PRELÚDIO
— QUER DANÇAR COMIGO, SENHORITA MAY? - um rapaz alto, de cabelos rebeldes e castanho-claros, de pouco mais de 20 anos, sorriu para a moça de olhos grandes e marrons que lhe correspondia o sorriso.
— Impossível, senhor Wade. A senhorita May não se aproxima de qualquer um - respondeu um homem de meia idade, com um grosso bigode e uma barriga saliente.
O rapaz e a moça se fitaram e ela desviou os olhos para longe, onde um violinista eufórico puxava a quadrilha. O rapaz, envergonhado e sem ação, deu meia volta e saiu de perto de Getro Perkins, banqueiro e dono de quase toda São Francisco, indo se sentar longe da multidão, atrás do armazém, donde fitou o mar até adormecer.
— Desculpe por aquilo - disse uma voz suave, tirando o rapaz de um belo sonho.
A lua já estava baixa, e num pulo, sem perder mais tempo, o rapaz se pôs de pé e sorriu para a moça.
— Senhorita May, não deveria andar por aí sozinha.
— Não estou mais sozinha, Ben - e sorriu para ele, tomando-lhe a mão.
— Eu não posso mais viver sem você, May - murmurou, beijando-a em seguida.
E ouvindo novamente aquela confissão, ela entregou o coração, diante de toda aquela imensidão azul-escura, ao homem que amava. Não queria saber do amanhã, unicamente do presente, do momento, do tempo junto ao seu amado. O rapaz a levou para o hotel onde se hospedara, hesitando ao pensar sobre o que iria se seguir, mas a amava com tamanha intensidade que não poderia deixá-la afastada de sua vida.
Aquele era o melhor quarto, um quarto de lua-de-mel, como dissera o gerente, e o rapaz preparou o aposento para receber a amada mesmo acreditando piamente que ela jamais subiria até lá. Deitou-se sobre ela, era uma menina ainda, somente sua aparência contradizia, e a amou como jamais fizera com outra mulher antes. Mas não tinham muito tempo, e assim que o ato foi consumado, ela ficou de pé, escondida atrás do fino lençol de seda.
— May - chamou, pondo-se também de pé, diante dela, e segurando-a pelos ombros. - Fuja comigo! Fuja comigo por aquela janela dos fundos sem olhar para trás...
— Sim, Ben, sim! - suspirou com um sorriso imenso nos lábios, e abraçando-o com firmeza.
— Então me espere na porta dos fundos do saloon esta noite. Não leve muita coisa, para onde vamos não irá precisar de nada.
Beijaram-se e Ben acompanhou, com os olhos, sua amada atravessar a rua e entrar no saloon vazio.
— Wade?
O rapaz se virou bruscamente e deu de cara com o chefe de seu bando, Rob Benson, o maior fora-da-lei de todos os tempos, mas o melhor amigo que um homem poderia ter.
— Vai mesmo fazer isso? - perguntou Benson acendendo um charuto e apontando para a janela que Ben fitara.
— Eu... a amo.
— Garotas assim não são para nós, Wade - confessou Benson, pigarreando e sentando ao lado da cama desfeita -, porque não somos homens de uma só terra. Somos livres e não conseguimos viver presos.
Ben não pareceu convencido.
— E porque mulheres como ela jamais farão o que verdadeiras mulheres devem fazer. E nós merecemos as melhores, não acha?
— Eu amo May.
— Como amará tantas outras depois dela. - Mas ao perceber que o silêncio de Ben o incomodava, Rob Benson acrescentou: - Ouça aqui, Wade. Se você ficar com ela, terá que partir daqui e jamais voltar. Terá que se esconder o resto de sua vida, porque se te pegarem, você é um homem morto. E eu duvido que o pai daquela moça meça esforços para encontrá-la assim que souber que ela foi levada por um bandido.
Wade voltou a olhar pela janela, ainda convicto do que fazer.
— Saiba que apoiarei qualquer que seja a sua decisão, estou apenas pensando em você e na morte tola que terá quando o encontrarem com ela em seus braços, numa noite calma e enluarada.
— Eu não temo a morte e se tiver que passar o mínimo de tempo que for ao lado dela para depois morrer, passarei. Porque prefiro mil vezes tê-la livrado de tudo isso a deixá-la aqui com esses filhos da mãe!
— E onde irão morar? Como a sustentará? Você não tem reservas, tem?
Ben voltou o olhar para Benson.
— Posso lhe arranjar algum dinheiro, mas não financiar seus negócios. Pense bem, terá de viver trabalhando, e ela também. E isso acaba com uma mulher. Vai definhá-la e por fim, depois que ela ficar feia, você irá largá-la cheia de filhos.
— Não... - murmurou Ben.
— Ouça o que eu lhe digo, rapaz. Talvez daqui a algum tempo as coisas estejam melhores para você, talvez até se torne o chefe desse bando... Não. Não me olhe assim. Você me conhece bem e sabe do que estou falando. Eu não sou mais jovem e essa doença está acabando comigo.
Ben baixou os olhos e sentou na cama, Benson começou a tossir e saiu do quarto, mas antes, disse:
— Você não acha que ela merece o mundo? E você pode dá-lo a ela?
Ben conhecera May Stevenson havia dois anos, quando viera pela primeira vez a São Francisco, ela tinha, na época, treze anos de idade, e se apresentava no palco do Saloon Red Flower como se fosse uma mulher. Ela cantava tão maravilhosamente bem que todos no recinto paravam para ouvi-la. Ben foi afoito e quase rastejando procurá-la nos bastidores, jamais agira de tal forma com uma mulher, mas aquela em particular, o deixara de quatro, e ao conhecê-la, ao falar com ela, tudo o fizera crer que suas vivências até aquele momento tinham sido pré-destinadas. Ela era a candura em pessoa e seus olhos marrons e grandes o cativaram para todo o sempre.
O mais surpreendente, contudo, fora seu primeiro beijo; estava louco para tomá-la nos braços e perder-se nela, mas sabia que ela não era uma qualquer, então, toda vez que estava na cidade, a galanteava e lhe comprava presentes caros, gastando tudo o que conseguia em companhia do bando de Rob Benson. Até o dia em que ela lhe retribuiu, aproximando-se dele e o beijando sem qualquer vergonha.
Foi pensando na última frase de Benson que Ben fitou May à porta dos fundos do Red Flower na noite seguinte. Ela vestia o melhor vestido e espreitava de um lado a outro, esperando vê-lo. Queria tomá-la novamente nos braços levando-a para longe daquele lugar medonho. Sim, medonho, porque ela estava prometida ao filho de Getro Perkins, um rapaz alto e curvo, com cabelos avermelhados e olhos tristes, que vivia à custa do pai. Queria, somente queria. Seu coração a querida, mas seus pensamentos eram contraditórios e sabiam que se ela se casasse com o jovem Perkins a vida lhe seria muito melhor. Era melhor mesmo seguir o conselho de Benson, ele sempre sabia o que estava dizendo, e foi assim que Ben se despediu dela, espiando-a detrás da murada que dava para o escritório do delegado.
No âmago o desespero se debatia, tentando vencer a batalha com seu cérebro, mas o segundo, muito mais forte, fez apenas com que Ben recostasse o corpo na murada, fechasse os olhos e deixasse correr uma breve lágrima pela face.
