Chá e vinho (Parte I)

A atmosfera agitada se acalmou gradualmente durante os segundo seguintes.

Era um dia calmo e fresco. A brisa batia na copa das árvores, cujas folhas, que bloqueavam o sol , formavam sombras dançantes no chão. E a claridade entrava gentilmente pelas janelas altas, iluminando o assoalho de madeira polida dos amplos salões brancos da mansão.

Sim, era um dia agradável. Mas, aqueles dois não pareciam nem um pouco entretidos com o clima ou com o ambiente tranqüilo. Na verdade, tampouco pareciam se importar com a destruição que haviam causado na sala. Apesar de ser difícil ignorar as estátuas de gesso esquartejadas pelos cantos, os cacos dos vasos de porcelana e os estilhaços do lustre de cristal espalhados pelo chão junto com os pedaços de mesas e cadeiras de luxo.

Depois de tantas brigas e discussões, o cansaço se tornou um adversário maior. E estava sendo muito difícil para os dois se manter de pé.

A respiração agitada escapando pelos lábios entreabertos, o suor escorrendo pela curva do pescoço. Os dois estavam envergados: França se apoiava em seus joelhos, Inglaterra escorava-se contra uma parede. A luta continuava sendo travada em seus olhares, mesmo que seus músculos não se mexessem mais. A raiva residia no verde esmeralda dos olhos de Inglaterra, enquanto um brilho de arrogância cintilava o lápis-lazúli dos olhos do França.

O britânico se aproxima de seu adversário, juntando o que resta de suas forças. O punho forte prende o colarim da camisa do francês e ergue-o tanto quanto pode – o que, àquela altura da batalha, não era grande coisa. – e o encara furiosamente. Não há resistência. França sabe bem que qualquer manobra para conseguir a vitória está fora do alcance de seu adversário.

Inglaterra trinca os dentes, inundado pela frustração de estar sem forças. Ele o solta e se rende ao cansaço pondo-se de joelhos no chão. França não agüenta e cai ao seu lado no segundo seguinte, jogando-se no chão e deixando a cabeça pender nos ombros.

Inglaterra procura acomodar-se e acaba se sentando de costas para o França, encostando-se nele. Tudo o que se escuta é a respiração ofegante dos dois ressoando pelas paredes silenciosas do salão. Pelo menos até um sorriso torto formar-se no rosto do francês:

- Você está mesmo muito velho, seu bêbado maluco.

Inglaterra procura fôlego pra responder.

- Ora! Cale essa boca, seu imbecil! Dê-se por agradecido por eu não ter arrancado essa sua barbicha ridícula.

- Você não deveria tentar conter sua inveja pela minha maravilhosa aparência, sobrancelhudo?

- Como se eu quisesse me rebaixar a um insolente como você!

- Insolente?

- De certo é muita insolência vir até minha casa e insultar a minha hospitalidade dizendo que... que...

- Pelo que estávamos brigando mesmo? – perguntou o francês entre ofegos.

- Eu não sei. – respondeu Inglaterra. – Algo sobre chá e vinho.

Um sorriso fraco e cansado surgiu no rosto do França. Por que dias como aquele parecia tão satisfatório de alguma forma? Inglaterra não parecia perceber isso. Inglaterra parecia não perceber nada. "Você sempre vai ser uma catástrofe no campo dos sentimentos, seu bêbado maluco!".

O francês deixou cair a cabeça pra trás até encostá-la no ombro do rival. O britânico surpreendeu-se ao sentir o contato com seu adversário. Como era estranho aquele França! Fazia coisas esquisitas o tempo inteiro.

- Uma trégua. – disse França. – Vou deixar você fingir que empatamos. Não estou muito bem disposto para outra guerra dos cem anos.

- Está com medo de perder outra vez, é? – provocou Inglaterra. – O que? Você iria ruir com mais uma prenda de guerra? Parece que sua economia não é forte o suficiente pra sustentar todos os seus fracassos! Hahahahahaha!

Um comentário daqueles deveria ser o bastante para escurecer o dia do França. Principalmente considerando suas atuais condições. Mas, afinal era o Inglaterra. Aquele cara era apenas um desligado, com certeza ele não sabia. E aquilo era só mais uma de suas provocações costumeiras. Ele com certeza não sabia o que estava acontecendo.

França afastou-se do inglês, que sentiu certa estranheza – e alguma preocupação. – quando sentiu o peso das costas de seu inimigo milenar aliviando-se sobre a sua. O francês se recompôs, arrumando o cabelo e assentando a roupa no corpo, antes de sentar-se no sofá com as pernas cruzadas.

Inglaterra fitou-o, sem saber que França refletia sobre o que realmente estava acontecendo. E mais importante do que isso: Se deveria contar ao Inglaterra. E se contasse, ele se importaria? Depois de pensar bem, decidiu se privilegiar com a dúvida. A verdade podia não ser agradável, e pelo menos por hora, ele gostaria de aproveitar o conforto daqueles dias.

Inglaterra levantou-se do chão sentindo-se incomodado com o desconforto que o silêncio de França lhe causava. Fitou por algum tempo o loiro sentado com aquele olhar pensativo em seu sofá. Era muito elegante o França, isso ele tinha que admitir. Um homem de classe e de charme distinto. Mas, vendo-o sentado daquela forma, com um olhar tão distante e o queixo apoiado na mão, notou que ele estava mais estranho que de costume. Havia uma aura de preocupação ao seu redor, muito atípica do França, e o azul de seus olhos estava mais profundo que o normal.

Como era estranho aquele França! E mais estranho ainda era a forma como se sentia perto dele...

- Então... – pigarreou o Inglaterra. – Por que você veio aqui? Certamente precisa de algum favor. – Ele coçou a cabeça e suspirou sentando-se no outro canto do sofá. – Ah-ah! Mas que droga! Você vive me dando trabalho! Pois saiba que eu estou ficando farto de concertar suas burradas e...

- Errado. – mesmo o ressoar baixo da voz suave do França foi o suficiente para fazê-lo se calar.

Um palpitar um pouco mais forte surpreendeu o Inglaterra quando ele se viu encarando um sorriso singelo e meigo do França. Ele continuava com seu rosto voltado para a janela, a luz batia em seu rosto e reluzia em seus cabelos loiros. Demorou algum tempo antes que Inglaterra recuperasse a linha de pensamento. Ele perguntou-se se estava mesmo morno naquela hora da manhã, ou se isso estava acontecendo porque França estava olhando pra ele de soslaio.

França voltou o rosto para encará-lo de frente.

- O que foi? - perguntou com ares divertidos.

Inglaterra virou o rosto nervosamente pro outro lado. O rubor que queimava em suas bochechas o deixava ainda mais irritado. Como se as atitudes estranhas do França e a sensação de que havia algo errado já não fosse o bastante!

- Como assim o que foi? Droga! Você é tão esquisito o tempo inteiro! Seu francês pervertido idiota!

França soltou um riso baixo e voltou a apoiar o rosto nas costas da mão, divertindo-se ao ver um Inglaterra nervoso e envergonhado segurando-se na beira do sofá. Ele sempre tinha esse lado meio infantil. Sentiria falta daquele tempo com o Inglaterra.

- Ora, ora! – riu o França. - Não é você quem está imaginando coisas, seu bêbado maluco? Eu não fiz nada de errado, fiz? – uma sinuosidade quase imperceptível pincelou o sorriso dele naquele momento. – Ou será...

Mesmo o Inglaterra demorou a entender o que estava acontecendo quando sentiu os dedos alongados do França envolverem delicadamente seu queixo, puxando seu rosto na direção do dele.

- Será que você só lembrou que eu sou pervertido, porque de repente é nisso que está pensando? – sussurrou o francês com os lábios próximos ao ouvido do outro.

Inglaterra sentiu uma explosão fria no estômago, seguido de um tremor súbito por todo o corpo e um nervosismo gradual, que aumentava a cada segundo que passava e ele não conseguia pensar em uma resposta.

França divertia-se vendo o rosto do adversário ficar mais vermelho que o estofamento do sofá. Correu os olhos pelo rosto envergonhado do Inglaterra e aproveitou-se de sua falta de reação para aproximar-se mais dele. Inclinou-se mais no sofá, o corpo ficando mais perto do Inglaterra, e a respiração se misturando à dele enquanto seus rostos ficavam a centímetros de distância.

Um soco. Certeiro. Bem no nariz do francês. Forte o suficiente para fazê-lo recuar e dar ao Inglaterra alguma chance de colocar os pensamentos em ordem.

- Isso doeu! – gritou França com um som nasal. As duas mãos amparando o nariz dolorido.

-Se-seu idiota! Tomara que eu tenha quebrado o seu nariz! O que tem na cabeça pra ficar fazendo essas coisas estranhas?

- A única coisa estranha que tem aqui são as suas sobrancelhas, seu maldito! Como se atreve à ferir meu rosto perfeito? Você quer começar outra guerra?

- Talvez seja uma boa idéia! Talvez com alguns ferimentos você pare de ficar tentando me agarrar! Tocando no meu rosto e falando como se estivesse deitado em pétalas de rosas! Achou mesmo que conseguiria me seduzir?

- Pétalas de rosas? O que? Você viu até isso? Qual é a sua, seu esquizofrênico? Isso daqui não é "Beleza Americana" não! Eu sou francês! Esse é apenas meu jeito de ser! Eu não estou te seduzindo! Você se sente seduzido por mim porque eu sou lindo! Hahahahaha!

- Eu não me sinto seduzido por você!

- O que? Seu rosto está vermelho!

- Quieto! Está insultando a Rainha!

- Hã?

- Sua própria existência é um insulto à Rainha!

- Bêbado maluco! Acho que você tá surtando! Nem está mais falando coisa com coisa! – ele virou o rosto e passou a mão nos cabelos. – Pra mim já chega! É loucura demais! Estou indo embora! Divirta-se com seus amigos duendes.

Inglaterra levantou-se bruscamente.

- Espera um pouco!

O ar pareceu ficar mais pesado e mais denso de repente, o tempo mais lento e mais curto. Inglaterra sentiu um raio atravessá-lo quando França passou ao seu lado e ele não conseguiu ver seu rosto. Uma urgência estranha e incômoda.

Algo não estava certo. Não era como nos outros dias quando França saia gritando e batendo portas. Inglaterra sentiu seu coração palpitar. Os passos do França ressoavam alto pelo salão. Estavam ficando cada vez mais distantes.

- Es... Espera um... pouco. – sussurrou Inglaterra. Ele não tinha certeza se ele tinha pensado antes de dizer aquilo. As palavras saíram sem querer, por instinto.

França não pareceu ouvir e continuava se afastando.

- Espera um pouco! – dessa vez as palavras saíram altas e firmes.

Inglaterra virou-se para ele e correu em sua direção à passos largos. O francês não teve muito tempo para virar-se e ver o que havia de errado.

Tudo aconteceu muito rápido. Inglaterra escorregou em uma das peças do lustre de cristal que havia quebrado. E então ouviu-se o baque dos corpos caindo no chão, um sobre o outro.

A primeira sensação que veio depois da queda foi o cheiro inebriante de perfume francês que exalava do pescoço do França. Ele ergueu o rosto lentamente e se viu deitado sobre o francês que o encarava assustado com seus olhos cor de lápis-lazúli. França certamente não percebeu, mas levara suas mãos á cintura de Inglaterra, talvez numa tentativa vã de impedir a queda no último instante,

Inglaterra sentia seu coração batendo forte e o rosto enrubescido. Enquanto os dois se recuperavam do susto, ficaram encarando um ao outro com olhares surpresos e os rostos incrivelmente próximos. Ambos tentando decifrar seus sentimentos e os do outro.

Para Inglaterra aquela era uma sensação desconfortável, Mas, bem menos desagradável do que o medo de que França alcançasse a porta e fosse embora.

Ele se afastou rapidamente, sentando-se no chão e coçando a nuca enquanto olhava pro outro canto do salão. França ergueu o corpo e apoiou-se sobre os braços, encarando o britânico. Essa era a parte ruim de se por em dúvida: Se Inglaterra fazia algo assim, isso lhe dava esperanças. E com a esperança vinha o medo. Medo de sentir dor ao partir sabendo que estava deixando aquela chance para trás.

França forçou um sorriso e começou a falar em tom provocativo e divertido.

- O que há com você seu...

- Amanhã. – interrompeu o Inglaterra, ainda com o olhar fixo em algum canto do outro lado do salão.

França se surpreendeu com o tom de voz calmo e sério do Inglaterra.

- Amanhã. – repetiu ele. E então encarou o francês com um olhar firme. – às cinco da tarde em ponto, venha tomar chá. Cinco horas, ouviu? Nem um minuto a mais, nem um minuto a menos! Se você não vier, eu mando uma frota de aviões explodirem o arco do triunfo!

- Mas, o que eu tenho de vir fazer aqui amanhã?

- Venha e me conte o que o está preocupando.

Inglaterra virou o rosto enrubescido para baixo. França continuava á encará-lo surpreso. Então ele havia notado! Um sorriso se formou em seu rosto.

- Sacreblé! O que é isso? O frio Inglaterra está se preocupando comigo realmente? – provocou ele.

- Não é isso! É que você me deve dinheiro! Muito dinheiro! E também, se algo de errado perturbar sua economia, o comércio mundial ficaria abalado! Só estou pensando no bem das minhas fronteiras!

França riu, botando a mão na cabeça do inglês e bagunçando seus grossos cabelos loiros.

- Que fronteiras? Você mora no meio do mar! Hahahahahaha!

Inglaterra emburrou-se e se encolheu ao peso da mão do França.

- Mas, sabe... Que bom que me convidou pra tomar chá amanhã com você.

Inglaterra ergueu o olhar e encarou-o, apesar de manter a cabeça baixa.

França piscou pra ele rindo sinuosamente, inclinou-se em sua direção ao mesmo tempo em que puxava sua cabeça para beijar-lhe a se retesou. Iria empurrá-lo, mas enquanto sentia os lábios do francês apertados contra sua testa, os fiapos de seu cavanhaque roçando em suas têmporas e seus dedos apertando os cabelos grossos, Inglaterra apenas desviou o olhar e cerrou os punhos.

Francês idiota!

- Au revoir Arthur. – sussurrou ele.

E depois de dizer isso França se levantou e partiu.

Inglaterra viu a porta pesada de madeira se fechar. "Que bom que me convidou para tomar chá com você". Essa frase o estava incomodando.

"O que é? Você nem gosta de chá seu pervertido idiota!" pensou. E então olhou para a claridade que entrava pela janela, o enjôo se formando na boca do estômago. Não deveria tê-lo deixado partir.

- E não se despeça de mim tão carinhosamente. Seu imbecil...

N/B: Um dos meus casais favoritos: FR/UK. Essa fic começou em um dia insano o qual Lana teve overdose de vídeos FRUK enquanto dormia na minha casa. Então essa fic surgiu 3!
Eu sou a beta-reader, então se houver algum erro, a culpa é minha e não da Lana, x3.

Reviews?