Por mais que ele tentasse manter tudo limpo, quando chegava o final de semana, as coisas tinham o mesmo cheiro e a organização também não era a das melhores. Alguns posters de bandas dos anos 70, uma guitarra empoeirada e sua mochila jogada em algum canto eram de lei. Ele mentia toda vez que sua mãe ligava e perguntava sobre a limpeza do apartamento.
"Sim, mãe" pausa. "Pode deixar" suspiro dramático. "Claro, mãe. Também amo você".
Já era punição o suficiente sentir o cheiro que suas meias sujas exalam, que ele suspeitava ser tóxico, podendo matar qualquer criatura não habituada.
Harry não poderia se importar menos, pra ser honesto.
The Smiths no último volume, cheiro de incenso vindo da sala, uma pilha de papéis em cima da mesa e um pote de sorvete nas mãos de um menino de 17 anos. Esse era o clima no quarto quando o telefone vibrou.
Ed 19:41 - pronto pra melhor festa da sua vida?
Mas... ele não ia pra nenhuma festa naquele dia.
Harry 19:42 - mandou mensagem pra pessoa errada de novo?
Ed 19:43 - quando pessimismo. vou estar no portao do seu predio as 20:30. vê se usa alguma coisa apresentavel. nao quero passar vergonha
Harry 19:43 - vai a merda
O que era pra ser só mais uma noite de sexta-feira, com muito How I Met Your Mother e sorvete, acabou se tornando mais uma daquelas noites em que Harry era obrigado a aturar Edward Sheeran, O Pegador. O cheiro de suor e risadas estridentes já o alcançavam só de pensar, com seu corpo ainda imóvel na cama.
Toda vez é a mesma coisa: eles chegam na festa, Harry até o bar pedir um RedBull, Edward beija todas as mulheres do lugar e esquece do mundo. Quando a noite acaba, ou seja, quando ele cansa do perfume doce exagerado, os dois voltam pra casa.
Harry levantou com a maior preguiça do mundo, resmungando palavrões enquanto procurava o maldito carregador do celular. Sua gata soltou um miado que pareceu mais compreensivo do que qualquer palavra que já saiu da boca de sua mãe. Tomou um banho rápido, colocou uma calça jeans, uma blusa azul qualquer e uma jaqueta.
Ninguém repara mesmo.
Entrou no elevador e apertou o botão para o térreo. Idiota. Custava pegar uma blusa melhor? A rua estava lotada de pessoas bem vestidas, andando agitadas pela noite, rindo alto e se divertindo. As invejou por um segundo, porque sabia que aquela noite seria tudo menos divertida.
A brisa gelada era quase cruel em seu rosto, o fazendo lembrar do motivo de estar parado ali. Passou os olhos pela calçada, procurando por uma Palio prata antiga, com um amassado na lateral. Já era 20:37h e Ed ainda não havia chegado. Era a primeira vez que Harry não se atrasava.
A mão já estava no bolso da calça jeans, pronta para pegar o celular e digitar um "kd voce?", quando a janela de um Sport Sedan se abriu, revelando o rosto sorridente de Edward.
"E aí? Vamos?" disse, com um sorriso malicioso se formando nos lábios.
Harry andou devagar e hesitante. Não é possível.
"Onde você roubou isso?" perguntou, ainda absorvendo os detalhes internos daquele carro que provavelmente valia mais do que seu apartamento e os móveis juntos.
Ele sempre quis dirigir, mas além de ser menor de idade, a visão da cidade acesa durante a noite era linda demais e ele provavelmente acabaria batendo o carro enquanto olhava cada canto iluminado de Manchester. As pessoas são simplesmente impecáveis, combinando com as cores da primavera que se contrastam com os modernos edifícios espalhados pelo centro.
"Minha mãe arrumou um namorado novo. Enquanto eles faziam juras de amor ridículas, peguei a chave do carro e meti o pé", ele explicou. "Aposto que vamos ficar a noite inteira fora e não vão nem perceber que eu saí. O amor é lindo, não acha?"
Edward já havia completado 18 anos e ganhou uma Palio usada de seu pai. Era sustentado pela mãe, mas fazia uns shows em restaurantes locais e ás vezes ajudava nas despesas. Era o mestre das cantadas e raramente andava sozinho. As meninas adoravam passar a mão nos fios ruivos que caíam um pouco abaixo das orelhas. Não era uma visão muito agradável.
"Onde a gente está indo, afinal?" Harry perguntou e logo notou o sorriso do amigo, que simplesmente empurrou um envelope amarelo com a ponta dos dedos. Ele abriu.
A primeira coisa que viu foi a pior foto 3x4 da história. Fechou os olhos, constrangido. Ao lado de sua foto, havia o nome "Hermet Stayson". HERMET. HERMET! Não tinha nome melhor pra uma identidade falsa?
"Onde arrumou isso?" Harry perguntou, ainda focado no envelope.
"Uma menina disse que faria tudo por mim e... digamos que o irmão dela faz uns serviços bem úteis".
Não foi nenhuma surpresa quando eles chegaram, pois dava pra ouvir a música eletrônica basicamente de todo o bairro. Eles estacionaram o carro não muito longe dali e andaram até a entrada do clube.
Era enorme. Sua fachada era uma mistura de todas as cores do arco-íris, e as pessoas (muito bem vestidas, por sinal) que estavam espalhadas por toda a entrada, enfeitavam ainda mais o lugar. Eles leram o nome "Rose's Thorn" numa grande placa luminosa antes de entrarem.
"Vou pegar meu RedBull, tá?" Harry gritou pro amigo, que desapareceu quase que imediatamente no tumulto da pista de dança, sem se importar em responder.
O bar era da largura do clube e tinham algumas cadeiras altas próximas ao balcão. Harry sentou em uma delas e pediu uma vodka com RedBull, pra variar. A uma cadeira de distância, sentava um menino (ou seria homem? Com certeza já tinha mais de 18 anos). Ele acariciava o copo com a ponta dos dedos, observando com atenção a bebida que parecia whisky. Tinha os cabelos desfiados e suados, seu corpo numa posição relaxada e casual. Harry observava, sentindo a batida forte da música eletrônica pulsar dentro dele e ouvindo o som das pedras de gelo sacudindo nas maracas do homem atrás do balcão.
O garoto saiu do transe, tirou os dedos do copo e levantou a cabeça. Os olhares dos dois se encontraram por alguns segundos.
"Como te deixaram entrar aqui?" o estranho perguntou, dando um meio sorriso. "Quantos anos você tem? 15? 16?"
Harry queria ter ficado ofendido por não parecer um homem adulto, mas ele tinha razão.
"Tenho 17. Só vim acompanhar um amigo" gritou, lutando com a música. "E você, o que faz sozinho aqui no bar?"
O garoto riu enquanto passava a mão nos fios de cabelo suados que caíam sobre a testa. Sua blusa apertada revelava metade de uma tatuagem no braço esquerdo. Harry tentou desvendar o que era, mas não conseguiu. As luzes coloridas do clube ás vezes iluminavam o rosto do menino e Harry tentava captar todos os detalhes que podia.
Tinha a pele bronzeada, um relógio que parecia muito caro no pulso direito, longos cílios e seu cabelo era uma variação de todos os tons entre dourado e castanho. Sentava de uma maneira casual, o que o deixava ainda mais parecido com um modelo de revista. Era realmente muito bonito.
"Esquecendo de algumas coisas. Meu nome é Louis" disse, estendendo a mão esquerda.
"Harry", ele respondeu, apertando a mão do estranho charmoso.
Algumas bebidas mais tarde, os dois trocaram números de telefone e logo quando Louis perguntou se Harry não queria "ir com ele até o banheiro", Ed veio correndo e puxou o amigo pelo braço direto até o carro, com uma mulher muito mais velha que eles pendurada no pescoço.
Na manhã do dia seguinte, Harry acordou na posição mais estranha de todas, com uma dor de cabeça infernal e roupas com cheiro de bebida e cigarro. Assim que conseguiu se dar conta de que estava em seu quarto, ele percebeu o que o acordou: o telefone vibrando. De novo. E dessa vez, a vibração parecia ser em sua cabeça. Maldito seja o álcool.
Sem abrir os olhos, passou a mão pela superfície da cama à procura do celular. Será que uma pessoa pode, pelo amor de tudo o que é mais sagrado, descansar depois de uma festa?
Aparentemente não.
Louis 10:38 - um amigo meu veio de longe, vou dar uma festa pra ele. quer vir?
Harry pensou na oferta por um tempo. Seria estranho? Ele não conhecia ninguém além do mais novo coleguinha de balada. Ele sentia o sangue agitado pulsar, a cabeça explodindo, o corpo implorando pra continuar na cama naquela manhã nublada.
Harry 10:43 - eu vou.
Mensagem enviada. Puta que pariu.
