Vício
Eu não me achava uma pessoa que se preocupasse muito com assuntos desimportantes. Muito pelo contrário. Sempre fui calma, paciente e observadora. Daquelas que analisam mil vezes todos os passos antes de dar o primeiro.
Definitivamente, não era isso que as outras pessoas pensavam. Viam-me como uma lunática obsessiva, coisa que nunca fui. Cochichavam e apontavam pelas minhas costas, e os mais destemidos e expansivos verbalizavam com todas as letras suas opiniões sobre minha personalidade.
Talvez, ao longo do tempo, as pessoas notem alguma pequena característica minha que não as agrada, e englobam isso com os já existentes boatos sobre mim.
Gosto de pensar que toda mente produtiva e dotada de alguma habilidade especial é aquela incompreensível aos olhos humanos e leigos. Posso estar certa, afinal. O problema pode não ser comigo, e sim com a falta de inteligência e compreensão da sociedade atual, que não dá espaço para idéias um tanto mais criativas.
Mas á todos que nunca conseguiram, ou nem tentaram, compreender minhas atitudes, devolvo á vocês o fato de que toda mente sã guarda pelo menos um segredo.
Comigo não é diferente. Segredo secretíssimo esse ao longo de todos esses anos ninguém, sem exceção, conhece o segredo. Nem somente meramente desconfia.
Todas as noites, eu dedico alguns minutos de meu tempo á esse segredo obsessivo que me toma por completo e faz de mim uma pessoa mais preparada para lidar com os problemas, sejam ele meros obstáculos ou grandes dificuldades.
Um ruído rascante e repetitivo soa estridente pelo aposento, e eu caminho até o despertador mágico, um sorriso bobo se espalhando no rosto. Toco um resto queimado de madeira que descansa na lareira com a varinha, e estrepitosamente os blocos alaranjados movem-se e torna-se uma parede lisa em relevo.
Uma palavra inexistente e complexa sai por entre meus lábios ecoando no silêncio do cômodo, e novamente a parede se move. Em seu lugar, surge uma fina camada metálica, na qual toco novamente a ponta da varinha.
Finalmente.
Acendo a varinha e puxo uma das inúmeras caixas de dentro do pequeno anexo, mais parecendo um cofre. Abro a caixa com cuidado e cerimônia. Afinal, é uma das melhores caixas. Veio da Suíça.
Minha obsessão. Meu segredo. Meu ponto fraco.
Pego uma pequena forma brilhante de dentro da caixa aberta. Desembrulho e coloco na boca.
O sabor. O melhor sabor. Açucarado e com uma leve ponta amarga, aquilo derrete em minha boca enquanto saboreio lentamente, em uma tentativa do sabor delicioso permanecer em meus lábios por mais tempo.
Sinto a textura lisa, e ao morder sinto as gotinhas do licor refrescando minha língua e fazendo minha cabeça girar.
Nunca experimentei algo melhor.
Meu vício. Chocolates.
.Fim.
