"And I'm alone again

Walk in the rain

Without you

I'm alone again."

"Por quê...?" A pergunta soou fraca.

Não houve resposta.

"Por que tinha que me deixar tão cedo...?" Ele encarava a lápide com lágrimas nos olhos.

A mãe natureza parecia castigar a humanidade naquela manhã de domingo. A tempestade havia surgido sem aviso prévio. Ele não parecia se importar com o sobretudo completamente encharcado ou o chapéu que pesava sobre a cabeça derramando mais e mais água.

"Você ainda se lembra...?" Ele encarava a lápide fixamente, como se olhasse nos olhos de alguém. "...do início de tudo?" Trovões e mais trovões faziam do céu um verdadeiro espetáculo. Ninguém que não fosse louco sairia de casa com aquele tempo. Mas ele estava lá. E não parecia fazer pouco tempo.

"Sei que sim." Disse depois de um tempo. "Mas mesmo assim, vou te contar a história do começo. Quem sabe assim você não se sinta um pouco melhor...Anna?" A pronúncia do nome saiu rasgada, como se sua simples menção trouxesse à tona tudo o que já havia passado. Tudo pelo que havia lutado...

Foi num domingo como esse e eu ainda me recordo com perfeição. Eu voltava do meu trabalho quando te vi parada no acostamento da estrada. Carro quebrado em pleno domingo à noite. Quer coisa melhor?

Você nunca pediu ajuda para nada. Eu parei a minha moto perto de onde você estava e lhe ofereci o guarda-chuva. Algo me diz que aquilo foi uma surpresa. Você não esperava que alguém parasse em pleno dia de chuva, não é?

"Algum problema?" Eu perguntei, como se não tivesse visto. Você nunca foi a pessoa mais paciente do mundo e isso eu aprendi nos primeiros cinco minutos de conversa.

"Não. Apenas parei para observar a paisagem." Você respondeu com ironia e revirou os olhos. Aquela era uma característica sua quando estava nervosa. Isso eu também aprendi.

"Jeito interessante de se ver as coisas." Eu ri. Jamais me deixei levar pelo seu gênio, por mais que a situação parecesse difícil ou constrangedora.

"Idiota." Você respondeu. Claro que estava nervosa. Quem não estaria na sua situação? A única pessoa que para pra te ajudar é um cara que não parece querer nada com a vida.

X

Você parecia ter um sério problema com chuvas e noites. Desta vez era uma sexta-feira quando eu voltava de longe. Você não estava de carro e tampouco havia um táxi por perto. Estava parada perto de uma pequena loja fechada e novamente se surpreendeu quando um guarda-chuva amigo lhe cobriu a cabeça.

"Você outra vez." Afirmou com seu ar superior, como se a minha simples presença lhe fosse um incômodo. E talvez fosse mesmo.

"Parece que você gosta de noites chuvosas." Eu brinquei, claro, para te provocar. E você sempre caía!

"Parece que você gosta de me perturbar em noites chuvosas." Você era venenosa, Anna. Sempre havia resposta para tudo. Sempre pronta para dar o bote.

"Suba, eu te dou uma carona." Eu disse, subindo na moto.

De início, você pareceu hesitante. Mas, entre ficar presa na frente de uma loja fechada tomando chuva e aceitar carona de um cara que já havia te ajudado há algumas noites, você preferiu a segunda opção.

X

Você nunca pensou que iria se apaixonar por alguém como eu, não é? Sinto dizer que esse pensamento não era recíproco. Acho que te amei desde o primeiro momento.

Depois daquele dia, nós voltamos a nos ver em uma situação inversa. Eu voltava a pé, no meio da chuva, pelo acostamento da estrada e você estava passando por lá. Mencionou algo sobre negócios, acho.

"Entre." Você disse, parando o carro. Não perguntou nada sobre o fato de eu estar voltando a pé por uma estrada tão perigosa.

"Não vai perguntar nada?" Eu me adiantei, na defensiva.

"Você não perguntou naquele dia, certo?" E então nos calamos.

Você fez questão de parar na porta da minha casa. Não era nenhum lugar muito grande e acho que você se lembra bem disso.

"Não quer entrar?" Eu perguntei, sabendo que você se recusaria.

"Não. Apenas vim aqui para te retribuir o favor das noites anteriores." Você respondeu com arrogância, como se o simples fato de eu ter lhe ajudado, te ferisse.

"Eu faço questão."

E então você entrou. E o que aconteceu depois, você se lembra?

Claro que sim. Passamos da sala direto para o quarto. Trocamos poucas palavras, um tapa seu e beijos insaciáveis de puro desejo.

Depois disso...

Dormimos juntos.

X

Mais tarde, quando firmamos compromisso, eu descobri que você era de uma família nobre, Anna. Você deixou tudo pra trás por minha causa. Uma carreira brilhante, laços familiares e até mesmo amigos. Tudo para ficar comigo.

Você deixou uma vida toda para trás, enquanto eu...o que eu fiz por você? Eu apenas segui em frente com a minha vida.

Nossa vida.

Agora, era nossa.

No início foi difícil, para você, se adaptar a uma vida sem luxo. Mesmo assim, eu fazia o meu melhor para te deixar feliz e confortável. Pelo menos feliz você era.

Quero acreditar que sim.

"Você tem certeza disso, Anna? Quer mesmo deixar tudo pra trás...por mim?" Eu perguntei hesitante, inseguro. A sua resposta veio rápida como um tiro.

Um tapa.

Mas não um tapa qualquer. Era a sua lendária esquerda. Um tapa tão doído que chegava a deixar a marca dos cinco dedos na face.

Depois disso, nós nos casamos. E adivinhe só? Estava de noite e chovendo.

Você não estranhou o fato de ninguém da minha ou da sua família não aparecer. E nem me perguntou o porquê. Mesmo assim, eu me adiantei em dizer.

"Eu não tenho amigos com quem possa contar. Não tenho família para onde eu possa voltar. Sou apenas alguém que se perdeu nos caminhos da vida." Eu te disse no dia do nosso casamento e você sorriu. Acho que era a primeira vez que eu via um sorriso seu.

"Agora você tem a mim. E eu tenho a você. Isso é o suficiente."

E nenhuma resposta podia ter me deixado mais feliz.

X

Mesmo quando você descobriu o que eu fazia, você quis ficar do meu lado. A profissão de assassino de aluguel nunca te incomodou, Anna?

Eu me perguntei isso durante todos os dias em que estivemos juntos depois daquilo. Você nunca falava nada sobre o meu trabalho. Talvez fosse melhor assim.

Quer dizer...

Melhor até começarem a vir atrás de nós.

E não foram poucos os que vieram. E eu matei cada um deles, sem o mínimo vestígio de remorso.

E nesse jogo de mortes, eu perdi a conta de quantas vezes tivemos que mudar de cidade.

X

Nós podíamos ter vivido assim por algum tempo, se você não tivesse me escondido que esperava um filho meu.

Acho que só descobri a verdade quando você estava próxima de dar a luz. Isso tudo porque não houveram sinais de gravidez. Não houveram desejos, não houve barriga grande. E se houveram enjôos, você soube esconde-los muito bem de mim.

Seria irônico eu dizer que o Hana nasceu em uma noite de chuva?

Não sei se irônico seria bem a palavra certa para definir isso.

Talvez fosse destino.

Mas eu sempre achei que a chuva marcou o início e o fim de tudo nas nossas vidas, Anna.

O nosso primeiro encontro.

O nosso segundo encontro.

O terceiro, que resultou na nossa primeira noite de amor.

O nosso casamento.

O nascimento do nosso filho.

Você deve estar se perguntando aonde se encontram os fins nisso, não é?

Na noite da sua morte, estava chovendo.

Foi em uma noite em que eu fiquei fora até mais tarde. Você sabia se defender. O que me intrigou foi o fato de a porta não estar arrombada ou não terem sinais de luta.

Quando eu cheguei em casa e te vi morta...eu realmente não sabia o que fazer. Eu vi toda a minha vida...tudo pelo que eu lutei se esvair.

Eu fui até o quarto de Hana, mas ele não estava lá. Ironia.

Eu nunca te contei o que a minha família fazia, não é?

Eram todos membros da Yakuza.

Talvez por isso você tenha sido morta. É o que eu pretendo descobrir, Anna.

Hao deu um longo suspiro e mirou a lápide uma última vez.

"Eu vim aqui apenas para me despedir de você. Pretendo voltar um dia, quando eu recuperar o Hana. Tenho certeza de que ele ainda está vivo e é por ele que eu continuarei a lutar." Hao agachou-se perto da lápide e deixou uma rosa vermelha. "Não pense nisso como um adeus, mas como um até breve. Eu prometo que vou trazer nosso filho de volta, Anna." Hao tocou a lápide e fechou os olhos, fazendo uma prece. As lágrimas se misturavam com as grossas gotas de chuva e ele finalmente sorriu.

"Fique em paz e lembre-se que eu sempre vou te amar."

Dizendo essas últimas palavras, ele se levantou e partiu dali, levando consigo aquela impetuosa tempestade e o desejo de um dia trazer Hana de volta para si.

Notas da autora:

Enfim mais uma tragédia para a coleção xD

Essa tinha como tema início e é mais uma fic do desafio.

Pra quem quiser, o link está no meu profile.

Faltam 26 fics!

E deixem reviews pra me fazer feliz i.i