como o sujeito permanecesse impassível, enfiando as mãos nos bolsos do jeans bastante apertado, ela insistiu:
— Como conseguiu abrir a porta?
— Com a chave que sua antiga inquilina me entregou. E que agora me pertence.
— E o que deu na cabeça daquela maluca para ela lhe entregar as chaves?
— De manhã, quando passei por aqui, ela me disse que iria deixar o apartamento ainda hoje. E que estava se sentindo terrivelmente culpada por ter que partir antes que você conseguisse arrumar outra pessoa para dividir as despesas. Então eu...
— Nem precisa continuar. Para se livrar da culpa, ela acabou me arrumando outro problema.
— Olhe, já que vamos morar juntos, por que não entramos para conversar com calma?
— Mas é claro que eu vou entrar! Afinal, a casa é minha! E não sei de onde você tirou a idéia de que também vai morar aqui!
— Quanto a isso, não resta à menor dúvida.
Alguma coisa no tom de voz do determinado e seguro James Potter mexia com os nervos de Lily. Ela estava em penosa situação financeira e precisava desesperadamente de alguém com quem dividir o aluguel e demais despesas do apartamento. Mas jamais lhe passara pela cabeça a idéia de ter um homem morando consigo... Muito menos um absoluto estranho que lhe aparecia de um instante para outro, uma pessoa da qual não possuía a mínima referência!
Tomando súbita consciência de sua pouca altura, ela ergueu os ombros para demonstrar autoridade e tentou argumentar:
— Escute James... É esse o seu nome, não?
— Sim. James Potter, ao seu dispor.
— Pois bem, James, me parece que houve um terrível engano. Não há a menor possibilidade de que você venha a morar no meu apartamento.
Ele não se mostrou nem um pouco abalado com a solene declaração. Escancarando a porta que estivera entreaberta até então, apontou para a sala de estar e retrucou:
— Entendo a sua relutância, mas o fato é que já me mudei para cá.
Lily acompanhou o movimento do braço dele e conteve um grito. Sua sala estava repleta de caixotes e caixas de papelão dos mais variados tamanhos, empilhados ou espalhados pelos cantos; o sofá cor de laranja com estampas miudinhas amarelas, do que tanto gostava, era agora uma peça de mobília semi-oculta por equipamentos esportivos: duas raquetes de tênis, um capacete utilizado por ciclistas, um par de esquis e artigos para mergulho; na sua poltrona predileta, recoberta pelo mesmo tecido do sofá, havia um enorme aquário vazio com seu filtro de ar, algumas plantas artificiais e um pacote contendo o que ela supôs ser alimento desidratado para peixes ornamentais. Parecia que seu pequeno e aconchegante apartamento, na tranqüila Rua Arlington, na Virgínia, tinha sido sacudido por um furacão.
Após contar mentalmente até dez, Lily voltou a encarar o estranho:
— Posso saber o que significam todas essas... Essas coisas espalhadas por aqui?
— São meus apetrechos esportivos e outros pertences pessoais. Vou precisar deles enquanto estiver morando com você.
Lily sentiu o sangue ferver e, dessa vez, tratou de contar até vinte. O que aquele lunático fazia ali? Era evidente que uma pessoa que tivesse dinheiro de sobra para comprar todos aqueles equipamentos não se encontrava em grandes dificuldades, a ponto de precisar dividir um modesto apartamento. E, para piorar, ela odiava gente daquele tipo, arrogante e cheia da nota!
Lily notou a contrariedade que se estampava no rosto dela e tentou soar razoável:
— Sei que não sou exatamente a pessoa com quem você sonhava morar, mas... Bem, por que não entramos? Você tira esse casaco, se senta um pouco e me dá uma chance de tentar convencê-la a mudar de idéia a meu respeito.
— Você não iria conseguir.
— Me deixe ao menos tentar, ok? Vou começar por ajudá-la a tirar seu casaco.
Assim que James se aproximou, porém, Lily correu para dentro da sala e afirmou:
— Posso muito bem fazer isso sozinha.
— Olhe, também vou ser sincero: acho que estamos no mesmo barco, pois você tampouco é a pessoa que eu imaginava encontrar.
Ele entrou e fechou a porta atrás de si, para depois encostar-se no batente. O que acabara de dizer era a mais pura realidade: jamais pensara que a jovem com que iria dividir o tal apartamento fosse tão atraente e charmosa. Lily Evans parecia saída de um conto de fadas. Seus cabelos ruivos, fartos e sedosos, estavam em perfeita harmonia com a pele clara e acetinada; seus olhos de um verde que lembrava uma esmeralda acentuavam o tom rosado dos lábios carnudos.
Ela então abriu o casaco de lã que usava e o coração de James ameaçou disparar. Por baixo do pesado agasalho, estava com um vestido de seda branca muito justo, que revelava um corpo delicado e cheio de curvas perfeitas; o traje bastante curto deixava à mostra boa parte das pernas, firmes e bem torneadas; a brancura do tecido fazia um estimulante contraste com o tom caramelado das meias rendadas. E, quando Lily se movia, os contornos de seus seios empinados eram quase visíveis através do corpete brilhante do vestidinho tomara-que-caia.
Depois de engolir em seco por duas ou três vezes, ele tomou coragem e perguntou:
— Você se veste sempre desse jeito?
— Que jeito?
— A moça que morava aqui me disse que você era professora primária, mas nunca tive uma professora que desse aulas com... Com roupas assim.
— É claro que, quando estou lecionando, não vou à escola vestida deste jeito. Acontece que, no momento, não estou dando aulas.
— E no que é que você anda trabalhando, então?
— Não é da sua conta.
Por um instante, James chegou a pensar que estava prestes a morar com uma strip-teaser, uma daquelas moças que se despem em shows eróticos exclusivos para homens. Coisa que, aliás, não lhe pareceu de todo má. Que vantagens não poderia ter ao conviver com uma jovem assim?
Alheia ao que se passava na cabeça dele, Lily jogou o longo casaco de lã em cima do aquário vazio. Tinha que tomar uma atitude. Aquele homem falava como se já estivesse residindo definitivamente em sua casa e... Puxa como era atraente! Não, não e não! Não podia permitir que ele ficasse ali!
— Escute Sr. Potter...
— Se quiser ser formal, então é melhor me chamar por Dr. Potter.
— Está bem, Dr. Potter... Você é médico?
— Não, sou dentista.
— Dentista?
— Não me diga que também tem algo contra os dentistas.
— Não, não tenho nada contra. Só estranhei porque nunca tinha conversado com um dentista que não estivesse com um instrumento de tortura nas mãos.
— Então estamos quites. Nunca conversei com uma professora que usasse roupas tão... Extravagantes.
De repente, Lily sentiu-se um tanto constrangida por estar vestida daquela forma diante de um estranho. Desconfortável, sentou-se no braço do sofá, bem longe de onde James se instalara, e tratou de explicar.
— Isto não é uma roupa, é uma espécie de fantasia. Houve um corte no orçamento da escola onde eu lecionava e fui demitida no outono. Por isso, agora estou trabalhando para a Shenanigans.
— E o que é isso?
— A Shenanigans é uma empresa especializada em entretenimento e performances. Faço apresentações em festas e escolas, entrego telegramas dramatizados, distribuo cartões e balões de gás em aniversários, hospitais... Coisas desse tipo.
— Você vai a hospitais vestida assim?
— Lógico que não! Apresento-me em hospitais como a Palhacinha Clara e o traje tem que ser adequado à personagem que represento. Esta noite tive que fazer uma performance numa reunião de despedida de solteiro e é por isso que estou vestida de noiva.
— Sei... Quer dizer que, se eu quiser que entreguem balões na festa de aniversário do colega com quem divido meu consultório odontológico ou desejar que façam um strip-tease para mim, é só telefonar para a Shenanigans e eles providenciam tudo?
— Nada disso! Nossa empresa não promove apresentações de nudez e... Você pensou que eu fosse uma strip-teaser?
— Bem... Com um vestido desses...
— Pois saiba que está redondamente enganado! A coisa mais excitante que faço é saltar de dentro de falsos bolos de casamento!
James não conseguiu disfarçar o riso. Havia se mudado para lá pensando que iria ocupar o quarto vago do apartamento de uma sossegada professora primária, e agora se via prestes a morar com uma destrambelhada que vivia pulando para fora de bolos!
Lily não se fez de ofendida:
— Vamos, pode rir. Ria quanto quiser, mas a verdade é que executo um trabalho honesto, sem o qual não conseguiria pagar minhas contas no final do mês.
— Por favor, Lily, não me leve a mal.
— Sei muito bem o que você e as pessoas do seu tipo pensam a respeito do que faço. Mas aposto que cobra uma verdadeira fortuna a cada vez que obtura um único dente de seus pacientes; caso contrário, não teria dinheiro para comprar todas essas tralhas que jogou em cima do meu sofá.
— Trabalhei duro para conseguir esses equipamentos esportivos que está chamando de tralha. E tenho certeza de que, se você juntasse tudo o que possui neste apartamento, sua pilha de "tralhas" não seria menor do que a minha.
Dizendo isso, James pôs-se a jogar as raquetes de tênis, o capacete, os esquis e a máscara de mergulho no chão, a fim de abrir espaço sobre o sofá.
Lily suspirou ainda mais irritada. Além de tudo, ele era um bagunceiro de primeira linha. Não. Impossível. Conviver com James Potter estava fora de cogitação. Se não fosse por todo o restante, bastava o fato de ele ser um homem charmoso e envolvente demais. Que mulher podia se responsabilizar por seus atos, vivendo sob mesmo teto que aquele pedaço de mau caminho? Quem resistiria a seus brilhantes cabelos pretos, seus olhos casatanhos repletos de malícia, seu corpo alto e atlético? Se conseguisse fazer com que James saísse do apartamento o mais depressa possível, já estaria para lá de satisfeita!
— Você acaba de tocar numa questão fundamental: esta casa é pequena demais para nós dois, Dr. Potter, e um vai ter que sair. Sinto informá-lo, mas o escolhido foi você.
— Tudo bem, tudo bem. Você já me convenceu e amanhã, sem falta, vou procurar outro lugar para morar. Está satisfeita agora?
Sem lhe dar tempo para responder, um furioso James rumou para o corredor, onde ficava o quarto de hóspedes. Antes que ele fechasse a porta, porém, Lily disse bem alto:
— Quando eu voltar para casa amanhã à noite, espero que já tenha dado o fora!
Trêmula de raiva, ela também foi para seu quarto, batendo a porta com toda a força e trancando-a com a chave. Para o diabo com James Potter! Que sujeito mais atrevido... Entrara sem mais nem menos no seu apartamento, fizera a mudança sem sua autorização e, o pior de tudo, se comportava como se a casa fosse dele!
Lily precisava de verdade de uma pessoa com quem dividir suas despesas, antes ainda que o aluguel do mês vencesse. Mas não queria que essa pessoa fosse um homem. Quando decidisse morar com alguém do sexo masculino, seria por amor. Amor por um companheiro muito especial. Por enquanto, viver ao lado de um dentista cara-de-pau estava totalmente fora de cogitação!
Já era quase meia-noite e o prédio estava envolvido pelo mais profundo silêncio. O único ruído que se ouvia era os passos de Lily, que caminhava pelos corredores sobre saltos muito altos, rumo ao apartamento onde morava.
Ela estava exausta. Tinha trabalhado como uma maluca e ainda passara o intervalo entre as apresentações fazendo cálculos. Contas... Sempre as malditas contas! Parecia que havia passado a maior parte de sua vida mergulhada em estimativas e avaliações, e o resultado nunca mudava: com a mixaria que ganhava, era impossível saldar todos os seus débitos.
Naquele mês, uma coisa ficara evidente: nem que se matasse de trabalhar ou fizesse alguma mágica teria como pagar o aluguel que estava para vencer. E esta constatação levava seus pensamentos de volta a James Potter. Era mesmo uma pena James ser homem, cínico e meio arrogante; caso contrário, poderia contar com a ajuda dele para dividir as despesas.
Droga! Precisava encontrar uma saída!
Desanimada, Lily pôs a chave na fechadura e abriu a porta do apartamento devagarzinho. Estava tudo escuro e uma calma sepulcral reinava ali dentro. Ufa... Tinha sido dureza, mas acabara conseguindo fazer com que James saísse de lá. Num inesperado ataque de bom senso, o dentista devia ter se mudado enquanto ela estava no serviço. Ainda bem!
Ainda bem? Por que, então, não se sentia aliviada e satisfeita como imaginara ficar após a partida dele? Talvez o cansaço, fruto do dia estafante que tivera, explicasse a ausência de qualquer sensação de triunfo com o sumiço de James.
Suspirando, ela entrou no apartamento e fechou a porta com a ponta do pé, sem ao menos se dar ao trabalho de acender as luzes da sala. Tudo o que precisava era de uma boa noite de sono. Para entender o que estava sentindo, para arrumar um jeito de pagar o aluguel, para...
Na entrada do corredor, em meio à escuridão, Lily tropeçou em alguma coisa que foi ao chão com um barulho capaz de acordar os mortos. Diabos! Junto com o grito assustado que ela dera, aquele maldito estrondo devia ter acordado todos os moradores do prédio!
No quarto que havia sublocado James Potter quase caiu da cama. Atordoado, correu para a sala e foi logo perguntando:
— Lily, é você? Deus do céu. O que foi que aconteceu? ― Na confusão e ainda mal desperto, ele não conseguia localizar o interruptor de luz. E quando finalmente o encontrou e a sala iluminou-se, percebeu o que tinha ocorrido e teve vontade de voltar rapidinho para a cama.
Com uma expressão furiosa, Lily estava sentada no chão ao lado da bicicleta tombada. Se por muito menos ele quase havia sido expulso do apartamento no dia anterior, imagine o que não aconteceria agora...
Sem saber o que fazer James só conseguiu indagar:
— Você... Você se machucou?
Lily demorou uma eternidade para responder. Olhava para a bicicleta caída a seu lado e então para o dono daquele trambolho com jeito de quem estava prestes a cometer uma atrocidade. Por fim, explodiu:
— Mas o que significa isto? O que esta geringonça está fazendo na entrada do corredor?
Enquanto ela massageava o tornozelo e uma das pernas, James tentou explicar o óbvio:
— É... É a minha bicicleta, Lily.
— Que é uma bicicleta, eu já tinha percebido. Quero é saber o que essa porcaria está fazendo na minha sala!
— Eu a trouxe do meu consultório e...
— E por que não a deixou na rua?
— Você está brincando? Uma bicicleta cara como essa? Quanto tempo acha que levaria para que fosse roubada?
— Pouco me importa se ela seria roubada ou não! Quase morri de susto quando tropecei nessa... Nessa droga!
— A culpa foi minha. Eu devia ter avisado você que a bicicleta estava aqui, na sala. Mas cheguei tão cansado que acabei pegando no sono e...
— Isso é demais! Primeiro todas essas tralhas espalhadas pela casa; agora, essa bendita bicicleta que... Ora, o que está pensando que o meu apartamento é? Um depósito de bugigangas? Não acha que...
Lily levantou os olhos para encará-lo e calou-se no mesmo instante. Desde que o vira, não tinha reparado que tudo o que ele vestia era uma minúscula cueca boxer. Só.
Oh, antes não tivesse reparado. Os ombros largos, o torso amplo, os braços fortes e musculosos... Que homem, Virgem Santa!
O problema era que de nada adiantava ficar sentada no chão, admirando as formas exuberantes do Dr. Potter. Nem que ele fosse Apolo, o deus grego da beleza iria permitir que continuasse morando no seu apartamento.
Determinada, Lily viu que era hora de se levantar dali. Só que, assim que fez menção de erguer-se, o véu do vestido de noiva que usara na última apresentação do dia caiu do bolso de seu casaco e enroscou-se na corrente de marchas da bicicleta. E quem conseguia soltá-lo? Quanto mais ela puxava o tal véu, mais ele se enrodilhava na engrenagem.
Ajoelhando-se ao lado dela, Lily perguntou:
— Posso ajudar?
— Não seria uma má idéia, já que foi a sua bicicleta que causou todo este transtorno.
— Me desculpe...
— Além disso, se não me falha a memória, você não deveria estar mais aqui. Não prometeu que iria deixar meu apartamento hoje cedo?
— Sim, foi o que eu disse. Mas acontece que não consegui encontrar outro lugar decente para morar.
James movimentava dedos ágeis e habilidosos entre o tecido delicado e os dentes da corrente metálica; contra sua vontade, Lily aspirava o inebriante perfume do sabonete e da colônia almiscarada que emanava da pele dele.
Ela tentou ser sensata:
— Você podia ao menos ter telefonado antes de se mudar para cá. Isso evitaria a trabalheira de ficar carregando suas coisas de um lado para o outro.
— E acha que não telefonei? Liguei durante noites seguidas, só que ninguém respondia. Por isso, pensei que estaria lhe fazendo um favor se viesse...
— Me fazendo um favor? Você despenca na minha casa sem avisar, espalha os seus cacarecos por tudo que é canto, deixa a maior bagunça pela casa, larga uma droga de bicicleta no meio do meu caminho e ainda acha que está me fazendo um favor?
O véu se soltara. Após entregá-lo a Lily, James imitou-lhe o gesto e também se ergueu, dizendo:
— Sinto muito pela bicicleta. Do fundo do coração, acredite. ― Em pé diante de dele, Lily olhou fundo nos olhos castanhos.
Naquele instante, um forte arrepio correu-lhe ao longo da espinha e, bastante perturbada, ela apanhou o véu e agradeceu num fio de voz. Por mais incrível que fosse a sensação, parecia que aquele homem ocupava todos os espaços do pequeno apartamento; não só com suas coisas dispersas por todos os lados, mas principalmente com sua presença ubíqua, transpirando uma energia que ela desconhecia.
Tirou o casaco e colocou-o sobre uma cadeira de balanço, única peça da mobília da sala que não estava repleta de tralhas. Era evidente que não estava conseguindo lidar com a situação, pois James Potter, ao que tudo indicava, continuava morando na casa dela.
Caminhando por entre caixas, caixotes e pacotes, postou-se diante do aquecedor e resolveu tomar a palavra:
— Dr. Potter...
— Nada de formalismos comigo, ok?
— Pois bem... James. Mas independente da maneira como vou chamá-lo, o fato é que precisamos chegar a um acordo. E você tem que ir embora daqui. Agora ou amanhã de manhã, tanto faz. O que importa é que saia do meu apartamento.
— Me parece que precisamos discutir este assunto com muita calma.
— O que há para discutir? Você não pode morar na minha casa e ponto final.
Acomodando-se sobre o braço do sofá, ele respirou fundo e confessou:
— Esqueci de lhe contar uma coisa. Acho que isso irá pesar na sua decisão.
— Já tomei a decisão que julguei mais correta e não há nada, absolutamente nada que me faça mudar de idéia.
— Nem mesmo se eu lhe disser que já paguei o aluguel do mês de março?
— Você o quê?
Percebendo que conseguira produzir o efeito de confundi-la e surpreendê-la ao mesmo tempo, James repetiu:
— Paguei o aluguel do mês de março. A moça que morava aqui comentou que você estava passando por... Por certas dificuldades e então resolvi quitar o aluguel para não sobrecarregá-la de despesas. Foi também a maneira que encontrei para recompensá-la pelo incômodo de ter me mudado para cá sem avisar.
Lily mordeu o lábio. Droga! O que iria fazer agora, se não tinha a mínima condição de reembolsá-lo pelo gasto que ele tivera com o maldito aluguel?
Sentando-se no outro braço do sofá, ela deu um suspiro e tentou manter a calma:
— Escute James... Não tenho nada contra você, entende? Acho que isto tem que ficar bem claro.
— E?
— O problema é que você é... Você é homem!
— Nunca pensei nisso como um problema.
— Pois, para mim, trata-se de um problema muito grave. Nunca cogitei de morar com um homem, principalmente com um homem a quem mal conheço. Você precisa... Precisa encontrar outro lugar para ficar. Eu não me enquadro nesse esquema.
— Que esquema, Lily? Do que você está falando? Será que...
— Exato. Não sou do tipo que vai para a cama com qualquer um.
— Essa idéia é absurda! Não vim para cá com o propósito de levar ninguém para a cama! Tudo de que preciso é um lugar para morar... Temporariamente!
Era inegável que James ficara furioso e isso a deixou um pouco menos preocupada quanto às intenções dele. Menos preocupada, porém um tanto embaraçada com o desenrolar da conversa. Num esforço para se mostrar natural, Lily deu uma olhadinha ao redor e comentou:
— Deve haver uma dezena de locais onde você se sentiria mais à vontade... a julgar pela quantidade de coisas que possui.
— Bobagem. Este apartamento é perfeito para mim. Não faço questão de luxos desnecessários; o que quero é um cantinho para me acomodar enquanto espero que o meu próprio apartamento, num condomínio da cidade, fique pronto.
— E quanto tempo gostaria de ficar aqui?
— Uns meses apenas. E acho que nossa curta convivência pode dar certo, Lily. Não há motivos para que seja de outra forma.
— James, eu já falei que...
— Por que não fazemos uma experiência? Vamos tentar, por uma semana ou duas. Então, se você realmente quiser que eu me mude daqui, prometo procurar outro lugar para morar.
— Você disse que iria procurar hoje mesmo.
— Não tive tempo, juro. Estou de trabalho até o último fio de cabelo.
Lily sentiu-se picada pelo mosquitinho da tentação. Só o fato de não ter que se preocupar com o aluguel do mês já era uma dádiva dos céus. Além do mais, a permanência de James em seu apartamento era um arranjo temporário; uns poucos meses que, na certa, passariam num piscar de olhos. Será que não valeria mesmo à pena tentar?
Ainda hesitante, ela perguntou:
— Você passa o dia inteiro no consultório? Todos os dias?
— Todos, com exceção dos fins de semana, é claro. Mesmo assim, às vezes trabalho aos sábados também.
— Sei. Isso significa que nunca fica em casa durante o dia, certo?
— Sim. Por quê?
— Porque eu fico, já que a maioria das apresentações que faço são no final da tarde ou à noite. E, sendo assim, não estaríamos trombando um com o outro aqui dentro o tempo todo.
— É verdade. Costumo levantar bem cedo aos sábados... E você?
— Durmo até a hora do almoço. E depois entrego balões de gás num hospital na parte da tarde.
— Passo quase o domingo inteiro fora, jogando tênis e voleibol, tendo aulas de mergulho ou praticando algum outro esporte.
— E eu gosto de ficar em casa aos domingos, para lavar roupa, cuidar das arrumações, fazer as unhas, coisas do tipo.
— Entendo.
Lily suspirou. Bem, talvez não fosse tão ruim como imaginara a princípio. Afinal, seus horários e interesses pareciam não coincidir em absolutamente nada. Era até provável que passassem dias sem se verem.
James notou que ela vacilava e aproveitou para dar o golpe de misericórdia:
— E então? Não acha que poderíamos ao menos tentar?
— Bem, já que é por pouco tempo... Mas só aceito se você tirar todas as suas tralhas do meio do caminho.
— E onde devo colocá-las?
— No seu quarto... ou num depósito, sei lá. Não me importo com o que faça com seus pertences, desde que não os deixe largadas pela sala.
— É que já guardei quase tudo o que possuo num depósito perto daqui.
— Você tem ainda mais coisas do que trouxe para cá?
— Claro que sim! Como imagina que vou mobiliar e decorar o meu apartamento novo no condomínio?
— Eu é que sei?
— Seja como for, se vou dividir todas as despesas desta casa tenho direito a utilizar a metade do espaço.
— Está bem, está bem. Há gavetas vazias naquele bufê, prateleiras desocupadas na estante e lugar de sobra no quartinho dos fundos. Mas você tem que se livrar da bicicleta.
— De jeito nenhum! A bicicleta é meu meio de transporte. Ela fica.
— Você não tem carro?
— Lógico que tenho só que prefiro ir trabalhar de bicicleta. Ciclismo é um excelente exercício aeróbico, sabia?
— Seu consultório fica perto daqui?
— A uns cinco quilômetros. Esse foi um dos motivos que me levou a alugar o quarto que você tem vago. A distância é ideal para mim e minha bicicleta.
— Você é maluco? Como pode pedalar tanto e não chegar morto em casa no fim do dia?
— Isso me ajuda a manter a forma física. Você não faz nenhum tipo de ginástica, a não ser saltar de dentro de bolos?
— Pois saiba que cada performance que apresento me cansa mais do que cruzar o Canal da Mancha a nado!
James Potter apenas esboçou um sorriso. Depois se levantou e espreguiçou-se demoradamente, deixando que Lily lhe admirasse os músculos desenvolvidos sob a epiderme amorenada. A cueca boxer que ele usava era um verdadeiro convite ao pecado.
— Se me der licença, vou voltar para a cama, Lily. Afinal, é o lugar onde uma pessoa normal deveria estar à uma hora destas.
— Alguma indireta?
— Imagine! Ah, ia me esquecendo: a saboneteira ao lado da banheira está vazia. Onde posso apanhar outro sabonete?
— No armário do banheiro.
— Boa noite, então.
Foi só quando ele estava no corredor que Lily se deu conta de um detalhe.
— James, espere aí!
— Sim?
— Há somente um banheiro neste apartamento!
— Já percebi. E coloquei a calcinha que estava na pia para secar sobre o varão da cortina.
Morta de vergonha, Lily recusou-se a responder. Assim que ouviu a porta do banheiro se fechar, apanhou os sapatos, o casaco e o véu branco, e rumou para seu quarto. Daquele dia em diante, era melhor começar prestar atenção nas coisas que ela deixava espalhadas pela casa.
