Capitulo 1- Declaração

Se tudo ficasse assim para sempre, provavelmente eu não estaria aqui. Se eu não soubesse que tudo pode ainda mudar, por mais pequena e remota que a esperança seja. Vergo-me aos pés dele, do tempo enigmático que brinca comigo da mesma forma que um gato brinca com um rato antes de o comer. O que ele quer de mim? Oh não sei, existe apenas uma maneira de fazer desaparecer o pequeno e insolente sorriso do tempo, mas essa maneira (que não está para alem das minhas capacidades), exigiria o desperdício de todos os meus sonhos e todas as minhas inúteis e pequenas esperanças.

Espero com a paciência quase esgotada ou com a fraqueza, engraçado como ainda não me consegui decidir. Será fraqueza e cobardia ou esperança e paciência?

Consigo ainda ver e sentir os olhos dele vigiarem-me em todos os lugares, o seu sorriso aquecer-me o corpo todo. O que os olhos dele podiam fazer com o meu corpo era inexplicável. Sou, muito provavelmente quem o conhece melhor e quem sabe o que ele pensa apenas por um olhar dele ou por um gesto. Nunca pensei que pudesse um dia cair na armadilha que foi a nossa amizade. Sim, foi, porque ainda me consigo lembrar quando sentindo-me entre a espada e a parede, lhe disse tudo. Tudo o que sentia, tudo o que estava encravado na garganta desde que ele deixou de ser apenas um amigo.

Flashback:

Pensava aflita como contar-lhe. Nem me passava pela cabeça que poderia não contar, que poderia fazer daquilo um segredo. Não! Eu tinha de contar e iria contar, não era justo esconder dele algo como aquilo. Mas como? Por carta? Pessoalmente? Tinha que falar com ele, não era justo escrever-lhe. Não era justo nem para ele nem para mim, que queria ver nos seus olhos a resposta e muito possivelmente a surpresa que ele não conseguiria esconder de mim.

Andava de um lado para o outro, estava nervosa: admito, nunca estive tanto. Sentia que era um dos momentos mais importantes da minha vida. Levei as mãos à cabeça. Precisava de espantar todos os outros pensamentos maus ou não conseguiria falar. E aquela esperança, aquela estúpida esperança permanecia sem que eu a conseguisse arrancar. Por mais que o conhecesse e soubesse o que ele iria dizer (" oh Mione…minha Mione. Eu não sabia, desculpa eu nem sei o que dizer, oh desculpa. Nunca pensei…"), mesmo assim esperava que ele me conseguisse surpreender. De uma maneira qualquer ainda esperava que tudo acabasse de maneira diferente.

Abriram a porta e entraram no quarto escuro, apenas a luz que vinha da pequena fenda da porta aberta dava uma certa luminosidade ao quarto.

-Mione?

Eu andava de um lado para o outro parei de repente, olhei para a rapariga ruiva à minha frente e sem dizer nada, sai porta fora. A correr desci as escadas ainda ouvindo atrás de mim Gina "onde vais?". Ao sair do salao comunal esbarrei precisamente com quem queria encontrar e fiquei ainda mais nervosa. As mãos suavam e batia o pé nervosamente no chão.

-Mione! – e o sorriso dele, oh o sorriso dele como poderia resistir aquele sorriso que tantas vezes me reconfortou.

-Olá Harry, precisava mesmo de falar contigo. Pode ser agora?

-Claro – e ele sorriu mais uma vez, aquele sorriso iria ser a minha perdição. Lembro-me de ter pensado que não conseguiria falar se ele não parasse de sorrir.

Puxei-o pela mão e levei-o até uma sala de aula vazia. Fui até à janela, sentei-me e esperei que ele se sentasse à minha frente como a seguir o fez. Pernas cruzadas sobre a pedra fria, a cabeça meio inclinada para um lado fazendo o cabelo cair suavemente na testa, os olhos verdes estavam meio fechados e ele tinha um sorriso especial no rosto que eu não consegui identificar. Curiosidade? Seria isso? É, naquela altura pensei que fosse.

Afinal conhecia aquela expressão, ele esperava pacientemente que eu começasse a falar. Mas como dizer-lhe? Oh como?

-Harry…eu nem sei por onde começar …. Humm… - e agora iria começar com os hmms, não conseguiria dizer nada se não me acalmasse, obriguei-me a respirar profundamente e recomecei.

-Eu tenho uma coisa para te dizer. Algo que eu não consigo esconder mais, mas eu não sei bem se devo contar…eu…

Ele continuava a sorrir, baixei a cabeça, de alguma maneira iria dizer e se tivesse que ser de cabeça baixa era, mas eu iria dizer.

-Eu gosto de ti – as palavras soaram tao baixas e, no entanto, eu sabia que ele tinha ouvido. Mas senti necessidade de falar mais alto, como se assim tudo o que sentia pudesse desaparecer. – eu realmente gosto de ti, de verdade. Sem ser como amigos.

E levantei a cabeça, antes disso podia imaginar os olhos dele muito abertos e aquele sorriso finalmente desaparecer. Podia imagina-lo a molhar os lábios com a língua e uma pequena dor de cabeça começar a apoderar-se dele, estava confuso.

E depois, aquelas palavras…

-Mione, oh Mione – vi-o estender as mãos para agarrar as minhas mas depois, como que arrependido do que ia fazer fechar as mãos uma na outra – eu não sabia, nunca poderia imaginar. Porque não me contaste antes? Eu… oh meu Merlim.

As lágrimas sempre foram um dos empecilhos para que eu nunca falasse com ele, tinha medo de chorar na frente dele. Ele podia ser meu amigo, mas não estava preparada para que ninguém me visse chorar, fosse em que circunstancia fosse.

Então, reti-as com toda a força de vontade que consegui reunir. Eram lágrimas da esperança que tinha sido partida em mil pedaços pelas palavras dele. Forcei-me a olhar mais uma vez.

-Desculpa, eu não queria que… Harry, eu tinha que contar, eu não suportava mais mentir. Mas percebo que não sintas o mesmo, oh se percebo. Só não quero que a nossa amizade acabe, és capaz de prometer isso?

Ele abanou a cabeça, não lhe conseguia ver os olhos.

-Prometo.

Ele disse aquilo com uma convicção que me espantou e por um segundo achei possível que isso pudesse mesmo acontecer mas depois….ele nem me tocou, nem me abraçou como eu sabia que ele faria se a nossa amizade não tivesse sido abalada.

Suspirei e levantei-me sem dizer nada. Caminhei até à porta sem pressa, assim que passasse por ela muita coisa iria mudar e eu não sabia se estava pronta para essa mudança. Sentia os olhos dele cravados em mim e juro a Merlim que fiz um esforço enorme para não me virar, mas quando me apoiei na porta olhei uma ultima vez para trás.

Mordi o lábio, nunca esqueceria aqueles olhos, por mais tempo que passasse.

Fim do flash-back

Sim o tempo realmente nunca esteve do meu lado. Sempre fazendo-me reviver cada momento que passei com ele, cada momento maravilhoso e doloroso por saber que não o tinha.

O tempo, o tempo que me roubou praticamente a minha juventude toda, mesmo assim a esperança persiste, algures. Onde? Não sei, mas algures, coberta por camadas de outros sentimentos.