Ikki e a cidade

Duas gémeas separadas pelo tempo (como nas novelas), Ikki e Shun tornam-se celebridades…e agora? Que irá acontecer?

Capítulo I – De pernas para o Ar

-Por amor de Deus, Shun, faz-te um homem!

Mais uma vez, Shun tinha desatado num daqueles berreiros. O motivo nem era muito importante – o seu carro novo tinha um risco gigantesco no capot – e Ikki, embora gostasse muito do irmão, naquele dia estava com uma enorme falta de paciência. Saiu porta fora e acendeu um cigarro. Shun detestava fumarada dentro de casa, outra mania que ultimamente o irritava imenso. Talvez fosse altura de cada um seguir o seu caminho, mas sempre que se tentava afastar, acabava por sentir a falta do seu mano mais novo.

Agora que não havia batalhas (e que cada cavaleiro de Bronze recebera a sua parte da herança de Mitsumasa Kido), Ikki tinha concordado com Shun em mudar-se para Nova Iorque por uns tempos. O seu minúsculo apartamento em Tóquio, tipicamente japonês, tornava-se sufocante, estava farto dos mesmos locais, das mesmas caras, de embirrar com o pato por tudo e por nada, de puxar Shiryu pelos colarinhos porque este achava que tinha sempre razão, de esmurrar o Seiya quando os dois não concordavam em coisas estúpidas! Tinha dias em que lhe dava vontade de vender a armadura de Fénix em leilão e dedicar-se à pesca.

Felizmente, Shun havia surgido com uma ideia melhor: o seu talento dramático (não precisava de cebola para chorar um mar de lágrimas) garantira-lhe uma bolsa numa prestigiada Academia de actores em Nova Iorque. Em três meses, já conseguira ser contratado por um agente de renome, que lhe assegurava que ele ia ser o próximo Orlando Bloom. E já tinha feito vários spots publicitários: o famoso perfume «Acorrentado», o novo DVD de Pilates «para ficar magrinho em apenas duas semanas», e era a nova cara da salada do Mc Donald´s, «verde mais verde não há». A princípio, Ikki não se queixava deste estilo de vida: o irmão andava tão feliz, não lhes faltava dinheiro para gastar e estavam juntos, sem temer que um deles morresse na próxima luta contra um adversário doido.

Compraram um apartamento enorme, um loft que redecoraram juntos, e o cavaleiro de Fénix encontrou um emprego de que gostava: professor de artes marciais. O seu estúdio estava a tornar-se a última moda entre as celebridades. O método do Mestre Ikki queimava calorias que era uma coisa louca, ajudava a «desenvolver o cosmos» (que ninguém sabia muito bem o que era), e era um excelente método de auto defesa. De um momento para o outro, Ioga, Tai Chi, Dança do Ventre, Personal Trainer, eram coisa do século passado. Enfim, os dois irmãos estavam a ficar tão famosos que acabaram por ir ao programa da Ophrah contar a sua dramática história! Resultado: um documentário do Discovery Channel sobre «Os Misteriosos Cavaleiros de Athena», uma autobiografia que foi um best-seller, e um convite para Shun protagonizar a sequela de «Tróia», (convite recusado, que farto de lutas na Grécia estava ele) e Ikki sem paz nem sossego. Nem para os seus vulcões podia ir: todos os sítios que os irmãos Amamiya tinham pisado eram agora lugares de peregrinação para fãs em histeria colectiva, e a Fundação estava a ter imenso trabalho para manter o mínimo de discrição.

Enfim, valia que em N.Y. as celebridades são deixadas em paz. Por sorte Shun não mostrava intenções de se mudar para Hollywood! Subitamente o telefone tocou. Ikki odiava telemóveis, mas agora era obrigado a ter um. Ao tentar tirá-lo do bolso do casaco, este saltou para a estrada. Um autocarro furioso passou-o a ferro, não sobrou uma migalha.

-Fuck! – Mesmo sem querer, estava a tornar-se um Nova-iorquino de gema. Contrariado, dirigiu-se a uma loja para comprar outro. Como sabia exactamente o que queria, não se demorou nem dois minutos. Ao sair, viu um grupo de garotas às compras. Exactamente o tipo de raparigas que abominava: ricas, mimadas, fúteis e barulhentas!

Ikki podia ser rico e bem sucedido agora, mas no fundo o guerreiro e não esquecia as suas origens humildes, a terrível infância que passara, as desventuras dos seus amigos. Meninas do papá que achavam que tudo caía do céu lembravam-lhe que perdera a adolescência. Abanou a cabeça. De repente, o salto finíssimo do stiletto cor-de-rosa de uma das jovens quebrou-se, fazendo-a estatelar-se mesmo em cima da caca de pombo que abundava por ali. Ikki começou a rir, e a rapariga voltou-se.

-Qual é a piada? – Exclamou com indignação. – Estes Manolos eram únicos, edição limitada e agora estão arruinados! – As amigas fizeram coro, lamentando o "drama", e cobrindo o cavaleiro de nomes feios. Mas Ikki não respondeu. Ficou ali, de boca aberta, pálido como cera, prestes a sofrer uma apoplexia.

-Esmeralda…

Era ela na sua frente, o mesmo cabelo dourado, o mesmo corpo franzino, os mesmos olhos enormes e escuros, o mesmo rosto arredondado e lindo.

-Não pode ser!

-O quê? – Respondeu ela. Era a mesma voz.

-Esmeralda!

-Deve estar a confundir-me com alguém. O meu nome não é Esmeralda, é Amber. – Disse, pegando no seu minúsculo telefone azul-turquesa para ligar à mamã, queixando-se do desastre.

-Vamos embora, vou chamar um táxi. Este tipo é um doido qualquer! – Exclamou uma ruivinha extremamente elegante, com ar de senhora.

-Espera, Sidney – disse Caroline, uma morena de grandes olhos azuis e estilo extravagante, afastando o largo chapéu de lã rosa que usava, para ver melhor. – Não é um doido, é Mestre Ikki!

-Mestre Ikki? Céus! – Amber aproximou-se, coxeando. - Mas é mesmo! Sou a sua maior fã. Você é fa-bu-lo-so! Estou em lista de espera para as suas aulas, a minha amiga Ashley perdeu dez quilos em dois meses, it´s so fucking amazing! – A voz podia ser a mesma, mas naquele tom, tornava-se muito irritante.