A Promessa

Olhava o infinito esmagador do céu, os cabelos azuis esvoaçando-se e cobrindo-lhe parcialmente o rosto. Não sabia como um espaço vazio, uma lacuna, poderia doer tanto.

"Não é o amor que faz sofrer, mas as ilusões quando chegam ao seu fim."

O que tinha ele além de lembranças do ser amado? Os toques sempre frios, deliciosos. Os beijos ardentes na adolescência, as diversas batalhas, os ferimentos, o medo de perderem-se um do outro. Podiam dizer que de tudo experimentaram, por uma vez, até mesmo a morte. Por que, então, tinham que se distanciar daquela forma, antes que pudessem trocar novas juras de amor eterno?

-Milo, seu imbecil! Camus, sua criatura patética! Sei que ainda me arrependerei dessas palavras...Quem está aí?

O escorpiano enfurecera-se. Quem ousava flagrá-lo naquele momento de fraqueza, falando sozinho como uma criança? Logo, porém, sua expressão ficou mais leve. Ele sabia, reconhecia!

-Ora, ora! Eis aquele que vai buscar conforto em minha cama quase todas as noites, e nem sequer me reconhece? Ou você fez só para me provocar, hein, Milo?

A malícia na voz de Aiolia era inegável. Milo aproximou-se, confuso.

- O que faz aqui?

- Você sumiu há horas! Todos já notaram, você perdeu todos os treinamentos do dia, e isso não é de seu feitio. Está tão triste! Que tal sumirmos para um lugar bem mais interessante?

Milo corou intensamente.

-Seu pervertido!

-Claro que dessa vez não estou falando da minha cama. Aliás, o que eu disse demais? Agora, nós podemos sair do Santuário. Considerando que somos adultos, quanto a você não tenho tanta certeza assim...Mas não devemos explicações a ninguém. Que tal um bar? Ou uma boate?

-Não fale comigo como se estivesse se dirigindo a uma criança.

Milo mostrou sua indignação cruzando os braços e fazendo bico, quase batendo os pés.

-Isso só prova que realmente estou falando com uma criança. Vamos!

Aiolia pegou Milo pelo braço e saíram correndo.

-Opa, espera um pouco, Senhor Apressadinho! Não precisamos nos deslocar à velocidade da luz, precisamos?

-Chegamos. Procure não beber mais do que duas taças de vinho, está bem? Deu um trabalhão da última vez!

Escorpião ficou ainda mais indignado. Como o outro ousava interpelá-lo daquela forma um tanto...um tanto vulgar, chamando-o de criança e depois de alcóolatra? Camus seria mais delicado. Irritava-o ainda mais saber que o leonino ria-se por dentro, conseguira provocar Milo e divertia-se com isso. Olhou para ele, o porte elegante, poderoso, tão seguro de si e aquele sorriso. Aiolia estava aprontando alguma. Aliás, Aiolia estava sempre aprontando alguma.

"Vou descobrir o que é, vou sim! Conheço muito bem esse sorriso. O que estou fazendo?!"

Milo permanecera tão absorto em seus pensamentos que não percebeu que Aiolia o levara para a pista de dança de uma famosa boate em Atenas. E que os dois dançavam sob olhares atentos.

Aiolia aproximou Milo ao seu corpo e sussurrou:

-Você está dançando muito bem, meu amor.

Antes que pudesse se irritar com a provocação de Leão -sabia que o outro chamava-o de "meu amor" só para provocar- Milo percebeu que a multidão de olhares curiosos devia-se apenas à dança, em si. Embora a Grécia moderna estivesse envolta pelo véu de puritanismo ortodoxo, as vilas em torno do Santuário pareciam ter parado na Antiguidade. Dois homens juntos não causavam estranhamento por ali.

Aiolia fazia Milo rodopiar por boa parte da pista, em conformidade perfeita ao ritmo da música.

-Quer uma pausa? Vamos beber algo? Mas não se exceda.

-Não estou cansado, se é isso o que pensa. Nem me excedo! Está bem, vamos.

Enquanto caminhavam calmamente da pista de dança até o bar, Milo percebeu muitos olhares maliciosos dirigidos a ambos. Sentiu um ciúme repentino e inexplicável do outro, mas Aiolia permanecia impassível.

"Ah, isso não é do feitio dele! Tem algo muito errado!"

-Espere aqui só um momento, certo? Prometo que volto logo.

Milo viu o outro afastar-se, confundindo-se com a multidão. Depois voltou a atenção para uma taça de vinho. Bebeu outras em seguida, sem perceber, compulsivamente. Rápido demais, temia. Sua visão estava turva, franziu o cenho. Onde estaria Aiolia que não retornava?

Aiolia desviava das pessoas, impaciente. Finalmente chegou a um lugar mais reservado e relativamente menos barulhento. Apalpou os bolsos.

"Cadê esse troço? Afrodite me paga! Todos eles que me meteram nisso! O Santuário todo."

Finalmente encontrou o aparelho celular rosa, cheio de enfeites. Ligou para Afrodite, praguejando entredentes.

-Vai, atende logo!

-Isso são modos?- Afrodite respondia com afetação crescente- E então, meu querido leãozinho? Como está nosso amiguinho? Já está tudo pronto por aqui, pode trazê-lo. Não demore, está bem?

-Tá bom, pode deixar.

Aiolia transitava pela pista de dança, agitado e irritado, por não conseguir achar Milo e pela multidão que lhe impedia os movimentos.