O saboroso beijo do vento acaricia o meu rosto ferido e cansado pelo tempo, e pelas cruéis guerras, que barraram a minha vida. O fascinante som da imponente cascata envolve-me num misto de tranquilidade e paz espiritual, atirando-me num mundo de fantasia e de sonhos possíveis iluminados por brilhantes estrelas. Tenho apenas catorze primaveras, todavia possuo uma história de vida demasiado longa e manchada de sangue, dor, batalhas sangrentas e caos.
O meu destino estava escrito nas longínquas estrelas mesmo antes do meu propositado nascimento. Era eu um menino de tenra idade fui enviado para a China onde fui submetido a um pesado e arrebatador treino para que futuramente vestisse a sagrada armadura de Dragão. Porém, as privações que me aguardavam eram bastante mais dolorosas do que o treino que me foi imposto. Lutei em diversos combates abraçando diversas causas, esses combates roubaram-me por inúmeras vezes a vida, a esperança e a vontade de sonhar com um amanhecer repleto de luz e calor. Agora, num momento de paz intranquila e aparente antes da próxima e derradeira Guerra, apenas guardo bem cravado no meu coração a fortíssima amizade que me une aos meus companheiros, jovens que tal como eu foram abençoados, ou amaldiçoados, pelas estrelas do destino. É esse sentimento que todos os dias, todas as horas e todos os segundos me garante a força de vontade para enfrentar todos os obstáculos que cruzam o meu caminho sinuoso e inserto.
Os meus olhos imergiram numa escuridão profunda e reluzente, nada vejo mas tudo sinto. A luz do dia, das estrelas, da lua, do sol e do fogo abandonaram-me, perdido e imerso em trevas, no entanto duas luzes bem quentes ainda seguem a meu lado segurando na minha mão carinhosamente. No meu olho direito reluzirá para sempre a pura luz da Deusa Atena. No meu olho esquerdo viverá para sempre a amorosa e doce luz da flor mais bela e delicada que brotou nas margens ternurentas da Cascata de Rozan, a minha querida Shunrei. Sem dúvida estas duas pérolas iluminarão os meus paços inseguros e frágeis.
Um solitário raio de sol espreita pela espessa camada de nuvens vindo-me calorosamente cumprimentar. O meu mais profundo desejo era ficar aqui, aqui preso a toda esta deliciosa paisagem, eu, a cascata, o sol, o vento e os cheiros perfumados das flores. Gostava de passear a todas as horas com a minha querida Shunrei, me segurando na mão, juntos cruzaríamos a invisível e inexistente linha verde do horizonte em direção ao futuro. Gostaria de ouvir em todos os pôr-do-sol os sábios e indiscutíveis ensinamentos do meu amado mestre. Porém, todos estes desejos estão mascarados por uma realidade bem diferente.
O meu espírito de luta indomável impulsiona-me ao encontro da Guerra que se avizinha, a Guerra contra Hades. Talvez esta guerra me jogue nos precipitados braços da Morte, mas no fundo eu sempre estive pronto para morrer desde que me apercebi da dureza do meu caminho. Parece estranho, até mesmo insano, um menino de apenas catorze anos afirmar que está pronto para deixar o mundo dos vivos para traz, todavia esta é a maior verdade que banha o meu coração.
Algo me liberta deste meu estado de apatia e reflexão, algo perigoso e arrepiante. A minha vontade de luta apressa-se a tomar controlo do meu corpo. Partirei ao encontro dos meus amigos, ao encontro desta demolidora batalha. Adeus minha doce flor chinesa, adeus meu amado Mestre. O dragão Shiryu voará novamente nos céus através dos limites da vida e da morte.
