Prólogo
FAILURE TO COMMUNICATE

"Veja bem

Para quem dizia querer bem

Seu olhar parece infeliz

Não condiz

Com um grande amor"

Quanto mais olhava para trás, menos entendia como as coisas tinham chegado àquele ponto. Deitada, acariciando os cabelos de Lily conforme dormia, Ginevra observava sua filha e tentava não se arrepender das escolhas que tinha feito. Parecera certo, há tantos anos, quando decidira se casar. Agora se sentia presa a um relacionamento que não lhe trazia nada. Já não tinha certeza do que sentia há anos. Mas se sentia obrigada a continuar. Todos esperavam que fosse plenamente feliz. Seu marido tinha certeza que eram felizes e exemplares e, como sempre, a falta de tato dele a surpreendia. Como poderia não ter notado sua relutância em compartilhar a cama com ele, como poderia não ter percebido que se esforçava em trabalhar ao máximo para não ter que voltar para a casa vazia?

Era como se a partida da caçula para Hogwarts tivesse desmascarado uma farsa de anos. Era como se ficando sozinha com o marido em casa fosse óbvio que nada os ligava, nada que estivesse presente. Ao mesmo tempo que queria jogar tudo para o alto, não conseguia deixar de se preocupar em como seus filhos lidariam com aquilo. Logo as crianças voltariam para a escola e ela se veria novamente impotentemente presa a uma vida que não lhe trazia benefícios. Mas Ginevra não era egoísta o suficiente para desconsiderar os filhos em sua busca pela felicidade.

Há anos que as coisas não eram mais as mesmas. Perdera sua identidade no dia que se casara — ou teria sido muito antes disso? Quando se tornou oficialmente a namorada-do-não-mais-menino-que-sobreviveu? —, nunca fora o tipo de mulher que pudesse ser minorizada pelo que quer que fosse, menos ainda por causa de um homem. Harry parecia passar mais tempo com os sobrinhos ou com Rony e Hermione do que com ela. Fora assim por muitos anos. Quantas vezes resolvera levar as crianças para ver os primos, com a desculpa de "deixá-la trabalhar com a contabilidade da loja"? Sem os meninos em casa as desculpas pareciam ainda mais esfarrapadas, ao mesmo tempo em que o que mais queria era distância do marido, e a enchiam de raiva. Ele adorava dizer que a amava, mas ela odiava palavras vazias. Odiava todas atitudes dele que diziam o contrário. Sentia-se enganada, traída, enrolada.

Em dias como esse sonhava consigo mesmo que tinha uma amante, o que faria tudo tão mais simples... Não poderia continuar o casamento com honra, nem mesmo Ron pensaria em algo assim, e então estaria livre. Livre para procurar, para sonhar... Para voltar atrás. Com o passar dos anos, o motivo do fim parecia tão insignificante... No final, todos tinham sido culpados, todos tinham usado daqueles meios — mesmo o precioso Harry Potter. Não era tão terrível quanto imaginara no começo, aquilo era uma guerra, afinal. Nunca tinham pensado que todos precisariam de perdão no final.

Mas sabia que aquilo era ilusão. Estava cansada de saber que Harry não tinha ninguém, não tinha olhos para mais ninguém. Não conseguia deixar de pensar que era porque não tinha imaginação o suficiente para isso. Tinha vezes que lembrava da conversa de sua mãe com Sirius em Grimmauld Place, há tantos anos, dizendo ao homem que Harry não era James. Às vezes achava que nem mesmo Harry sabia que não era James, que ela não era Lily, que eram pessoas diferentes dos pais. Era como se tentasse reencenar um ato largado no meio, destruído no início, uma coisa utópica. Perguntava-se se ele viu algo além dos cabelos vermelhos e popularidade, o que tinha de semelhante a Lily. Não tinha mais tanta certeza que era algo além da única pessoa dentro da família com quem poderia casar.

E o que poderia fazer? Como poderia destruir o lar de seus filhos? Como poderia decepcionar tanto seus pais? Conseguia ver o olhar reprovador de Hermione caso Harry aparecesse na porta deles de malas feitas, depois de ter sido avisado que não era mais seu marido. Ficou pensando no trabalho que teria se um dia quisesse se casar, achando todas as pessoas que receberam a chuva de estrelas que celebrara a união dos dois. E, como sempre, terminava amaldiçoando sua infantilidade aos vinte anos, achando que finalmente viveria seu conto de fadas.

O romance fantástico de sua vida, era claro, tinha deixado escapar. A chance de viver algo épico, digno dos maiores romances trouxas. Tinha deixado isso para trás há mais de vinte anos, deixado seu cavaleiro negro montado em uma Nimbus, deixado sua chance de viver intensamente pelo querido e seguro Harry Potter.

Ao mesmo tempo que as coisas que a fizeram terminar aquele último namoro pareciam pequenas, as falhas de Harry em seguida pareciam muito maiores. Ele a fizera de boneca, deixara em casa, acreditara que o atrapalharia. Ele não pensara em quão humilhante era quando a deixara trancada dentro da Sala Precisa no meio da batalha. Fora para a Floresta certo de que morreria sem ao menos lhe dizer adeus. "Ia ser difícil demais", ele lhe disse depois. Difícil para ele, certamente. Não tinha pensado no quão seria difícil para ela. Perdera-se em autocomiseração e não se preocupara em pensar como ela se sentia, no quão arrasada estava pela morte de Fred. Para que se dar ao trabalho de consolar a mulher que dizia querer para a vida inteira? Para que se importar?

E mesmo que tivesse mais problemas na cabeça do que meramente as questões que a incomodavam, nada perdoava o fato de que, depois da vitória, ele resolvera sair com Ron e Hermione e nem sequer olhar duas vezes para ela. Depois, escondera-se em sua cama, pronto para pedir sanduíches e dormir. Aquilo era imperdoável. O que ela se esforçara para esquecer em seguida, tentando viver seus sonhos dourados, agora pareciam erros que jamais devia ter relevado, para começo de conversa.

Mas de que adiantava se arrepender agora? Por mais que sonhasse, não tinha o menor fundamento de verdade. Se fosse ela quem tivesse sido deixada por um motivo daqueles, jamais aceitaria reatar. E, mesmo que aceitasse, não poderia esperar que o romace fosse lindo e sem problemas. Não podia esquecer vinte anos. Não podia ignorar quatro crianças. E, mesmo que jamais tivesse sido sua amiga, não poderia desconsiderar a existência de Romilda. Ela podia perder quanto tempo quisesse com seus sonhos tolos: não se tornariam realidade. Estava amarrada por cordas que ela mesma atara. E não havia nada que pudesse fazer sobre isso.

"Como uma época de sonhos raros inocentes

Cheia de luzes tantas luas, lustres e pingentes

Como uma sala art-deco o nosso amor brilhou em vão"

N/A: Os trechos são de uma música de Ed Motta, Lustres e Pingentes.

Ao longo de toda a fic você encontrará quotes do seriado "House M.D.", bem como os títulos dos capítulos são títulos dos episódios da série. O próprio nome da fic é uma referência a um quote — que vocês encontrarão mais pra frente.