Comentários:

# Bem essa fic é na verdade uma side-story da minha fic Ananké que eu nunca publiquei e nem sei se algum dia vou publicar. Mas ela pode ser lida independente sem problemas. Como eu tenho um carinho muito especial, especialmente pelos primeiros capítulos e ela estava aqui abandonada nos meus arquivos, resolvi publicar. Isso adicionado a um súbito impulso de reler várias fics antigas de Mu x Shaka.

# Os capítulos referentes ao nascimento foram escritos em 2007, e a maior parte do restante da fic foi escrito em 2004. É muito, muito antigo, então vou revisar tudo com cuidado antes de publicar.

# Havia algumas coisas que eu não quis explicitar mais nela para não dar spoiler da Ananké, mas uma vez que eu não imagino que a mesma vá para o ar eu vou colocar aqui direitinho, não sei se dá para explicar todos os porquês, mas vou tentar.

# Tinha um comentário dizendo que ela estava inspirada na Tempestade da Senhorita Mizuki, mas confesso que olhando agora não vejo tanto isso. Provavelmente é pelo fato dela narrar desde a infância dos cavaleiros, e acredito que alguns fatos possam ter tido inspiração dela sim, mesmo porque é a melhor fic da infância deles que já li.

Avisos:

Par principal: Mu e Shaka; 'Par' secundário: Aioros, Saga e Kanon;

Conteúdo: Yaoi, Angst, Slash, NC-17, Twincest, Threesome;

Timeline: não está bem definido se baseado no anime ou no mangá, como tem diferenças eu especificarei as referências se necessário.

Saint Seiya não me pertence, eu não ganho nada com isso. É apenas um trabalho de fã para fãns.

Resumo: Na vida, o controle é apenas uma ilusão, uma mentira, um blefe para aqueles que pouco entendem das forças que comandam mundo. Ainda sim, eu tenho um desejo, algo que não me é permitido. Está além da minha vontade, do meu alcance, pois de tudo está a vontade dos deuses e a missão a qual fomos destinados.


Destinados

Cresci e aprendi:
"Somos parte do todo,
Do início e do fim...
Tudo somos nós,
Nós somos tudo."

Não deveria, então,
Haver preocupação...
Sou o que sou,
Sou o que fui,
Sou o que serei...

Entretanto, são tantas
as coisas que não entendo...
Vivo e não compreendo.
Isso é porque nem sei de onde vim?
Quem foi tu que me deixaste aqui?

01 - A décima segunda estrela

As ruínas, que um dia foram fabulosas construções, soerguiam-se como fantasmas poeirentos em sua visão escurecida pela dor. Não havia luz alguma naquele fim de madrugada; tão pouco viva alma que testemunhasse a sua sôfrega passagem por aqueles caminhos de terra e pedra, abandonados e quase esquecidos pelas pessoas deste mundo. A cada sacudida da carroça, suprimia com esforço os gemidos de dor. Puxou as rédeas diminuindo o ritmo dos cavalos, quase não suportando os solavancos. Com esforço endireitou-se no banco vendo finalmente, onde as ruínas e colunas desapareciam, surgia a forte construção que ela procurava. Apesar da escuridão, seus aguçados olhos podiam distinguir perfeitamente as muralhas e o Portão Santo[1].

Os dois imponentes cavalos malhados andavam pela ruela de pedra, moderando seus passos e sua ansiedade; puxando a purpúrea carroça, que naquela madrugada parecia ser cinzenta, como cinzas de restos de fogueira. Suave, a brisa soprava sutil, querendo dar força ao cortejo incitando-o. Ao passar, as rodas rústicas de madeira da carruagem deixavam sobre as pedras poeirentas pequenas gotas de orvalho.

Mesmo ao se aproximar do portão os cavalos não diminuíram o passo, ainda que ele estivesse cerrado. O silêncio circundava a carroça como uma bolha densa e pesada. Os sentinelas nas torres laterais a olhavam com dúvida, um tanto enfeitiçados, decidindo se deviam ou não mexer-se. Seus olhos fixaram-se no portão imóvel. Ela respirou profundamente e ao soltar o ar carregou sua voz sussurrante e falhada palavras indistinguíveis de um feitiço. Aqueles sons se misturaram ao vento e a gélida brisa que a acompanhava, fortificando-os e incitando-os a se projetarem contra o pesado portão empurrando-o; as dobradiças rangeram, e a viga que lhe servia de trinco partiu-se como um graveto.

Incertos sobre o que fazer, ainda em transe causado por aquele som divinal, os guardas só puderam admirá-la, enquanto os cavalos seguiam na direção das casas douradas. A carruagem já estava fora de vista quando um deles acordou para dar o alarme.

Naquela madrugada escura o Portão Santo, do sagrado Santuário de Athena, fora arrombado pela úmida brisa da manhã, oferecendo passagem a uma misteriosa mulher, sozinha e debilitada.

Não era a primeira vez que passava por aquilo, nem seria a última, mas era-lhe sempre uma dolorosa surpresa quando acontecia. Não entendia o motivo de ter vindo justo ali para dar fim ao seu sofrimento. Fora puro instinto procurar pelo santuário daquela deusa que nada tinha a ver com ela.

No fim haveria uma razão, mais cedo ou mais tarde ela saberia...

Os cavalos chegaram a grande escadaria que levava às casas santas. A movimentos lentos levantou-se do assento, derrubando no chão seu cajado-símbolo. Apoiou uma das mãos sob a barriga protuberante como para dar-lhe apoio. A madrugada estava terminando e tudo estava terrivelmente silencioso; ao longe o sino de alarme soou, mas ninguém apareceu para ajudá-la ou impedi-la. Deu alguns passos até um dos cavalos malhados, o que estava mais próximo, e soltou-lhe os arreios multicoloridos. O animal abaixou permitindo-lhe sentar em seu dorso, meio de lado, desajeitada, as roupas folgadas, translúcidas, atrapalhando-a um pouco. O cavalo levantou-se cuidadoso, bufou relinchando de leve como que para o outro; e certificando-se que sua senhora não cairia, começou a subir os degraus da escadaria.

A cada movimento, por mais cuidadoso que o grande cavalo fosse, ela sentia pontadas cortando-lhe o corpo, cada vez mais fortes; a testa banhada em suor, os cabelos grudando em seus braços desnudos e em seu pescoço. Ela havia livrado-se de todas as jóias que costumava usar, vestida apenas com um largo manto grego, lilás, sutilmente mais claro que seus longos cabelos, presos frouxamente por uma fita vermelha com contas de água marinha nas pontas, azuladas e translúcidas, como o orvalho da manhã.

A dor tornou-se insuportável fazendo-a se agarrar à crina marrom de Lampo[2], que parou tão logo deu alguns passos adentrando a primeira casa. Não iria conseguir chegar onde pensara ser seu objetivo, o templo da deusa, soube disso assim que o cavalo ajoelhou e ela sentiu o líquido quente escorrer-lhe pelas pernas. Rendeu-se apenas deixando o corpo escorregar vagarosamente para o chão frio de pedra. Olhou para uma das servas, estática por trás das colunas de mármore, um olhar de ordem, a mão pressionando o ventre redondo, e logo ela e outras corriam procurando os artefatos necessários. Deixou a cabeça pender para trás, encontrando apoio no tronco do cavalo.

Estava dando a luz...

(...)

O supremo sacerdote do Santuário terminou de descer a escadaria adentrando pelo fundo a primeira Casa Zodiacal, de longe podia sentir um cosmo diferente, rarefeito e extremamente peculiar. O alarme fora soado, mas de fato nenhuma hostilidade foi sentida. Seus olhos pousaram sobre a mulher de cabelos arroxeados, recostada em um imponente cavalo malhado. Parecia adormecida e ao seu lado, uma das servas segurava um bebê quase completamente envolto em panos brancos e ásperos. O sol despontava no horizonte oposto àquela cena na entrada da casa dourada. Fora um começo de dia em que não houvera a aurora.

Ele se aproximou, retirando o elmo e abaixando-se para olhá-la. Surpreendeu-se quando ela abriu os olhos e o encarou profundamente. Era um olhar indecifrável, mas de tal beleza que ele não conseguia parar de admirar. Ela tinha olhos de duas cores: o direito verde claro e brilhante; o esquerdo lilás misterioso e recoberto de bruma. Ainda que estivesse esgotada, desfeita devido ao parto, era extremamente bonita, exalava uma aura de confiança e experiência, parecia jovem se vista de relance, mas ao olhá-la com atenção… no fundo não era possível definir sua idade.

Ela estudou friamente aquele que deveria ser o mestre do Santuário, vendo-o com os dois olhos atenciosamente. Fora uma surpresa quando ele retirara o elmo e ela encontrara os dois pontos em sua testa, marca de uma raça quase extinta, quase desconhecida. Pensou desconfiada que tipo estranho de coincidência a trouxera até aquele lugar afinal. Então, decidindo-se por não se importar, estendeu os braços para a serva que lhe entregou o bebê. Fitou-o com o mesmo olhar analítico, quase como se não fosse seu. Passou a ponta dos dedos róseos pela pele incrivelmente clara da criança, tocou-lhe a testa, onde também havia dois pequenos pontos arroxeados e a criança abriu os pequenos olhos. Ela arregalou os olhos, ainda mais surpresa, quase não se convencendo da cor brilhante na íris da criança; verdes um reflexo exato da cor de seu olho direito.

Piscou não querendo pensar em tantas coincidências, certamente, tudo aquilo pouco teria a ver com ela própria. Sem mais delongas estendeu o pequeno embrulho para o mestre. Ele o segurou incerto sobre o significado daquele gesto, mas não se arriscando a quebrar o silêncio tão denso que se misturava com o cosmo ao redor. Quando mirou pequeno rosto, surpreendeu-se ao ver a marca dos lemurianos em sua testa, ainda que a mãe não a tivesse.

Ela soergueu um pouco as costas arrancando dos cabelos o arranjo de tiras vermelhas, os braços fatigados tremendo levemente, e o colocou sobre a barriga do bebê. Ela ainda lançou um olhar para a criança como querendo saber de algo que estava fora de seu alcance, desistiu exausta. Ela nunca se importava, não devia se importar, não queria se importar. Então passou um dos braços pelo dorso do cavalo, puxando o resto do corpo para cima dele.

No chão onde ela estivera ficaram parcas manchas de sangue.

Antes que o cavalo levantasse, Shion finalmente perguntou:

- Vai deixá-lo? – Não havia dúvidas que ela deixaria a criança, e ainda que ela não tenha demonstrado apego, também não demonstrara indiferença total. - É seu desejo que ele se torne um cavaleiro?

O cavalo se levantou e ela soltou um suspiro cansado, este que fez o corpo do cavaleiro estremecer dos pés a cabeça. Sua voz era surreal, e quando ela falou, ele soube que jamais escutara ou escutaria voz tão bela, suave e delicada[3]. Uma voz que poderia transmitir qualquer mensagem, em qualquer tempo, ter qualquer coisa que pedisse.

- Eu desejei o pai dele, para ele nada desejo, sequer me importo. Esse é meu décimo segundo… e eu nunca me importei com nenhum... – seus olhos estavam quase se fechando de cansaço.

Shion vira seu olhar quando o bebê abrira os olhos para ela e não acreditou totalmente - Tem certeza? Ele é como os outros? – ele disse levantando-se e chegando mais próximo daquela mulher misteriosa.

Ela respirou profundamente como se buscasse forças para falar, seus lábios se curvaram delicadamente formando um sorriso doce quando ela estendeu a mão, a ponta dos dedos traçando um caminho lento pelo rosto do pequeno.

- Não, ele não é como os outros... – tocou a ponta do nariz correndo o dedo até entre os olhos, fazendo o bebê sorrir – Esse é o único que tem um dos meus olhos. Seus olhos verão as coisas do tempo. De onde nasce a ciência e a técnica como extensão de olho e mão. O conhecimento que dá meios para viver[4]. Haverá mistério nesse olhar, a Justiça fitando a Verdade…[5] – O sorriso se desfez e do bebê seu olhar passou para o homem que o segurava – Faça o que quiser, apenas... cuide dele, ele não deverá ter nada relacionado comigo...

O bebê se remexeu ameaçando chorar e Shion o balançou, colocando em suas mãos a fita que ela havia deixado. Ele pensara antes em perguntar se ela queria que algo fosse dito para a criança, mas pelo visto não precisava. Ele quis perguntar seu nome, confirmar aquilo que seus olhos e seus sentidos lhe diziam, mas então o cavalo se virou descendo as escadas ao encontro ao outro e a carruagem purpúrea.

Viu quando ela desceu do cavalo com dificuldade e abaixou-se para pegar o cajado caído. Shion arregalou os olhos ao vê-lo; não, de fato, não precisava ter lhe perguntado o nome. Ela ajeitou-se na liteira, o corpo largado e apenas jogou a rédea colorida por sobre o pescoço do cavalo malhado, eles não precisavam ser comandados fisicamente, e eles partiram, andando lentamente.

A carroça grega, vermelha e agora brilhante, iluminada pelos raios do Sol, se retirou do Santuário pelos portões que arrombara para entrar. A mulher dentro dela, que entrara carregando em seu ventre uma vida, saia deixando-a e sequer tornou a olhar para trás.

Shion, sacerdote de Athena, mestre do Santuário, olhou mais uma vez para o bebê, mal acreditando no que tinha presenciado. Voltou seu olhar para as servas que ainda ali se encontravam dizendo-lhe que esquecessem o que tinham visto, que nada devia ser dito sobre aquilo.

Ficara com uma criança de sua mesma raça nos braços, deixada a seus cuidados, nascida sob o signo de Áries, na entrada da sagrada casa de Áries... O décimo segundo filho daquela mulher – Mu - pronunciou dando-lhe o nome, como era costume chamar décima segunda estrela mais brilhante de uma constelação[6].

(Continua)


Diana Lua

Diana C. Figueiredo

Escrito: 28/07/2007 - Publicado: 23/09/2016

Última revisão: 28/01/2019


Notas:

[1] Portão Santo: Portão principal do santuário, Manga 02 do Episódio G;

[2] A explicação do nome do cavalo estava censurada devido a uma revelação que só acontece na Ananké parte III - Kléos, mas como disse nos avisos, vou retirar a censura: Lampo é o nome de um dos cavalos que puxa a carroça da deusa Eos, a aurora, mensageira dos deuses na mitologia grega;

[3] Se alguém tiver curiosidade, a voz que me inspirou, é da mulher que canta o finalzinho da versão de Stairway to Heavens do Masters of Chants;

[4] Frase original de Rubem Alves, livro Lições de Feitiçaria, meditações sobre poesia. Adaptada.

[5] Frase adaptada retirada da ficha do Mu da enciclopédia dos Cavaleiros do Zodíaco. Também faz referência a Ananké.

[6] Acho que é na enciclopédia dos cavaleiros diz que o nome dele é uma abreviatura/homenagem ao dito cujo povo LeMUriano, mas eu quis dar um significado mais especial para o nome dele. Acho que ficou claro no texto, mas não custa explicar: as estrelas de uma constelação são classificadas segundo o conceito de magnitude, que simplificadamente é o quanto uma estrela é brilhante. Assim, a estrela mais brilhante da constelação é chamada de Alpha (primeira letra grega) a segunda Beta, a terceira Gama, e assim por diante, até serem usadas todas as letras do alfabeto (após isso muda o método de nomear, pois uma constelação possui muito mais estrelas que o restrito número de letras do alfabeto), sendo assim e Mu é a décima segunda letra, que é usada para nomear a respectiva estrela.


Sei que o texto é sério, talvez pareça um pouco demais para uma fic get-together, mas como falei é uma side história de uma maior, e ainda é cedo...
Então como ficou o nascimento do ariano, fofo? :)