Um dia,
limpando gavetas em sua sala, Severus Snape encontrou um belo cartão.
Não podia existir coisa mais simples na face da Terra: duas
flores coladas num pedaço de pergaminho, uma mensagem escrita
com letra floreada, a tinta já desbotando.
Pensou em jogar
fora o cartão, mas deteve o gesto. Parou para ler a mensagem,
um pouco contrariado, porém igualmente curioso.
"Meu
caro, Severus
Há muito eu queria escrever, mas não
sabia se deveria. Sempre que compunha a primeira linha de uma carta,
eu ficava insegura de que você não se lembrasse de mim.
Agora, porém, indiferente disso, eu resolvi mandar-lhe uma
coruja, mesmo sabendo dos riscos. Será que você ainda se
lembra?
Ah, Severus, se um dia você ainda se
lembrar de mim...
Peço que não se lembre
dos meus olhos ou meu cabelo, da minha voz ou de meus gestos. Um dia
vou envelhecer, meu cabelo ficará branco, meus olhos perderão
o brilho, minha voz vai mudar e meus gestos serão menores e
menos expansivos. Também não se fie às promessas
de amizade e não espere que eu sempre lembre de você com
amor - pois somos humanos antes de sermos bruxos, e os sentimentos
são variáveis.
Se tiver que se lembrar de
mim, lembre-se das flores.
Você estava no sexto ano
e eu no quinto; passeávamos em Hogsmead e lembro de ouvi-lo
dizer que detestava flores porque detestava tudo o que pudesse lhe
lembrar alegria - ah, meu Severus, quanta coisa que eu poderia lhe
dizer sobre as flores. Toda a beleza que se esconde nelas, como se
esconde no mundo atrás desses seus olhos profundos, negros e
assustadores.
Confesso que naquele momento fiquei
decepcionada, afinal de contas, eu me alegrava com sua presença
e cheguei a pensar se você também se alegrava com a
minha. As flores o fazem se lembrar de mim? Pois eu ainda me lembro
de você quando vejo flores. Não sabe como me senti
quando finalmente arranquei um sorriso de seus lábios! E foi
tão difícil...
Assim como foi difícil
você me permitir chegar mais perto, afinal eu era uma
grifinória e para os sonserinos, grifinórios eram a
escória. Uma rixa boba, mas acredito que deve existir ainda
hoje entre os alunos. Certos conceitos nunca mudam. Será que
você mudou?
Nossa aproximação foi
graças ao Slughorn. Você o tem visto ultimamente? Ele
obrigava os melhores alunos ensinarem os mais atrasados. Fiquei feliz
que o grupo que rodeava Lily Evans fosse grande o suficiente para que
eu ficasse com você. Não sei explicar o motivo, mas
sempre fiquei intrigada com o seu jeito quieto e distante. Queria
saber os seus motivos para ser assim.
No fim das contas,
nunca descobri, apenas fiquei frustrada por meu esforço ser em
vão.
Eu amei você, Severus, e se parar para
pensar, eu ainda amo. Se o tempo vier a nos separar (e sei que isso
acontecerá), olhe para as flores, se lembre de tudo o que eu
lhe disse - toda a beleza existente nas flores, a mesma que eu via em
seus olhos. Seguimos caminhos diferentes e cada um escolheu o que
achou melhor para si. Você escolheu ser o que você é,
seja lá o que for. E eu... Agora tenho certeza de que
dificilmente vamos nos encontrar de novo.
Se nos
encontrarmos... Será em caminhos opostos, infelizmente.
Tome
cuidado. É tudo o que eu lhe peço.
Com amor, Jennifer B."
- Bones - Severus suspirou -,
Jennifer Bones.
Morta por Voldemort, como todos os Bones tinham
sido. Não se esquecera dela - como ela tinha animado seus dias
como aluno, já tão distantes no tempo.
- Lembrar das
flores? Justo eu - Severus riu - que sempre detestei flores.
Mas
não podia deixar de sorrir ao revê-las no cartão.
O destino dos dois tinha sido tão alheio e tão
diferente de tudo o que poderia ter sido. E o que poderia ter sido?
Se ela tivesse sobrevivido, se ele não tivesse ido para o
"lado escuro do poder", e depois tivesse sido resgatado?
Talvez as flores tivessem durado mais tempo, ou o amor tivesse
realmente existido. Não poderia prever. Não se
arriscou. Por vias das dúvidas, colocou o cartão de
volta na gaveta, escondendo ali tudo o que queria dizer ou
sentir.
Jennifer gostava de seus olhos...
Ele nunca confessou,
mas apesar de detestar flores, aprendeu a gostar dos olhos dela
também
