Naruto não me pertence
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- Quando Acaba -
I
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Então, era isso.
Shikamaru estava há vários minutos sentado na calçada, olhando para o estacionamento enorme e vazio do local e para o mais de terreno plano mais adiante. Gostava da sensação de plenitude e de infinito, porém, agora, isso o incomodava ainda que ele não conseguisse parar de olhar. Por que simplesmente não adiantava. Sempre estaria alí, sempre assim. Ele devia estar suando o envelope branco.
Droga, ele não queria pensar nisso. Não podia fazer nada quanto a isso também, pedir para sua mente parar de repetir a notícia do médico em loops era tão problemático quanto tentar se levantar dalí e deixar de olhar. Destruído? Não precisamente. Ele não tinha muitos planos para o futuro além de deixar a vida levá-lo para onde quer que ela quisesse. Quem os tinha eram os outros... Como sempre.
Chutou o balde e se levantou – e sentiu as costas reclamarem. Ficou com vontade de arrancar fora a coluna, e todos os seus problemas teriam fim. Só foi pensar nisso que a lógica bombardeou-o com mil motivos provando que não, não resolvia. Que chato ter uma mente afiada, que chato... Bem, na verdade era isso: Estava chateado.
Só que a palavra logo lhe parece pequena demais.
Entrou no seu carro velho, e jogou o envelope no banco de trás. Iria para casa mesmo que, na prática, isso só servisse para que aquilo continuasse perturbando-o. Decidiu enfiar os exames em algum canto no qual ele se os esquecesse depois. Como se isso fosse fazê-lo esquecer também o que tinha de escrito neles.
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Você tem certeza?
Mais ou menos. Shikamaru bateu na porta e seja o que Deus quiser.
Abriu quando mandaram entrar. Sentiu vontade de pedir desculpas quando viu que Asuma estava tendo uma conversa, que tinha todos os sinais de ser bastante importante, com o pai. Mas nada tão importante que o impedisse só faltar se levantar para recebê-lo e tornar o recém-chegado o centro das atenções. Que coisa problemática. Que pessoas problemáticas. Você tem certeza?
- Ele está progredindo? – O velho bem que poderia perguntar diretamente ao próprio Shikamaru, não? O rapaz suspirou. Hiruzen tinha uma aparência severa mas era uma pessoa boa e entusiasmada. Asuma teve a quem puxar, e isso é muito ruim.
- Não tenho exatamente como saber... – Leia-se: Pressão psicológica indireta. Ainda mais com olhada de canto de hoje.
- É sobre isso que eu vim falar.
Os dois olharam para ele. Os três: o tio da Temari estava na sala também.
- Eu – Levou a mão à nuca. Gesto típico – decidi aceitar...
Pronto. Tarde demais.
Arrependeu-se assim que ouviu os velhos comemorando. Ah, dane-se. Ele sentiria arrependimento de qualquer jeito, mas era melhor que fosse pelas horas a mais de sono e de tempo livre, que agora ganhariam asinhas e voariam pra longe, do que por não dar ao Asuma um excelente motivo para se orgulhar (ainda mais) dele. No fundo, no fundo, era o que ele desejava. Sempre é.
- Imagina o Chouji quando souber. – Todo mundo riu no segundo seguinte. Ironicamente, não tinha pensado nisso: Seu melhor amigo ia voltar a ser seu colega-de-alguma-coisa.
Puxa...
Foram comemorar melhor em um bar perto dalí. Só Shikamaru e Asuma. O Sarutobi mais velho deu uma desculpa, dizendo que não poderia ir – sempre a velhice. O tio da Temari alegou outros compromissos, mas ia mesmo era para casa supostamente buscar uma de suas desorganizadas pastas e espalhar a novidade. O que ia de algum jeito pôr lenha na fogueira do Kankurou, o cara que adora ver pelo em ovo. Melhor não poderia ficar...
Não bebeu muito – nunca o fazia, era fraco quanto a isso – apenas petiscou. E reparou melhor no gosto daquilo.
Voltou para casa com a impressão de que não se esqueceria das últimas e felizes três horas com seu professor – como costumava chamá-lo. Mesmo que estas não acabem sendo as últimas desse tipo. Não seriam apenas por que é lógico que não fossem.
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- Pra quem é? – Que azar, que azar.
- Minha tia. – Respondeu sem titubear. Fazia tempo desde a última vez que mentira para Ino. Trocou a sacolinha de mão para dificultar que o nome no rótulo, ou a tarja, fossem vistos.
Para seu alívio, a mulher problemática não insistiu no assunto. Estava esfuziante e faladeira como sempre, mas não sorria. Cansaço. Queria se livrar logo de qualquer coisa que lembrasse doença porque deve ter tido um dia cheio. Apressou a mocinha do caixa para que lhe desse logo o troco da pomada.
Como os hábitos mandam (os dele e os dela), ambos saíram juntos e foram para a casa dele. Shikamaru só prestou atenção realmente nisso quando viu a pilha de pratos sujos na pia e se lembrou de que Ino não ia gostar nada, nada disso. E ela não gostou, mas também não ia lavar nada. Ela não morava alí, afinal. E ele prometeu, pela milésima vez, que ia dar um jeito nisso e em outras coisas, e pediu para que ela mudasse de assunto.
- Fiquei sabendo que...
A única decisão que ele tomou foi de que, só mais desta vez, a deixaria ir. Que bonito, Nara Shikamaru. Ele sabia de que de "só mais desta vez" em "só mais desta vez", ele nunca diria que a amava. Talvez, sua decisão final mesmo fosse a de não dizer. Confessar algo assim por si só já é algo complicado. Além do mais, ele tinha que pensar nela também, por mais que quisesse passear as mãos pelo tronco dela ou dizer-lhe muitas coisas ao pé do ouvido. Ou passear de mãos dadas pela Avenida Principal.
Ficariam juntos por quanto tempo?
Shikamaru desanimou. Pensar nisso trouxe outra vez o peso principal disso tudo e o seu maior problema. Com o tempo, todos os que o estimavam iriam sofrer por sua causa. Inclusive Ino. Mas dizem que, quanto mais se sobe, maior é a queda. Ele a não faria subir mais um degrau para causar-lhe mais problemas do que irá lhe causar.
Convidou-a para ir com ele e Chouji ao restaurante no qual sempre iam, quando ainda estavam no colegial. Ela, é óbvio, aceitou. Já estava voltando a sorrir. Passaram ainda bastante tempo juntos, porque ela mexeu nos seus DVD's e ele foi obrigado a fazer pipoca. Porque ainda inventaram de conversar depois. E ela de descansar a cabeça em seu ombro.
Era muito tarde quando Ino jogou a bolsa no ombro e se despediu. Ele, naturalmente, deixou-a ir. Ela o lembrou das promessas de cuidar da casa e de se cuidar. Médicos, médicos...
A casa ficou opressoramente vazia. Na busca do que fazer, Shikamaru achou melhor começar a tomar o remédio.
Só piorou a situação. O maldito o destruía.
Jogou a caixa numa gaveta. Podia nem adiantar mais se fizesse isso, mas é melhor só lançar mão dele quando realmente precisasse. Pra quê ficar tomando aquela coisa desde sempre se aquilo nunca iria livrá-lo de vez do seu problema?
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Ele não iria cantar. Por isso mesmo, quando quase todos da roda já tinham tido sua vez, Shikamaru estrategicamente foi lá fora fazer alguma coisa não detectável. Bom, ele precisava inventar desculpas para si mesmo. O nome disso é fugir. Pronto. Também estrategicamente, arrastou Chouji consigo. O bom de ter um trabalho relativamente puxado é que ele lhe daria todos os assuntos dos quais precisava.
Não foram sozinhos. Quando Shikamaru olhou para o lado, Gaara acabava de encostar as costas na parede, os braços cruzados como de praxe – Aproveitara a oportunidade para sair de fininho. Sorte que não estivesse olhando para eles. Talvez.
Na verdade, era só a segunda vez que aceitava um convite de Lee para ir ao karaokê. A primeira foi na festa surpresa da Sakura, no ano passado. Eles nunca foram realmente próximos mas... todos os seus amigos iam, então... Ele, vergonhosamente, sabia muito pouco das pessoas a quem chamava de amigos. E eles todos formavam um grupo tão ativo e coeso que Shikamaru já se imaginava na margem dele.
Eles não tinham cara de quem faziam isso sempre. Tenten era quem estava cantando agora, Lee já falava todo enrolado, e Neji estava tão quieto que devia estar bêbado também. Eles sempre exageram. Sempre.
- Ooou!... Vossê tá'í...
- Kiba! – Chouji correu para o lado dele quando quase que o cara caiu, mas ele já tinha uma menina que fez o trabalho pelo gorducho. Gaara olhou para o trio com uma ponta de asco.
Por que foi pensar em bêbados?
No dia seguinte, lembrou-se. Coçou o olho – acordar cedo é algo que não deveria existir em um mundo perfeito. Sabia que era perto de casa. De fato, não demorou muito para encontrar a casa de chá e, atrás dela, a cerca de arame.
Sem esforço algum, prestou atenção em tudo. Na grama, nos adereços coloridos, nos cães brincando e nos cuidadores, e até na grossura do aramado da cerca. Inuzuka Kiba devia ainda estar em casa, sofrendo com a ressaca.
Ficou olhando para aquilo por um bom tempo.
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- E quem foi que ganhou?
De Asuma, como chefe, não tinha do que reclamar. Não que não conhecesse esse lado dele, mas ele era um pé no saco até um tempo atrás – de muito antes de Shikamaru entrar. Era meio complicado pensar nisso, pois aparentemente nem um nem outro haviam mudado. Continuavam a ser os mesmos de sempre.
Não, talvez Shikamaru tivesse mudado. Principalmente no último mês. Não havia como não.
- O Chouji, claro... – Era óbvio. Apostar comida com ele é suicídio.
Após a pequena conversa sobre a vida, como já esperava, vieram mais recomendações, ordens e principalmente conselhos. Shikamaru não conseguia se acostumar direito com isso. O normal é que Asuma, por ser mais velho, fosse quem os desse.
Porém, estaria mentindo se dissesse que isso não o deixava lisonjeado. Estava dando certo. Por esse lado, era bom pensar que seu professor (e mais pessoas) acreditava que tudo ficaria bem em suas mãos.
- É hoje que sai, né? Devia aproveitar logo para trocar essa lata velha.
- Não. Eu gosto dela... – O que Temari fazia escorada no seu carro afinal.
Ah, o estacionado ao lado era o dela. Um bonito modelo... nem emplacado estava ainda.
- Mentira. Você odeia, bebê-chorão. – Ela afirmou, categórica – É fácil vender e comprar um novo. Sempre há quem queira.
Por isso, namoros são tão problemáticos. Um ano é o suficiente para uma pessoa saber muitas coisas sobre você e vice-versa, mas nunca o será para apagar essas informações da memória após um rompimento. Ao menos tiveram a sorte de continuarem convivendo bem.
E, sim, ele detestava o carro, mas não estava a fim de deixar dívidas. Leva-se um ano ou dois para se pagar todas as prestações.
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- Não parece triste?
- Ela está feliz. – Mas sentiu vontade de concordar com Sakura. Ele estava deprimido o bastante para tanto. Culpa do maldito sonho com uma Ino de branco chorando.
Hinata e Naruto se casaram hoje. Ela estava sozinha na mesa, fitando e girando uma taça, enquanto o noivo falava alto com um grupo de amigos. A festa parecia uma dessas de final de novela, num local aberto e com flores em todos os cantos. Coisa da família da moça.
- Não está vendo? – Sakura continuou – Até parece que a festa é só dele. Se não fosse pela persistência da Hina, nenhum deles estaria aqui hoje.
- Calma, Testa. Já já ele vai tirá-la pra dançar. – Ino comentou, sorrindo.
Num gesto atípico, Sakura deu a língua para a amiga. Não fizeram provocações por causa de Sasuke, claro, já eram grandinhas demais para tanto. O que não mudava o fato de que nenhuma das duas conseguiu enlaçar ainda o cara, que volta e meia estava sozinho. Estaria agora se não tivesse precisado sair cedo.
- Ei, Shikamaru!
- Huh? – Quando deu por si, Naruto tinha acabado de alcançar sua mesa e ocupar a cadeira vaga. Estava com o rosto vermelho, ou da corridinha ou de bebida. As meninas fizeram um comentário qualquer, Sakura em especial chamou a atenção dele para a menina sozinha na mesa. Isso ia demorar.
Ino se inclinou na mesa de mau jeito para ajeitar a flor azulona do cabelo. Ela estava toda azul. Azul-mar com azul-chama-escuro.
- Eu tive uma idéia! – O loiro finalmente falou – Quando nascer o primeiro filho, você quer ser o padrinho?
Quando vier a criança. Ele quer que ele seja...
Poxa, Naruto.
- Só se não demorar. – Foi sincero porque sabia que os amigos levariam na brincadeira.
- Já está pensando em filhos?! – Ino exclamou – Naruto, pense apenas em aproveitar enquanto são só vocês dois! Vocês vão ter todo o tempo do mundo.
- Qual é, Ino! – Naruto retomou o sorriso – Se for menina, a Hinata é quem vai dar o nome e ela está pensando em botar Hideko. Se for menino, eu é que vou dar. E ele vai se chamar Minato!
Sakura riu. A verdade é que não tinha como todos se sentirem enlevados com isso. Naruto sempre quis homenagear o pai, de alguma forma.
Alguém teve a idéia de pôr o Lee para cantar. Se arrependimento matasse, essa pessoa instantaneamente viraria pó. A cantora titular já tinha voltado quando os convidados começaram a gritar "Dança, dança, dança!". O noivo convidou Hinata de forma muito afetada, e conseguiu a proeza de sorrir mais nervoso do que ela. Menos de um minuto depois, já haviam outros casais dispostos a ajudar os recém-casados, que não estavam mais aguentando dançarem sozinhos e sujeitos à atenção exclusiva de todo mundo. Logo a área livre estava coalhada de smokings e vestidos.
Shikamaru mirou todo o azul de Ino e decidiu tentar. As pessoas vivem dizendo que essas coisas cavalheiras tinham que ser feitas às vezes. Não havia mal em, só desta vez, fazer isso, ao menos para saber como era. Só desta vez. Ainda que ele devesse estar uma negação em convidar Ino como se deve, ou que o pessoal da mesa os olhasse de um jeitinho malicioso. Problemático.
Pior ainda ficaria. Ela era boa nisso e ele, um pau de vassoura. Não duraram nem dois minutos porque Ino sentiu pena dele. Voltou à mesa sem acreditar que quisera deliberadamente virar motivo de troça. Ficou com vontade de enfiar a cara em algum lugar.
Se isso serviu para algo, ao menos espantou um pouco a depressão, e a festa ganhou tons tão pouco ortodoxos que não permitiu que ela voltasse logo. O buquê foi jogado tão longe que caiu no colo do Shino. Gaara foi obrigado a cantar – para pagar a falta daquele dia. Alguém incentivou Hinata a beber e, bem, ela ficou dando umas risadas estranhas, no mínimo. Naruto girou com ela nos braços e os dois caíram. E o Neji, o hipócrita que desta vez absteve-se de álcool, tinha cara de quem gostaria de matar alguém.
Ino tinha bebido o suficiente para precisar de carona. Essa função, por bons motivos, coube ao Shikamaru. Teve vontade de censurá-la por ter exagerado (De censurar a todos). Haviam flores também do lado de fora do buffet. Caindo assim, assim... Sai correu até eles para entregar à Yamanaka uma das rosas do buquê. Para dar sorte. Não se sabe como ele conseguiu.
Ela ficou quieta durante o trajeto, mas o sorriso pendurado na cara. Shikamaru se aliviava por isso. Não queria conversar agora... Era bom estar com Ino, mas ele estava aqui, com ela, enquanto dois de seus amigos estavam felicitando o futuro. Esse futuro tão lindo e longo e cheio de glória. Eles provavelmente terão os filhos que tanto desejam, e netos. Enquanto isso, ele estava aqui, com Ino. Apenas. E sempre somente.
Ela pediu para que aparecesse mais vezes quando a deixou em casa. O Sr. Inoichi o convidou para entrar. Recusou.
Queria ir para casa e se deixar lá, porque ele teria a companhia de muito azul e de um casal feliz.
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Continua
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N/A: Algo que vocês não precisam temer é que esta fanfic acabe como Once Upon a Dream ou Apple Lady. A segunda e final parte desta já está quase toda escrita e virá loguinho pra cá se vocês colaborarem com elogios ou críticas...
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