Meu corpo bateu de encontro ao metal frio do vagão, o último vagão.
Uma bagagem caiu no chão fazendo um barulho ensurdecedor, mas nem ele foi capaz de cortar a tensão, nossos olhos mantinham a mesma intensidade, o mesmo mistério.
Uma das mãos dele estava acima do meu ombro, tocando a superficie de metal, a outra pendia ao lado do corpo, ele me encarava como se eu fosse uma presa, e ele precisasse observar cada movimento meu até finalmente dar o bote, como uma serpente. Um sorriso fez seus lábios se curvarem para cima, eu senti um de seus dedos acariciar minha nuca devagar, e fechei os olhos.
Minha respiração estava entrecortada, eu me via de mãos atadas para o alto em um cachecol verde-esmeralda e prateado, presas por um feitiço ao metal.
Eu não poderia ceder nem se eu quisesse, e isso não quer dizer que eu não queria, a verdade é que eu não sabia, eu não podia responder por mim quando o assunto era ele. Até porque, eu jamais tinha cogitado a hipótese.
Seu dedo escorregou da nuca, descendo pelo pescoço e parando no colo, era como se ele quisesse brincar com a comida antes de saciar a fome.

- Qual é o seu problema? Me tire daqui.
- Se você quisesse sair já tinha dado o fora.
- Como eu vou dar a fora se você está me prendendo?
- Já teria chamado o seu namoradinho por exemplo.
- Caso você não saiba, existem pessoas que não chamam homens para tudo em sua existência.
- Ah claro, não é algo que você costuma fazer não é mesmo?
- O que você sabe? Você não sabe de nada.
- Nem você.

A mão dele espalmou meu rosto em seguida, como se quisesse memorizar cada detalhe. Os dedos escorregavam pelos traços delicados e finos, o contorno do nariz, olhos, queixo, parando por segundos em meus lábios. Ele tinha um jeito um tanto estranho de agir, bem diferente do que eu esperava em todas as vezes que o aticei com palavras arredias, em todas as vezes que eu o humilhei e fui humilhada, quando ambos procuramos por isso, e agora estávamos aqui, frente a frente.
Eu esperava tudo, menos cautela vindo dele, que era sempre tão grosso e sem sal, tão despreocupado com algo além do seu próprio umbigo, que a fascinação que eu via em seus olhos me parecia de uma certa forma inaceitável.
Mas já era tudo inaceitável ali, não erámos solteiros para começo de conversa, James, estava me esperando vagões à frente provavelmente se perguntando porque eu estava demorando tanto, e Sarah Lee já devia estar arrancando seus cabelos dourados para saber onde seu precioso Principe Sonserino estava, mas ela já deveria ter se acostumado se ele nunca dava satisfações a ela de qualquer forma. Acabei concluindo que um fator a mais não faria tanta diferença.

- O que você quer, eu não tenho o tempo todo. _ resmunguei mal humorada.
- Preciso, tirar uma dúvida.
- E o que eu tenho haver com isso?
- Tudo.

Sua voz era fria como uma rajada de vento durante a nevasca, rouca e arrastada, era sensual.
Arrepiava todos os poros do meu corpo sem um terço do esforço que James fazia para conseguir o mesmo efeito.
A mão dele ainda deslizava no meu rosto, dois de seus dedos acariciaram meus lábios vermelhos e inevitávelmente eu os entreabri, deixando a língua roçar de leve e dando mordidas, ele fechou os olhos respirando profundamente e então eu os fechei novamente, empurrando indelicadamente sua mão do meu rosto, tentando desencorajá-lo do que quer que fosse sua reação.
Eu estava tão errada que sequer gostaria de dosar o quanto.
Seu rosto se abaixou alguns palmos diminuindo nossa altura, procurando o meu pescoço, seu nariz roçando minha pele alva, sua respiração quente, e então pude sentir o cachecol desatar minhas mãos, me assustei ao perceber que elas já estavam segurando o pescoço dele antes que eu pudesse notar, segurava com força, as unhas vermelhas se cravando na pele dele.
Eu ainda não sabia o que era pior, o tamanho ódio que pulsava dentro de mim, a curiosidade do porque de ainda estar ali, das intenções de estar ali, ou toda a provocação, era como se ele estivesse me mostrando o melhor Feijãozinho de Todos os Sabores sem a mínima intenção de me dá-lo, e era tão injusto...
Agora os lábios, úmidos e entreabertos deslizavam no meu pescoço, e as mãos dele abriram os botões de cima da minha blusa branca deixando o ombro a mostra, ele foi fazendo um caminho de beijos e sucções suaves até lá, eu tinha a cabeça tão jogada para trás quanto era possível, mas ainda sim parecia uma estátua, presa e intacta ao seu pedestal.
Foi em uma fração de segundos, talvez milésimos de segundos que tudo aconteceu.

Seus lábios se encaixaram nos meus com ferocidade, sua língua invadiu minha boca de uma vez, e como a boa obediente que era a minha encontrou a dele, nossos corpos se juntaram, como um ímã de polaridades idênticas, ele pressionava o corpo contra o meu, e eu queria que ele pressionasse cada vez mais. Nossas línguas pareciam velhas conhecidas, se acariciavam e se tocavam, explorando a boca um do outro como velhos inquilinos de um prédio bem habitado, seus dentes deslizaram em meus lábios, com força.
Suguei então a lingua dele, uma, duas, três vezes, deixei minhas mãos percorrerem seus cabelos, os bagunçando e remexendo para cima e para baixo, os fios loiros se dispersavam entre meus dedos enquanto nossas pernas se entrelaçavam, instintivamente eu subia e descia minha perna nua roçando na dele, minha saia subia um pouco, já estava torta e completamente amassagada.
Ele aprofundou o beijo ainda mais puxando o meu rosto de encontro ao dele, jogando seu corpo com mais força contra o meu, eu retribuia na mesma moeda, a blusa já estava caída em meus braços, deixando parte do soutien a mostra, a mão dele subiu pela lateral do meu corpo como se desenhasse o meu contorno, e então tão rápido como começou, parou.
Ele ajeitou a gravata e o uniforme, encarando os pés como se não houvesse nada no mundo mais interessante que aquele par de sapatos impecáveis, levantando os olhos para me encarar uma última vez, tão friamente como de costume, então depositou um beijo em meu nariz logo acima das sardas indiscretas e me virou as costas.
Eu permaneci ali alguns segundos, encostada no metal do vagão, sem sequer me dar ao trabalho de abotoar a blusa, a mão deixada nos lábios e um turbilhão de pensamentos confusos me deixando claro que eu iria simplesmente apagar aquilo da memória, seria como se nada tivesse acontecido.
Permaneceriamos os dois, cada um em seu devido lugar. Ele em meio às suas bagunças, bebidas, mulheres e diversão, eu, entre meus livros, primo, e James.
Era somente isso, o beijo? Que beijo?