Escreveu Lupin:
"Magro, de olhos cinzas, cabelos negros,
Bem servido de pés, mediano na altura,
Tristeza de rosto, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;
Incapaz de morar num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo, por taça escura;
De zelos enfermais letal veneno;
Devoto incensador de mil divindades
(digo, de moços mil) num só momento.
E somente no altar amando os frades,
Eis o Bocage em quem luz algum talento,
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia que se achou mais pachorrento."
De quantos quebrantamentos, de quantas moléstias, de quantas sem-razões se livra que já está morto? Livre de esperanças e temores, porque nenhuma outra coisa deseja. Livre de contingências e mudanças, porque se isentou da jurisdição da fortuna. Livre dos homens, que é a mais dificultosa liberdade, porque se descativou de si mesmo. Livre finalmente de todos os pesares, moléstias e inquietações da vida, porque já é morto. Mas esta paz e este descanso, só o logram seguramente os que morreram antes de morrer.
Pinta-se o amor sempre menino, porque ainda que passe dos sete anos, nunca chega à idade de uso da razão. Usar de razão e amar são duas coisas que não se juntam. A alma d'um menino, que vem a ser? Uma vontade com afetos e um entendimento sem uso. Tal é o amor vulgar. Tudo conquista o amor, quando conquista uma alma, porém o primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade febricitante, que não tivesse o entendimento frenético. O amor deixará de tresvariar, se é amor. Nunca o fogo abrasou a vontade, que o fumo não cegasse o entendimento. Nunca houve uma enfermidade no coração, que não houvesse fraqueza no juízo.
Leu no caderno do moreno:
"Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel de paixões, que me arrastava;
Ah!, cego eu cria, ah!, mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana.
De que inúmeros sóis a mente orgulhosa
Existência ilusória me não dobrava!
Mas eis sucumbe a natureza escrava
Ao mal que a vida em sua origem dava
Prazeres, sócios meus e meus tiranos!
Esta'lma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.
Deus, ó Deus
Quando a morte à luz me roube,
Ganhe um momento os que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube."
A música soava bem; sentia o vento; as flores balançavam; olhos não viam, mas plantas inocentes eram devoradas. Borboletas de mil cores em arbustos com o pássaro rouxinol, folhas mexiam suave, nos ares sussurras; que alegre campo, que manhã clara.
"Enfim te hei de deixar, doce corrente
Hei de deixar-te enfim, e uma nova vida
Formará de meu pranto a cópia ardente.
De ti me apartarei ainda que ausente,
Desta lira serás eterno emprego,
E quanta inspiração hoje a dever-te chega,
Pagará de meu peito a voz cadente.
Das ninfas, que na fresca, amena permanência
Das tuas margens úmidas ouvia,
Eu terei sempre n'alma a harmonia;
Desde o prazo funesto deste dia
Serão fiscais eternos da minha ânsia
As memórias da tua companhia."
E há um tempo não conseguia mais prestar atenção nas aulas nem em seus contos. Remus começava a se perguntar se poderia suportar muita coisa.
