"Tenho pensado constantemente em você.
Mesmo procurando motivos para não, ocupando-me com tudo o que me é necessário e possível, ainda assim, sua presença permeia minha lembrança apenas me assombrar e invadir minha visão em qualquer tarefa, em cada intervalo.
Tenho pensado em como está sua vida, o que anda fazendo, que novidades me contaria, em quanto tempo não nos vemos...
Tenho pensado constantemente em você.
Em nós.
Sobre como sinto sua falta.
Ou sobre como sinto falta do que nunca serei para você.
E sobre como não há outro culpado além mim.
Sobre como sou covarde com você e sobre como sou covarde.
Me custa confrontar essa perspectiva de admitir que sinto sua falta, pois ao admiti-las admitiria minha fraqueza ao considerá-lo alguém importante e insubstituível.
Meu grande dilema: voc isso muito me custa.
Custa meu orgulho, noites insones, custa a relação que prezo entre nós, sua proximidade, sua amizade.
Então me zango comigo por tudo aquilo que não posso controlar e o alvo de minha frustração toma a sua forma. Falam tão alto, os sentimentos, reverberam, machucam o peito, falta-me o ar, corrói em silêncio minha sanidade e no alto de meu desespero te ataco covardemente, te empurro para longe, certificando-me de que nunca mais voltará, que não ultrapassará aquela margem segura.
No fim tudo o que me resta é observar em meio aos estilhaços
Com a satisfação de quem vence uma batalha amarga, os ferimentos que te causei serviram ao propósito te fazendo partir e com satisfação um pouco maior por saber que não se voltará para olhar e assim continuar sem saber que os estilhaços que te feriram também me fazem sangrar.
Desta forma novamente eu caio, lentamente mergulho na solidão da ausência, lentamente mato o que restou de você e dos destroços reconstruo uma nova parede de vidro que o proteja de mim.
Ou talvez que me proteja de você... Em vão.
Pois de longe anseio pelo dia em que serei capaz de abrir uma fenda nesta parede de gelo por você, o desejo me queima, mas o muro não.
Dentro, bem no fundo, o egoísta em mim continua desejando, que de alguma forma compreendesse, que aceitasse, que esperasse ao meu lado o dia em que seria capaz de fazê-lo, se fosse capaz de fazê-lo, ainda sabendo que isso apenas iria feri-lo.
Enquanto penso o tempo passa para nós, sua e minha vida continuam, a sua sem a minha e eu...
Enquanto isso você cresce e eu não poderia estar mais orgulhoso de quem você é.
Enquanto isso você vive, se aventura, se apaixona, e eu me apaixono pelos seus amores, me contento com a sua felicidade, eu me quebro com as suas quedas, me revolto com as causas de seus problemas, me entristeço com sua tristeza e me permito apenas estar por perto para secar suas lágrimas.
Apenas dessa forma posso remediar a sua falta.
Por que apenas provo o gosto dessa saudade e a ternura de te querer bem com a sua ausência?
Por que só sei te amar à distancia?
Quisera eu ser como você, sentir como você, amar como você... sem medos e sem reservas, mas temo, eu nunca saberei e para sempre temerei.
Quisera que fosse este um sentimento gentil e tudo seria tão mais fácil.
E está é a razão pela qual me acovardo frente a você, ainda que você nunca perceba, esta é a razão pela qual me recolho ao silêncio, aos sorrisos de empatia, aos comentários de entusiasmo sobre tuas aventuras, disfarçando o anelo de que pudera estar ali ao teu lado.
Admirável covarde que sou e que serei sempre, por detrás da mascara de equilíbrio e auto controle.
E então, por que pensar sobre isso de novo e de novo? Quando ainda que se repitam nesse ciclo infinito sem nunca encontrar a solução e nem levar a lugar algum?
Para que continuar desejando isso que desejo tanto apagar?
Para que continuar com sentimentos que nunca verão a superfície?..."
- Então, como se não bastasse, tive de cuidar dele pelo resto da noite e ainda carregá-lo para casa! – disse o Milo rindo com um cômico tom de revolta – Que droga! Estragou minha noite aquele leão bêbado.
- Chegaram à salvo ao menos?
- Se a salvo desconsiderar os hematomas das quedas, sim.
Desta vez foi Camus quem riu, o calmo e contido riso. Milo o observou longamente enquanto aquele segundo se prolongou sob seus olhos azuis
- Mas então, você tinha algo para me entregar! O que era?
- Tinha?
- Claro que tinha! Foi por isso que me chamou aqui!
- Ah! Me perdoe, mas não consigo lembrar o que era.
O loiro o encarou por mais alguns segundos as sobrancelhas muito arqueadas resultando num sorriso no canto de seus lábios finos.
- Sei!... claro Camus, de novo! Que conveniente!
O ruivo não respondeu à provocação, mas se limitou a apoiar o rosto sobre a mão e olhar para fora com um mesmo sorriso que o loiro. Este se apoiou no balcão rindo zombeteiro.
- Por que não admite logo francês? Era só uma desculpa esfarrapada para me ver.
- Certamente! Ou você não percebeu ainda? Eu não consigo viver sem você.
Respondeu com um tom inexpressivo, tanto quanto seu próprio rosto ao encarar os olhos azuis e como no siso, os olhares se apartaram quando o Escorpião explodiu em riso.
Camus sorriu também apertando os olhos para sua própria bebida. Recebeu um amigável tapa nas costas e o comentário que enterrou novamente aquele assunto.
- Idiota!
"...Por fim, para que tentar transcrever a dimensão desse sentimento num papel que jamais será lido?"
Fechou os olhos por um momento balançando-a negativamente para então forçar-se a esquecer da existência daquele incomodo papel em seu bolso virando de uma só vez toda a bebida em seu copo.
- Ei! Vá com calma! Não quero ter de carregar você para casa também.
- Quieto peçonhento!
