Penny Dreadful não me pertence. As histórias são apenas divertimento.


I.

Muitas vezes ele chegou acabrunhado e foi direto para o quarto, onde se trancava até o dia seguinte. Agora, aquilo se tornara um hábito. Tentara anteriormente dormir no antigo, mas é como se uma força o arrastasse. No início, esperava todos da casa irem dormir, e munido de uma vela ia para o quarto dela. Mas depois percebeu que Sir Malcolm sabia que ele estava passando as noites por lá, então o resto não lhe importava mais. A única coisa que buscava era se sentir melhor. E só o que poderia garantir esse estado era a lembrança dela.

O quarto ainda guarda seus pertences: a piteira, as roupas, o baralho de tarot, um volume de Tennyson com uma fita de seda branca marcando a página. Tudo como ela deixou. Se uma alma desavisada entrar, pensará acertadamente que uma mulher ainda o ocupa. Uma mulher requintada, cercada, não de luxo, mas de pequenas coisas finas, reveladoras de seu espírito singular. A antiga dona está morta, mas sua lembrança ocupa as mentes de alguns homens notáveis que habitam Londres. Mas apenas um tem o privilégio de dormir em sua alcova, manusear suas escovas de prata lavrada, sentir seu perfume impregnado nas pequenas luvas de camurça que ela esqueceu sobre a penteadeira.

Quando o desespero foi insuportável ele tentou uma casa de ópio, mas só conseguiu ficar atordoado. Um dia, abriu a cômoda de roupa branca, cuidadosamente para que o cheiro dela não se evolasse. Tirou uma peça e estendeu a seu lado na cama. O lado onde ela dormia. Quando nada passa e a vontade de dar um tiro na própria cabeça é maior do que qualquer coisa, ele pega a camisola e a estende a seu lado. Lembra-se dela o tempo todo. Pensa no que ela diria diante dos pequenos eventos cotidianos. Acorda inúmeras vezes com o travesseiro úmido de lágrimas que verteu, sem notar, durante o sono.

As transformações antes o acabrunhavam, mas uma vez que permanece acorrentado no porão e sua memória é pouca, chega a ser quase que um alívio. Consciente pensa no quanto foi tolo, como desperdiçou o tempo precioso que ainda tinham. Sabe que Sir Malcolm e Kaetenay fazem rondas por toda Londres, mas eles não o incomodam. É como se respeitassem a sua imobilidade, o seu luto.

Foi numa noite comum, quando Ethan acabara de tomar um banho, e se preparava para ir dormir no quarto de Vanessa que o novo mordomo entrou.

-Sir Malcolm pede-lhe que desça. Precisa falar urgente com o senhor.

Ethan vestiu camisa e calças limpas. Enfiou as botas e desceu. Alguma coisa acontecera e ele tinha razões para ficar preocupado, pois devia ser algo grave.


Entrou no gabinete de Sir Malcolm. Sir Malcolm, Kaetenay e Mr. Lyle, que Ethan sabia que acabara de retornar do Egito. Havia também uma dama entre eles. Alta, clara e muito bem vestida, com uma chapka russa de pele branca e um elegante vestido de lã cinzento. A dama lhe era familiar.

-Brona? Como é possível?

Ela veio em sua direção, parou diante dele e lhe deu um abraço. Ele aceitou. Mas para ele, aquela era a imagem da morte.

-Na verdade, não é possível.

A voz cava veio do fundo da sala. Era Victor Frankenstein, magro, com olheiras e um aspecto terrível de degradação e doença. Parecia ele mais morto do que aquela que deveria estar morta.

-O que houve com você, homem?

A mão que empunhava o copo tremia. Victor acabou deixando o copo sobre a mesa. Veio até ele e estendeu-lhe uma mão gelada e branca como cera.

-Como está?

-Estou bem, amigo. -mentiu Ethan.

Aquela que Ethan tratara como Brona, teve um lampejo de desprezo no olhar. Mr. Lyle parecia meio desnorteado. Mas foi aí que Sir Malcolm tomou a palavra.

-Miss Lily Frankenstein, que você conhece como Brona Croft, veio nos procurar para falar sobre alguns crimes que aconteceram recentemente em Londres. E foi por sugestão dela que localizamos o nosso Dr. Frankenstein, para que ele pudesse nos ajudar.

-Como você pode estar viva? Eu deixei seu cadáver no quarto da hospedaria com Victor. Ele garantiu que trataria do enterro.

-Ele mentiu.

Todos ficaram mudos, imersos num silêncio constrangido. Parece que agora sabiam de algo que Ethan Chandler ainda ignorava.

-Sim, eu menti. Fiz várias experiências de criação de vidas a partir de partes de cadáveres, animadas por força da eletricidade. Uma das criaturas, por seu aspecto repulsivo que o impedia de conviver em sociedade, exigiu-me uma companheira.

-Como assim exigiu, doutor?-perguntou Mr. Lyle.

-Esses seres são dotados de grande força fisica, têm poder de recuperação. Até onde sei, são imortais.

Todos os olhares se voltaram para Lily.

-E foi isso que fez com ela? -perguntou Ethan.

-Sim. -a voz era cansada, mas a expressão dele se iluminou quando falou, olhando para Lily. -Ela é a minha criação mais perfeita. Não só não é possível perceber que ela já esteve morta, como ainda é bela e parece uma de nós.

A cabeça de Ethan formigava. A sensação terrível de ter falhado com mais uma pessoa de quem gostava o invadiu com força.

Ethan desferiu um soco no queixo de Victor. Ele ficou estirado no chão. Sir Malcolm e Kaetenay se interpuseram entre ambos. Mr. Lyle abaixou-se para ver como estava o doutor. Ajudou-o a se levantar e acomodou-o numa poltrona de couro. Em seguida, aproximou-se de Ethan e falou com sua habitual delicadeza.

-Pelo amor de Deus, Mr. Chandler, não bata nele. O doutor está em péssimas condições. Vocês são amigos, lembra-se? Ele sempre ajudou e lutou pelas causas de vocês. E ainda há Miss Ives, ela confiava e gostava imensamente dele. Lembra-se quando vocês partiram de Londres? Ela o escolheu para guardar o segredo de onde vocês ficariam escondidos. Acha que ela confiaria numa pessoa ruim? Todos nós temos defeitos e cometemos erros.

Lily viu as lágrimas escorrerem pelo rosto de Ethan Chandler.

Então era isso. Ele amava aquela encantadora e soturna Miss Ives. Percebeu que Victor chorava também.

-O que está feito, está feito.-disse Sir Malcolm com uma expressão muito séria.

Ethan saiu da sala, subiu as escadas e se trancou no quarto de Vanessa Ives.