Aviso: Esta fic conterá cenas de sexo. item obrigatório no amigo secreto da FeB 2009.
A fic não é linear, e qualquer coincidência em algumas frazes não é por acaso*
SIMILARIDADE
por Serena
O vento frio fazia seus dentes rangerem levemente, mas ainda não queria sair dali. A imensidão coberta de neve branca que se via da torre de astronomia de Hograwts fazia com que as ultimas palavras de Narcisa, ressoassem em sua mente, e não tinha nada a mais pra pensar. Não queria pensar em mais nada.
Só mais um ano. Já estaria formado se não tivesse sido atormentado pelo maldito ministério e por ser quem era. Não era mais nada.
"Nem tudo é branco ou preto Draco, existe uma infinidade de matizes cinza. E o amor é matizes... Sem porque, sem cor, sem motivo. Existe e valhe a pena, viver ou morrer, e achar suas próprias cores..."
Que porra de coisas ela falava? Morreu uma semana depois que Lucius recebeu o beijo. Uma semana que viveu para atormentá-lo com palavras de amor. Não o amava. Nunca o amou.
Passou tão perto do inferno. E as cinzas do inferno. Que aprendeu que havia matizes que jamais teria podido imaginar que existissem. Inspirou profundamente o ar gélido e sorriu soprado pela incoerência de seus pensamentos, mas não se lamentaria pela vida que nunca teria.
Melhor se arrolhar a esta lembrança do que a nenhuma. Era melhor fingir que Narcisa se matara por amar demais. E cada topo de arvore coberta de branco que olhava, lembrava Narcisa. E ela disse que o amava.
Não havia mais guerra. Nem medo. Nem missões. Nem Lucius. E sem Lucius não havia Narcisa. Não havia Malfoy's. Só havia Draco e um ano inteiro que fora obrigado a estudar por carregar aquela maldita tatuagem no braço. E talvez sua boa conduta o fizesse reaver sua herança. Um dia.
Apurou os ouvidos antes de voltar para o calor momentâneo da sala comunal e um som mais parecido com um chiado, adentrou seu campo de audição. Escrutinou atrás de um relógio grande e antigo e a ponta de um sapato se mostrou a vista. Andou até lá furioso e levantou a figura pelo pescoço, antes de ver quem era. Estreitou os olhos e bufou.
- Esta me espionando sangue-ruim? – Chacoalhou mais intensamente, vendo como ela lutava por ar. Quando ele a soltou ela resfolegou e tossiu, ajoelhando no chão e falando com dificuldade.
- Você não é importante o suficiente para que eu morra de hipotermia pra te espiar. – Desafiou, enxugando o rosto e tentando disfarçar as manchas vermelhas que sabia que apareciam quando chorava.
Leu a verdade em seus olhos, como leu que ela devia estar chorando muito antes dele encontrá-la. Ficou um tempo sem reação. O que ela estava fazendo ali? Não se dignaria a perguntar, não lhe interessava.
- Se já cansou de me secar Malfoy, pode ir. – Arqueou minimamente uma sobrancelha clara em surpresa e notou que algo havia de muito errado com ela. A sangue ruim que conhecera era intragável, mas não gostava de confusão. Diferentemente dessa que o desafiava abertamente. Teve vontade de ofendê-la, mas estava cansado para tal. Fuzilou-a com o olhar e saiu, deixando-a incrédula e com o frio.
Um ano
Um longo e angustiante ano, e ainda não conseguia esquecer nem minimamente a dor. Sua dor, seu amor.
Rony não tinha o direito de deixá-la. Eles eram perfeitos juntos. Ela o amava mais do que a si mesma e perde-lo arruinou o órgão vivo e pulsante dentro do seu peito.
Ele não podia tê-la trocado. A morte não o amava como ela. Seu Rony. E voltar para a escola depois de tanto tempo sendo consumida pela tristeza não estava facilitando as coisas. Harry estava a um passo de desistir. De insistir. E ela estava a um passo de mandá-lo ir à merda. Ele e todos os Wesleys que a sobrecarregavam de insistências. Ela não podia simplesmente deitar no colchão puído da cama de Ronald e chorar. Não. Não podia.
Não podia por que isso deixava Molly ainda mais depressiva. Não podia por que Artur estava envelhecendo a cada dia. Não podia por que ela era Hermione Granger, e se fraquejasse daquela maneira, afundaria a todos com ela e ela não podia ser tão egoísta. Ela não.
Perdeu um ano de escola e agora não conversava com quase ninguém e de certa forma, preferia. Não ter de receber pêsames pelo noivo falecido era de certa forma reconfortante. Podia simplesmente imaginá-lo perto. Fingir que ele não tinha aparecido na aula e chorar apenas quando ele não a esperava na sala comum à noite. Mas não chorava tanto. Só às vezes quando a saudade era muita. Um ano chorando fez com que suas lagrimas ficassem escassas e amargas. Todos estavam seguindo suas vidas e ela perdera muito.
Perdera o casamento de Harry e Gina há um mês. Perdera o nascimento do filho de seu ex-cunhado. Perdera a festa de vitoria do lado da luz, como chamavam popularmente a derrota de Voldemort. Perdera-se em tristeza e nada voltaria. Não pra ela.
A sala vermelha e dourada estava aquecida, pelo menos esquentaria os ossos doloridos do frio anormal que a consumia. Rony era quente. O cabelo cor de fogo, os olhos cor de céu em dia de verão, o sorriso de felicidade. E doía. Doía lembrá-lo.
O vento horrível da torre não o lembrava. Ia muito lá. Era um dos poucos lugares que não tinha nada dele. Nada de bonito. Nada de colorido. Apenas neve sem cor e sem calor. Ao menos não se lembrava de nada.
O dia cinzento amanheceu chuvoso, cinza escuro; mais mesmo assim as aulas não foram canceladas. Desceu para o desjejum com a melancolia de sempre. Sentou-se no lugar de sempre. E quase que mecanicamente serviu os amigos antes de si. Não tinha ninguém ao seu lado. Olhou em volta pela primeira vez desde que voltara para escola e percebeu que alguns rostos eram familiares, mais velhos, mais duros. A guerra fazia isso. E quase a sua frente numa outra mesa estava um rosto muito familiar. Arrepiou-se. Não se lembrava de Malfoy e ele estava sentado sozinho na mesa da Sonserina. Lembrou-se da tarde anterior que o encontrara, mas estava tão alheia ao mundo que havia se esquecido. O que ele estava fazendo lá? Não importava a resposta, não deveria importar ao menos já que nada mais importava, mas vê-lo sozinho era intrigante. Não soube noticias dele por um bom tempo alias não soube de nada por um bom tempo.
A aula de poções era tão fácil quanto as outras e fazer qualquer coisa era entediante e o tédio a fez olhar para as paredes de pedra escura da sala e no canto perto da porta lateral estava ele de novo. Será que realmente ele já estava ali ou tinha acabado de chegar? Estreitou os olhos. Malfoy estava estranho, diferente, duro. Passou as próximas aulas analisando quais ele estava e o que fazia. Não estava curiosa, apenas intrigada. Conspiratoriamente ele estava em todas as aulas que ela. Todas. E agora já não era apenas intrigante, era preocupante. O que ele queria com ela? A torre não devia ser apenas coincidência, as aulas muito menos. Atravessou o corredor cautelosa e ele estava lá, há alguns passos dela, seguindo-a. Apressou-se e entrou no salão principal quase correndo, não percebendo algumas cabeças que balançavam negativamente para ela. Sentou-se tremente e esperou Malfoy sentar-se na mesa ante a ela. Observou como ele disfarçava pra não olhá-la. Como ele fingia que não estava vendo-a. Como ele comia despreocupadamente e então percebeu a comida diante de si. Ela tinha que ficar de olho. Tinha que saber quando e como ele a seguia.
Tentou comer mais rápido, mas como tinha que espreitá-lo não conseguiu terminar e observou ele levantando e se retirando. Talvez fosse uma tática para esperá-la em algum lugar. Algum corredor. Levantou quando um grupo de grifinórios passou pelas portas e se dirigiu para sala comum. Andava atrás deles, olhando para os lados incessantemente. Malfoy não a surpreenderia. Passou a noite insone, perguntando-se o porquê dele a estar seguindo.
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Na manhã seguinte não foi para o café e antes que este terminasse, esperou na escada e confirmou suas suspeitas, Malfoy não saíra e isso significava que ele não foi por que ela não fôra.
- Granger eu não serei tão tolerante se você não parar de me seguir. – A voz cortante atrás dela, fez com que tremesse.
- É você quem esta me seguindo Malfoy e eu exijo saber o porquê. – Virou-se tremula e enfrentou-o enérgica, mesmo que falasse baixo.
- Todo mundo sabe que você ficou louca garota, mas não tenho nada haver com isso. – Cuspiu as palavras com raiva e deixou-a furiosa.
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Assim que acabaram as aulas do dia, correu para a Torre e sentou-se encolhida atrás do relógio antigo. Não se incomodou com o chão úmido, na verdade nem notou; apenas ouvia atentamente qualquer som de passos que aparecesse. E apareceram. Ouviu quando se tornaram mais próximos e encolheu-se mais. Malfoy a mataria, ela sabia.
Os passos pararam e ela se esgueirou pelo outro lado para vê-lo, não seria um cordeiro fácil de abater. Rastejou e o viu. Estava estranho, certamente disfarçando para enganá-la. Olhava a neve caindo como se estivesse paralisado. Não entendia. Por que ele estava esperando? Saiu de onde estava.
- Faça logo. – Malfoy assustou-se e fuzilou-a com o olhar. Não ligou. Continuou ameaçando. – Anda Malfoy, faça o veio fazer ou vai embora e me deixe em paz. - Draco estreitou os olhos.
- E o que eu vim fazer aqui, sangue ruim? – Perguntou irritado e divertido. Ouvia o que falavam dela.
- Você veio me matar, então faça logo. – Um mínimo sorriso ameaçou sair dos lábios pálidos.
- Não acho que você seja importante a ponto de ter que morrer de hipotermia só pra te matar. – Sorriu debochado da confusão da castanha. Hermione o encarou após um tempo e sibilou raivosa.
- Você é patético Malfoy.
- E você é louca Granger. – Não esperava a reação que a castanha teve as palavras dele.
- Eu não sou louca seu bastardo, comensal, maldito. – Avançou sobre ele tentando em vão atingi-lo com o punho fechado. – Não me chame de louca, você não tem direito.
Draco a segurou pelos pulsos, se esquivando dos chutes até que cansou e torceu-a segurando contra ele com força.
- Como você não está louca com essa reação. Se não parar eu vou te azarar. – Segurou-a até ela parar de se debater e arregalar os olhos como se tivesse visto um fantasma.
Assim que Draco a soltou, ela encolheu-se no chão abraçando os joelhos contra si. Ficou apreensivo por um instante achando talvez que tivesse a machucado. Ela resmungava baixo e balançava a cabeça.
- Granger? – Chamou cauteloso.
- Não fala comigo. – Ela apertava-se e balançava o corpo pra frente e pra trás parecendo débil. – Me deixa em paz Malfoy, me deixa em paz. – A voz soava perdida, distante do mundo.
Draco observou por um tempo consternado. Não era seu problema e não se envolveria, mas era no mínimo estranho ver a sabe tudo tão louca.
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O dia seguinte evitou cruzar com ela fora das aulas e impreterivelmente no final delas, subiu silenciosamente para encontrá-la no mesmo canto frio e úmido da Torre de astronomia. Ela deveria ir lá sempre e ele nunca havia percebido. E mais estranho que parecia que ninguém se importava com o estado alucinado dela. Ela assistia às aulas, fazia as refeições e ainda assim parecia morta. Não podia ser pela morte do Wesley, ninguém sofreria tanto por outra pessoa. Ou sofreria? Leu a noticia a tanto tempo.
Lembrou-se involuntariamente de Narcisa e sentiu raiva. Raiva dela e da morta viva que se embalava sobre os joelhos diante dele. Não era seu problema.
(...)
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Hermione evitava olhar para Draco. Mesmo sabendo que ele estava a apenas algumas cadeiras de distancia, por que tinha que evitar os olhos. E lembrava-se de Rony. E torturava-se ainda mais.
Estar no castelo estava deixando-a ainda mais doente e enfrentar Malfoy não ajudou muito. Sentiu um calafrio, uma primitiva advertência de perigo ao cravar os olhos nele quando a segurou. Era tão alto quanto seu Rony e embora parecesse mais magro, não o tornava menos intimidador menos predador e evitá-lo-ia ao máximo. E evitaria o que sentiu ao máximo também.
(...)
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Uma semana inteira e Draco deixou de ir a Torre, sentou na ponta da mesa do refeitório e deixou de se incomodar com a louca da Granger. Tinha seu próprio tédio para cumprir e ele era melhor que problemas alheios. E Granger parecia cada vez mais morta.
Não estava tão frio. A neve estiara e felizmente podia andar fora do castelo, podia procurar outro lugar isolado longe das fofocas que sabia que rolava em torno do seu nome; afinal um Malfoy sem herança dava muito o que falar entre os arrogantes sonserinos. Embora ninguém ousasse falar perto dele, ainda sim queria evitá-los e entre as estufas era o lugar perfeito pra se isolar. Um jardim cercado com dois bancos largos. Isolado. Perfeito.
Sentou-se e abriu um livro na pagina marcada, regozijando-se do silencio reconfortante. Ali era seu lugar. Desviou-se do livro para encarar uma Hermione vermelha e ofegante o olhando com um misto de decepção e surpresa. Draco bufou.
- Não cansou de me seguir Granger? – sibilou.
- Eu vi os passos e achei... pensei... esquece. – Virou para sair.
- Louca. – Não teve tempo de pará-la antes que pressionasse a varinha contra seu pescoço.
- Não me chame de louca novamente Malfoy senão eu acabo com você. Juro que acabo Malfoy. – Draco desarmou-a quando viu os olhos castanhos encará-lo e encherem-se de lagrimas, desfocados.
Derrubou-a sentada no banco em que estava antes e jogou sua varinha nos arbustos. Afastou-se indignado.
- Nunca mais faça isso Granger. Não ouse me ameaçar senão conseguira o que deseja. – Encarava-a furioso e prosseguiu depois do olhar perdido que ela devolveu. – Não é o que quer, morrer como o Wesley? – Cuspiu um filete de sangue junto com a saliva por ter mordido a parte interna quando ela avançou.
Hermione remoeu as palavras dele antes de responder angustiada.
- Eu não quero morrer. Rony não iria querer isso de mim. – A voz ficou mais baixa e embargada. – Eu só não sei mais como viver. – Estava débil de novo e Draco não queria repudiar. Não precisava já que ela não o estava provocando e a sinceridade gratuita dela o deixou confuso. Mal sabia o que estava fazendo, e talvez nem se desse conta que estivesse falando justo para ele.
Draco sentou no banco em frente a ela e ficaram por um tempo em silencio até que ele voltou a ler e ela abraçou os joelhos se embalando. A luz do dia diminuiu e Draco levantou-se para entrar. Hermione não se moveu, desfocada do mundo e ele queria não se importar, mas deixá-la ali era o mesmo que sentenciá-la a morrer de frio.
- Granger? – A voz exaltada e dura a assustou. – Você não vem?
Ela apenas levantou-se e o seguiu para dentro. Ambos em seus silêncios reconfortantes. Ambos em suas similaridades. Ambos sozinhos.
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E nos dias que se seguiram ambos foram para o mesmo jardim. Ambos continuaram em silencio até que Draco impacientou-se.
- Granger, por que não gosta que a chamem de louca? Afinal você não parece perfeitamente normal. – Estava cansado daquela letargia e embora corresse o risco dela não voltar mais, queria provocá-la. Era Slytherin afinal e não gostava da rotina de bom moço. Surpreendentemente ela respondeu calma.
- Por que Rony me chamava assim. – Draco levantou a sobrancelha abismado. Ela não notou. – Sempre que mandava ele e Harry estudar ou tentava fazê-los se concentrarem em algo que não fosse quadriboll ou xadrez ele me chamava de louca. – Encarou-o. – Pode parecer loucura, mas era dele.
- Parecia muito atencioso da parte dele. Muito romântico.
- Você não entenderia. – Hermione balançou a cabeça e voltou a olhar pro céu cinza e pesado. Estava transtornada por que o inverno estava passando e quase não nevava mais. Já se via a grama rasteira em alguns pontos da neve descongelada. – Logo não haverá mais neve.
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Era estranho conversar civilizadamente com ela. Era estranho conversar de novo, já que passava a maior parte do tempo sozinho; e não estava muito disposto embora ficasse curioso. Continuou pela curiosidade. Olhou para onde ela olhava.
- Gosta da neve Granger? – Ela não respondeu e Draco olhou para ela que continuava perdida na mesma posição. Provocou. – Wesley gostava da neve? – Ela remexeu-se incomodada.
- Não. – Sentou-se reta e olhou para ele não falando mais.
- Então está esperando a primavera. – Não era uma pergunta. Só expôs uma constatação chata.
- Não. É complicado. – Draco irritou-se.
- Não que me interesse Granger, mas não sou nenhum grifinório ignorante. - Ela irritou-se pela comparação. Ficaram em silencio novamente enquanto ela gesticulava e conversava com si mesma. Draco observou discretamente até a voz dela se tornar audível.
- Você não entenderia por que nunca passou por isso Malfoy e é difícil explicar.
- Tente se não for muito chato e longo. – Hermione riu soprado e ele a olhou de novo. Nunca a vira rindo desde que começaram isso. Esse "silencio".
Não respondeu e Draco levantou-se e rumou para fora do jardim oculto, tendo os olhos castanhos fixos nele. Era a primeira vez que ele não a chamava e ela o seguiu transtornada. Draco não foi para o castelo e Hermione o seguia a distancia, cautelosa, averiguando onde ele estava indo antes de se aproximar. Draco parou sobre o lago congelado e apertou o casaco pesado de inverno contra si. Sabia que ela o observava e estava atento a seus movimentos. Hermione tremeu quando o viu parar. Não podia continuar. Não no lago. E olhou em volta perdida. Sentou-se na neve sentindo-se congelar e ficou observando de longe angustiada. Talvez quando ele passasse por ela a chamasse para entrar.
Ele passou, entrou no castelo e ela continuou lá. Continuou até o casaco molhado atingir-lhe as costas e a luz do dia escurecer.
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Não voltou no dia seguinte. E nem no outro e no outro e Draco sabia onde ela estava, mas estava bem no seu silencio. E voltou a vê-la numa tarde chuvosa quando não pode ir pro seu jardim. A Torre parecia menos familiar, escura e ela estava lá. Pior. Não se importou em começar a falar, pois de certa forma sentia raiva por tê-lo abandonado. Estar perto da louca o fazia sentir-se normal.
- Se escondendo Granger? – Escorou num pilar de frente a ela. Hermione levantou a cabeça e o olhou confusa, desfocada. Draco a encarou assombrado. Estava horrível, muito pior. Pálida com olheiras escuras e fundas. Não a havia visto nas refeições e agora soube que não devia estar comendo. – Ou não. – Ele insistiu para ao menos ter uma reação. - Você deve estar tentando morrer. Está conseguindo, pode acreditar.
Voltou a abaixar a cabeça e começou seu ritmo de vai e vem deixando-o furioso. Extinguiu a distancia e segurou-a pelo braço fazendo-a ficar de pé e encará-lo, parecendo que só agora o notara. Arrastou-a até o salão principal, não se incomodando com algumas cabeças que viravam em sua direção. Colocou Granger na mesa da Grifinória e sentou-se do outro lado. Que se fodesse o protocolo ou os comentários que haveria depois.
- Se você não comer, vou te obrigar Granger e você não vai gostar. – Ela ainda o olhava espantada, mas só abriu a boca para colocar a sopa que estava na sua frente. E depois de um tempo comendo sob o olhar feroz dele, sorriu. E não parecia mais tão morta como antes.
Malfoy estava com raiva, com muita raiva, mas a maior parcela era dele mesmo. Dele por se importar e tomar aquela atitude impulsiva e lembrar-se de Narcisa antes de morrer, e lembra-se que "Nem tudo é branco ou preto, é tudo uma infinidade de matizes cinza."
Que se fodesse o cinza. Granger estava tão branca que se odiou ainda mais por notar. "Tem que averiguar o porquê das coisas, não só confiar no que vê."
O sorriso de Hermione confirmou o que não queria ver. Ela precisava dele. Porra. Não queria se preocupar. Não era seu problema, repetia isso como um mantra em sua cabeça. Terminou de comer e colocou os braços sobre as pernas esperando, como uma criança de cinco anos esperando permissão para retirar-se. Draco levantou e chamou-a. Andaram até as escadas e ela continuou como sempre fazia num determinado ponto, cada um simplesmente ia para seus caminhos. E ela foi, e comeu e parecia ter estado faminta. E a cabeça do louro estava a mil. O que acontecia com ela? Descobriria e se livraria de uma vez desse transtorno. Queria se ver livre o quanto antes e terminar o ano exigido para reaver suas coisas e sumir. Ali não era mais seu lugar, o nome dos Malfoys não exibia o poder de antes. Iria para Bulgária ou outro lugar em que não houvesse mancha nem passado.
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Ela parecia normal hoje. Olhava-a discretamente na aula de aritmancia. Não tinha tantas olheiras, não parecia desfocada. Mas ainda era estranho esse comportamento. Subiu na Torre logo que as aulas terminaram e se surpreendeu que ela já estivesse lá. Não no lugar de sempre, mas escorada no pilar em que ele estava no dia anterior e antes dele se aproximar ela falou.
- A neve esta derretendo rápido, logo tudo volta a ficar tão colorido. – Draco a olhou interessado. Ela estava diferente.
- Você gosta das cores não gosta Granger? – Perguntou displicente como se isso fosse normal pra ele. Ela ponderou um instante.
- Prefiro o inverno agora. Não que o ache bonito, mas prefiro. – Olhou para o branco e não percebeu quando ele se aproximou. Ficou incomodada com ele ao seu lado e começou a andar para afastar-se um pouco.
- E deve ser complicado pra falar? – Draco retrucou debochando da dificuldade dela. Ela riu. Raro. Era o primeiro sorriso autentico que ele via. Não mínimo, mas um pouco envergonhado. Ela abaixou a cabeça e depois o encarou.
- Talvez agora eu aprecie as coisas que não me deixem triste. – A voz diminuiu. – Que não me fazem lembrar de ... – Levantou os ombros. – Sei lá, é complicado. – Riu novamente.
Draco analisou a resposta.
- Não gosta do lago? – Ela negou com a cabeça. – Te faz lembrar? – Ela afirmou com a cabeça. – Que mais te faz lembrar Granger? – Ela deu de ombros e continuou andando e parou na murada de costas para ele.
- Muitas coisas, aliás, quase tudo. – Olhava fixamente para o lago deserto pela garoa fina que caía. Nenhum aluno saia do castelo nesse tempo. Draco a analisava cientificamente, como se ela fosse um bichinho frágil e quebradiço. Incoerente. Justo a uma das que sempre detestou era alvo de seu interesse agora. Deveria estar louco também e talvez se apegasse a isso para continuar ali conversando com ela. E talvez também por que ela era desejável. A fragilidade, a insanidade, era tudo tão diferente pra ele. Tão interessante. Tão pouco programado.
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Sempre teve sua vida programada por ser um Malfoy. Desde as atitudes, as amizades, as namoradas. Até seu relacionamento com Pansy fora programado. E agora tinha algo absolutamente inconstante nas mãos e estava apreciando. Aproximou-se novamente, dessa vez parando atrás dela e viu o exato momento em que os pêlos da nuca exposta num coque mal feito, arrepiaram e ela saiu de perto. Então era por isso que ela não ficava perto dele. Muito interessante.
Não era bom que ficasse perto de Malfoy e muito menos longe. Ele a completava de alguma maneira. Tudo ali lembrava Rony, menos ele. Ouvia o riso do ex noivo em quase todos os lugares, menos quando Malfoy falava. Sentia o corpo e a mente anestesiada, menos quando Malfoy chegava perto, e isso tinha que evitar a todo custo. Não era certo.
- Eu o lembro Granger?
- Não Malfoy e é por isso que estou aqui. – Não se sentia frágil e nem com vontade de chorar. Fora direta. Alias sentia-se próxima de sua vida normal perto dele. Gostava de desafiá-lo.
Draco estreitou os olhos e arriscou-se divertido.
- Talvez devêssemos experimentar algumas coisas diferentes Granger, que não a faça lembrá-lo. – Insinuou com uma malicia implícita, que ela percebeu e gargalhou. Isso era absolutamente inédito pra ele.
- Você não acha que Rony e eu nunca... – Seu semblante mudou, fechou. – Já está tarde, vamos? – Malfoy acenou afirmativamente, percebendo que dera um passo em falso com ela. Não podia avançar muito, nem forçá-la. Estava frágil demais.
(...)
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Não se viram no dia seguinte e ela não apareceu à noite. Draco estava irritado e reclamou com cada um que entrava no quarto e fazia barulho. Se ela tivesse outra recaída, jurou que não a veria mais.
O sábado quase morno amanheceu tranqüilo e finalmente estaria livre quando todos os alunos iriam para Hogsmead. Desconfiou que ela não fosse, já que o trio nunca perdia um final de semana lá. Lembranças. E estava certo quando adentrou o jardim oculto, Granger estava deitada displicentemente no banco.
Draco aproximou-se furtivamente e parou perto dela, analisando-a. A blusa de malha grossa ocultava seu pescoço, mas não seus contornos; e o Jens escuro e justo evidenciava tudo. Excitou-se por vê-la assim, sem uniforme. Não estava definitivamente calor para ele estar suando e muito menos para o que ouviu.
- Me admirando? – Abriu os olhos a tempo de ver o loiro corar. Ela sabia que estava ali e não desviaria o olhar demonstrando seu desconcerto, falou divertido.
- Talvez sim, você não é de se jogar fora Granger. – A castanha gargalhou e se sentou.
- Desculpe por não ter ido ontem. – Draco fez que não entendera e ela continuou. – A torre de Astronomia.
- Você não foi? Que bom, pois dormi cedo e você não tem que me dar satisfações de qualquer modo. – Não assumiria que ficara esperando por ela, e quase tinha se esquecido quando a viu deitada. Até ela falar e irritou-se agora ao lembrar.
Hermione tentou disfarçar a decepção. Não esperava essa resposta, estava disposta a se desculpar por ficar presa numa conversa com a diretora até tarde. Não estava acostumada a ser ignorada. Sempre tinha alguém para escutá-la e agora só tinha ele e ele não entendia.
- Está indo pra Hogsmead? – Mudou para um assunto neutro. Draco negou.
- Não estou afim, mesmo lugar, mesmas pessoas. - Ele disse com simplicidade.
- E aqui não? – Arqueou a sobrancelha pra ele e apontou para o jardim e depois pra ela dizendo. – Mesmo lugar, mesma pessoa. – Ela estava tão normal e essa normalidade o agradava e muito.
Sorriu e arrependeu-se pelo semblante malicioso dele.
- Na verdade Granger, estou a ponto de experimentar se é a mesma pessoa mesmo. – O olhou perdida quando ele sentou-se do lado dela, segurando o braço para que ela não saísse como instintivamente ameaçara. Hermione tremeu com a proximidade. – Eu quero saber Granger, e você também quer. – Colocou a mão que não a segurava em sua nuca, a puxando calmamente para ele e analisando sua reação.
- Não o faça. — sussurrou a jovem quando seus lábios estavam a um fôlego dos seus.
Os olhos marejaram e Draco constatou que era tristeza, embora sentisse que ela também o desejava. Talvez fosse o modo? Talvez estivesse sendo delicado e isso lembrava Wesley.
- Beije-me. Está desejando. Os dois desejamos. - Estava falando contra seus lábios e ela os separou involuntariamente. Suas mãos se aferraram à cintura masculina, enquanto algo em seu interior palpitava com desejo, com ânsia.
- Já basta. – Empurrou-o, mas ele a atraiu para si, e antes que ela pudesse reagir novamente, antes que pudesse escapar, os lábios de Draco posaram sobre os seus, cobrindo-os e separando-os sem delicadeza, até que ela se sentiu perdida.
O beijo fez com que vibrasse em lugares que não sabia que pudessem vibrar e se sentiu invadida por algo estranho, dominante e possessivo. Diferente. Ao cabo de alguns segundos, Draco a empurrou contra o banco e elevou-se sobre seu corpo, lhe introduzindo a língua na boca enquanto a castanha ouvia seu próprio gemido, mescla de medo e um entristecedor prazer.
- Isto é o que quer, eu sei Hermione. – Usara o nome dela num sussurro malicioso, mas sem intimidade para não assustá-la e a acusou levantando a cabeça de repente, com a luxúria flamejando em seus olhos e fazendo com que o sangue ardesse nas veias femininas. - Quer isto? Assim, quente e descontrolado para não lembrar-se de mais nada. – Queria estar no domínio do próprio controle, mas estava à mercê do próprio prazer. Vitima de sua própria emboscada e o digno intento de não assustá-la, falhou miseravelmente.
O olhar de Hermione se cravou no dele com surpresa. O prazer a atravessava; o estranho poder daquele beijo dominante tinha despertado algo que ela não queria admitir. Algo para o qual não estava preparada, e lembrar-se disto a fez congelar. Empurrou-o lentamente e dessa vez ele cedeu.
Hermione levantou-se e saiu. Sozinha. Não irritada ou magoada, disto Draco tinha certeza. Confusa e amedrontada talvez. Xingou-se mentalmente pelo novo deslize, e justo quando estava avançando terreno. Imprudente. Teria que controlar-se perto dela se tivesse outra chance, sua sexualidade predadora teria que ser disfarçada e sorriu ao imaginar coisa parecida. Fazia tempo que uma mulher não o deixava assim.
(...)
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- Vai me evitar até quando? – Procurou-a em "seus" dois lugares preferidos e ela não aparecera. Nem na aula do dia seguinte e nem à noite. Só existia um lugar onde se isolar em Hogwarts.
- Não estou te evitando, só me senti disposta para estudar. – A mentira gritava na voz dela. Não o olhou, virou a pagina do grosso livro que parecia ler. Insegura mas estável. Draco sentou-se, observou-a por alguns instantes e estreitou os olhos. O sarcasmo dançou em sua língua. Tinha que perguntar.
- A biblioteca não te faz lembrar? H-e-r-m-i-o-n-e. – Observou ela remexer-se incomodada, não sabia se pela pergunta ou pela pronuncia pausada do seu nome ou ainda pelo tom acusador. Ela inspirou.
- Malfoy... –Expirou e a boca abriu e fechou sem som. Não sabia o que falar.
- Esse é meu nome. – O encarou desconcertada. Os olhos estavam tão azuis.
- Isto é loucura. – Exasperou-se.
- Então você quer que eu saia Granger? – Viu o medo atormentar os olhos castanhos. – Eu posso sair e nunca mais falar com você. – Ela apertou a mão nervosa. Odiava sentir-se dependente, mas apenas por estar ali sozinha; já estava aturdida. Tentava corajosamente superar-se, e em duas horas e meia não virara uma pagina do livro que supostamente lia. Tudo lhe lembrava o passado. Draco não estava seguro o suficiente de que estivesse agindo certo, mas não podia amolecer agora. Ela não precisava de alguém 'fraco' perto dela. Ela já estava fraca demais.
- Malfoy... – A voz soara quase chorosa. Estava tão indefesa. Tão angustiada. Tão perdida sem ele. Draco levantou-se e ela esticou-se para segurar-lhe o pulso mais próximo. – O que você quer então? – Ele a olhou desentendido. – Pra ficar. – Ela não estava envergonhada, parecia ansiosa e ele ainda encarou-a por um momento antes de vira-se completamente pra ela de novo.
Draco esticou o outro braço e alcançou um livro na prateleira, sentando-se confortavelmente ante ela.
- Quero ler também. – Sorriu. Simples. Meio sorriso, meia verdade.
Ela olhou para a mão que ainda o segurava e soltou sem graça. Ainda parecia desorientada por um momento ate se convencer que ele era sincero. Relaxou e voltou para seu livro e finalmente começou a ler.
Ler com Malfoy era diferente, e as diferenças importavam. Mais do que tudo no momento...
Continua...
