Eu respirava aquele ar puro e frio, e a cada segundo tinha de me segurar para não pular feito louca a casa passo que dava. O homem a minha frente seguia tranquila e austeramente, e eu me mantinha a dois passos atrás desse o seguindo, como mandava a tradição daquele lugar. Não tinha problemas com isso, diferente das outras pessoas com as quais convivi durante minha vida, eu tinha aprendido a respeitar e admirar as tradições alheias, e enfim tinha chegado onde sonhei, no Japão.
Sim, eu enfim tinha realizado meu sonho de estudar ultimo ano do ensino médio no Japão, eu tinha conseguido uma bolsa de estudos para estudar na "Sakura no Gakko", depois de vencer um torneio de literatura juntamente com mais 4 brasileiros, e cada um de nós foi destinado a uma escola diferente.
Paramos em frente a uma sala, e o homem entrou dando-me um olhar significativo, eu sabia que deveria esperar ali para ser anunciada, então tratei de olhar-me procurando algum defeito na minha roupa, mais nem mesmo uma amassado encontrei, e sorri sozinha ali no corredor, por enfim vestir aquele uniforme preto, branco e azul. Mas quando a porta foi aberta eu sabia que deveria entrar e me apresentar.
Uma sala com no máximo 30 alunos com caras parecidas me olhava, e eu sorri me virando para a frente da classe, e Hishomy Katsuo nosso professor de álgebra, não precisou pedir duas vezes para que eu me apresentasse.
-Watashi wa Lopes Anna Lyana desu. -me apresentei enquanto procurava olhar a todos, mais parei meu olhar focou em um garoto de cabelos exóticos que sentava no meio da sala, talvez por ser o único que não me olhava que me interessei por ele (claro que o cabelo também contou né?). -Watashi wa Burajirujin desu. Dozo yoroshiku. -Vi sorrisos maliciosos nos lábios dos garotos quando disse que era brasileira, e foi quando enfim o garoto de cabelos verde musgo - achei que era proibido pintar os cabelos para ir a escola - me olhou, e seus olhos verdes se prenderam nos meus antes desse desviar o olhar de mim e fitar o professor.
-Como é nosso primeiro dia de aula que tal decidirmos quem será o representante e o vice dessa turma? -disse o professor em um japonês puro, bem diferente do meu sotaque estranho. -Lopes-san se importa de sentar ali na ultima cadeira até que eu encontre outro lugar para você?
-Iie Sensei. -disse sorrindo e me dirigindo a ultima cadeira vaga da sala.
Claro que eu sabia o por quê de ninguém querer sentar ali. A cadeira estava disposta no final da quinta fila e era a única ali, não tinha nenhuma ao seu lado, ou seja, ninguém ao lado para conversar.
Todos ali pareciam se conhecer de alguma forma, talvez por isso tenham decidido logo quem seria o representante de sala -Shun Amamaya era seu nome então – mais o problema estava sendo a escolha do vice.
-Por que não a Lopes-san, seria perfeito para ela entender como as coisas funcionam por aqui. -disse uma menina que estava sentada ao lado da janela e tinha um sorriso maldoso no rosto.
A maioria foi a favor e eu me vi obrigada a uma função a qual não entendia logo na primeira aula.
"Perfeito, a maldita não queria ser obrigada a trabalhar como vice presidente e jogou a bola para mim!" -dei um sorriso de canto com esse pensamento. - "Ela vai ver com quem mexeu!"
-Amamaya-san e Lopes-san, serão os representantes do 3A, Amamaya-san por favor no intervalo apresente a escola a Lopes-san e lhe explique seus afazeres como representante.
-Sim Sensei. -ele disse e sua voz era mais bonita e singela que a de qualquer pessoa que eu já tivesse ouvido.
-Kagami-san troque de lugar com Lopes-san, ela ficará melhor ao lado de Amamaya-san que a ajudará de agora em diante. -a menina que tinha me indicado começou a se levantar, e agora foi minha vez de sorrir maligna.
"Chupa projeto assombração de quinta" -me levantei e esperei que ela chegasse a onde eu estava para poder ir para meu novo lugar.
Fui até minha nova carteira e sentei, e antes mesmo que eu percebesse o garoto de cabelos verdes já puxava sua cadeira juntando-a com a minha, e ficamos lado a lado. O professor já tinha começado a explicar o que veríamos naquele ano, e ele colocou o livro de álgebra ali em cima, e então eu puxei o meu da mochila.
-Você deveria parar de sorrir. -ele disse com a voz que parecia ser cantada.
-E por que eu deveria fazer isso? -sussurrei para ele que não tirava os olhos do quadro.
-Parece que seu sorriso está debochando de algo. -ele explicou enquanto anotava o que estava no quadro.
-Não de algo, mais de alguém, Kagami. -eu podia jurar que ele estava sorrindo também.
-Se você quiser se dar bem por aqui terá de ser mais indiferente. -ele me explicou. -Passar despercebido. -eu peguei meu caderno e comecei a anotar também.
-Eu sou brasileira, jamais passaria despercebida. -agora sim eu podia ver um largo sorriso em seus lábios. -E no mais, eu vim ao Japão para fazer amizades de verdade, e não faria isso sendo invisível.
-Nisso eu tenho que concordar. Sou Shun Amamaya, é um prazer lhe conhecer Lopes-san.
-O prazer é meu Amamaya-san, mais por favor me chame de Anna. -ele enfim virou aquelas esmeraldas para mim, e me sorriu enquanto negava com a cabeça.
-Só se você me chamar de Shun. -apertei a mão que este me oferecia.
-Claro Shun-san, mais me diga, eu li nas regras da escola que era proibido pintar os cabelos. -ele me olhou confuso.
-E é, Anna-san. -foi minha vez de o olhar confusa, então olhei dele para o cabelo e ele pareceu entender pois engoliu em seco.
-Então por que você pinta? -ele ficou mais branco do que já era e me olhou ameaçadoramente.
-Quem é você?
-Eu acabei de me apresentar...
-Não brinque comigo, diga o que quer aqui na minha escola, o que quer comigo? -ele apertou meu braço por baixo da carteira chegando mais próximo como se estivesse me explicando algo.
-Ei me solte, do que você está falando? -ele me olhou no fundo dos olhos e ao perceber meu desespero me soltou murmurando um "desculpa"?
-Qual a cor dos meus olhos? -ele tinha novamente se virado para o quadro e mordia o lábio inferior, e eu começava a questionar sua sanidade.
-Verde. -e ele inspirou profundamente como se tentasse se acalmar.
-Poderia não comentar com ninguém sobre isso até podermos conversar? -ele me olhou sério e eu tentei me afastar, se ele já tinha surtado no meio de uma sala inteira, quem dirá quando estivéssemos sozinhos.
"Vá de reto satanás, eu que não vou ficar sozinha com você" -o sorri amarelo afirmando.
Não conversamos mais depois do ocorrido e as aulas transcorreram tranquilas com Shun ao meu lado, ele conversava animadamente com algumas pessoas da sala, e entre uma aula e outra me apresentou algumas, mais não conversamos diretamente.
Quando a hora do almoço chegou, me aprecei em sair da sala (vulgo correr), o que não foi lá a melhor das ideias, já que eu não conhecia a escola e precisava chegar ao refeitório para comprar meu almoço.
-Perdida? -sua voz aveludada me fez arrepiar de medo, como ele tinha me encontrado?
-Estou procurando o refeitório. -disse me virando para ele que me sorria calmo, e acabei suspirando mais tranquila, ele não parecia querer me fazer mal.
-Eu posso lhe levar lá, mais você perderá um bom tempo na fila. -eu iria argumentar que precisava almoçar. -Como tenho que lhe mostrar a escola que tal almoçarmos juntos, eu tenho bastante comida.
Ele levantou a sacola que trazia e pude ver que ali provavelmente teria almoço para umas quatro pessoas.
-Eu não sei, não quero incomodar...
-Por favor, me deixe fazer ao menos isso para me desculpar pelo que aconteceu lá na sala. -ele me olhou preocupado, e eu me vi assentindo.
-Ótimo, vamos para os jardins, lá tem várias mesas para almoçarmos.
Shun foi na frente me mostrando as instalações, e ele parecia bem animado e apesar de no começo eu me sentir mal com a situação esse sentimento foi passando e dando lugar ao de curiosidade. Quando percebi já estava ao lado dele fazendo várias perguntas sobre aquele lugar e ele calmamente me respondia tudo.
Paramos na ultima mesa do jardim próximo ao muro, e como quase todas as outras, esta também ficava em baixo de uma árvore que me parecia velha.
-Não se preocupe, a Sakura vai florescer no final de janeiro, e até podemos comer aqui sem petalas caindo na comida, o que acha?
-Tudo bem por mim. -eu me sentei de frente para ele que começou a abrir as marmitas em cima da mesa.
Como eu tinha imaginado, tinha muita comida ali, deuses como aquele garoto franzino comia tudo aquilo.
-As vezes meu irmão vem me visitar, então eu sempre trago mais comida comigo, para caso ele apareça.
-Sorte minha não. -ele me sorriu e me entregou os hashis de madeira e um guardanapo grande.
-Por favor sirva-se do que quiser, é o mínimo que posso fazer para me desculpar pelo meu comportamento agressivo com você.
-Se você for me preparar o almoço todos os dias eu não me importo que me aperte de novo. -ele me olhou perdido e no fim começamos a rir. Mas ele parou de repente e me estudou por um momento.
-Se eu trouxer seu almoço todos os dias você promete não comentar com ninguém sobre minha aparência? -eu parei de tentar pegar um sushi e o olhei incrédula, ele estava vermelho de vergonha e eu fiquei sem entender o que realmente ele queria dizer.
-Como assim, do que você está falando? -esse garoto era mais estranho do que eu.
Shun se sentou a minha frente e olhou para o chão, e começou a respirar fundo.
-Kamui-san pode vir aqui por um minuto? -um garoto que vestia uma roupa do que deveria ser o time da escola se aproximou de nos.
-Shun-san quanto tempo, como foi as férias? -ele perguntou enquanto se aproximava, mais quando me virei para analisá-lo melhor este enfim pareceu notar que eu não era japonesa pois pareceu travar no lugar.
-Muito bem Kamui-san obrigado, esta é minha colega de sala Lopes-san, eu estou apresentando a escola a ela, mais acabamos entrando em uma conversa amigável sobre cores de cabelo e olhos, e chegamos em um impasse, você poderia nos ajudar? -eu fiquei boquiaberta, mais não falei nada apenas observei onde aquilo chegaria.
-Claro, no que eu puder.
-Bom, eu estava dizendo a Lopes-san que o olhos castanhos dela são bem mais claros que os meus, e que meu cabelo preto é tão igual ao de qualquer outro japonês, diferente dos delas que tem um tom quase loiro, ou seja, eu não me destaco na aparência em nada, sou um japonês comum, você não concorda? -ele ficou vermelho e me olhou de esgueira antes de responder.
-Eu devo concordar com o Shun-san, ele é tão comum quanto qualquer um de nós Lopes-san, nunca se destacaria se não fosse pelas notas -eu fiquei olhando de um para o outro sem saber o que falar, aquilo era algum tipo de brincadeira? -Bom, eu tenho que voltar e almoçar, mais foi um prazer conhecê-la Lopes-san.
-O prazer foi meu. -me vi dizendo olhando significativamente para Shun, Kamui despediu-se de Shun também e saiu.
-Agora você entende o que quero dizer, eu... -me levantei revoltada e já e a saindo da mesa quando esse me segurou.
-Por favor me largue. -o pedi, mais apesar de esta me segurando firme este não me machucava. -Eu já entendi o proposito da brincadeira, e não gostei, então por favor me deixe ir. -disse entre os dentes e ele suspirou mais não me soltou.
Antes que eu pudesse fazer qualquer outro movimento Shun puxou uma adaga só Kami sabe de onde e a girou na mão, não consegui nem sentir medo quando esse a girou na não e cortou o braço que que me segurava, e quando o sangue começou a jorrar e eu pensei em gritar ele já estava com a mão em minha boca.
-Olhe para o meu braço. -ele me pediu gentil, e eu tentei limpar as lágrimas que se formaram em meus olhos e me foquei em puxar seu braço para tentar estancar o sangue.
-Mas, o quê? -eu me deixei sentar no banco enquanto este se aproximou mais de mim. Eu vi o corte se cicatrizando imediatamente em seu braço. -Eu, eu, eu não entendo.
-Eu sou Shun Amamaya, Cavaleiro de Ouro de Virgem, e você Anna Lyana Lopes, foi destinada a mim pelos deuses.
