... Fim?
O golpe final, na boca do estomago, juntou seu dano aos demais que recebera e logo meu corpo, mais do que ferido, cedeu, caindo de joelhos, curvado e de cabeça baixa perante os pés de meu executor. Era homem como eu, mas eu não tivera força suficiente para impedi-lo de executar a minha sentença. Com a visão já turva de quem não pode mais nem se erguer, mirei os sapatos sujos dele. Sujos de terra, lama, um tanto de meu sangue que caíra ao chão. Não notei que ele falava comigo, surdo e entorpecido de debilidade, até sentir a firme e enraivecida mão fechando-se em meus cabelos, prendendo-os, puxando e torcendo.
Nem mais dor sentia, pensava, quando percebi a mesma mão me erguendo, pela cabeça mesmo, do chão onde eu caíra. O puxar se tornou mais forte, estava quase de pé, enquanto mirava o tórax dele, então na altura de meus olhos. Porém, aquilo ainda não era o que ele queria, percebo, quando sinto a mão que ainda me prendia pelo mesmo lugar girar de tal forma que obrigava-me a curvar o pescoço, com uma força que eu não tinha, para observá-lo, agora olho no olho.
Vejo a expressão dura na face que eu ainda considerava atraente, os olhos tão dourados possuindo o mesmo brilho avermelhado de quando ele estava lutando. E ele estava lutando, até consigo mesmo, percebo, ao notar o maxilar trincado, os lábios bonitos pressionados um contra o outro. E não que eu pudesse notar pela audição, mas pelo visto ele desistira de falar. Mal percebo que ele me aproxima de si até sentir a boca pressionada contra a minha num beijo rude, forte, onde não sei se foi ilusão ou não, consegui sentir um tanto restante de carinho.
E então foi como se meus sentidos voltassem. Senti a ponta dos pés raspando o chão daquele inferno, os braços pendendo sem vontade nenhuma, o corpo ainda um tanto curvo pelo cansaço extremo e pela variedade de ferimentos; sentia as lágrimas que me corriam pelo rosto, os cortes e hematomas e os ossos possivelmente quebrados por todo o meu corpo. A dor... Aquela única dor, que não era física, e que era a única que eu não estava agüentando sentir e parti o beijo gritando, percebendo certa surpresa nos olhos dele por um segundo antes de voltarem a ficar frios como o deserto gelado de onde eu fugira.
A mão que segurava meus cabelos se torce mais, machucando mais, e num rápido movimento, como se só um corpo, um boneco eu fosse, me lança longe e bato contra o chão, tendo ainda aquele homem em meu raio de visão. Mordo com força os lábios já feridos, não só pelo beijo, quando a imagem embaçada em frente a meus olhos me informa que ele deu as costas e agora se afasta em passos rápidos e decididos. É, acabou, finalmente, penso enquanto deixo meus olhos se fecharem pela, quem sabe, última vez.
