Escuro…
Demasiado escuro…
Tenho fome…
Os meus pulsos estão doridos…
Estas correntes estão a dar cabo de mim…
Uma porta abre-se, minimamente iluminando o lugar. Uma figura aparece, mas, contra a luz, não é possível ver-lhe a cara.
"Então, disposta a colaborar?"
Ouvem-se as correntes a chocalhar "Não!"
"Muito bem, que assim seja." A porta volta a fechar-se e passos afastam-se.
Escuro…
Mais uma vez…
Já tinham passado três dias. Sem comida e com o mínimo de água para não morrer, não se sabia quanto tempo mais iria aguentar consciente. Mas era uma questão de tempo.
Embora ela não deixasse…
Ela tinha de ficar consciente…
A sério, o que eram míseros três diazinhos sem comer? Ela aguentava bem…
Caso não fosse humana.
Os sinais de desnutrição já eram visíveis, ela já mal tinha forças, e, as poucas que conseguia reunir eram para negar a proposta daqueles tipos.
Como é que isto foi acontecer…
Ah, certo…
Ele.
Desde que Birne começara a lidar com ele, tudo lhe parecia correr mal.
Desde aquele dia em que o conheceu…
"Ma-Ma-Mas, Chefe!" Birne protesta, mesmo sabendo que não ia ter muito resultado
"É uma ordem." Um homem mais velho fala – o Chefe de Birne, quem controla tudo e todos na Fledermaus. Um homem temível mas razoável. As suas escolhas eram lei, embora neste caso Birne não concordasse nem um pouco. "Vais ensinar-lhe o que sabes e as normas da organização. Conto contigo."
"Mas…um parceiro? Eu acho que já dei provas o suficientes que não preciso de um parceiro!" Birne é fitada pelo olhar do Chefe.
"Desde aquele incidente, decidi que era melhor assim. Não penses que acho que fazes um mau trabalho, muito pelo contrário. E embora sejas bastante habilidosa vai haver um dia em que não vais dar conta do recado sozinha. É aí que entra um parceiro."
"Com o devido respeito, mas acho que não vai dar resultado."
Chefe olha para uma pintura que tinha na sala "Eu sei como és. Ele fica parceiro à experiência, caso veja que não está a dar resultado, voltas a trabalhar a solo." Chefe volta a olhar para Birne "Entendido?"
"Sim, Chefe."
"Ele está à espera na sala ao lado. Estás dispensada."
"Sim. Com licença." Birne sai da sala onde estava a ter reunião com o Chefe. Ela era das poucas que falava com o Chefe em pessoa, muitos nem tinham coragem pelos rumores que ouviam, mas Birne não ligava a isso.
Foi então que se lembrou que a sua carga de trabalhos estava na sala ao lado. Abriu a porta, e, sentado numa cadeira, um rapaz de cabelo castanho-escuro esperava.
"Mitchel Australier." Birne chama-o. Felizmente ela tinha boa memória.
"S-Sim?" O rapaz olha para Birne, que o examina. Tinha uns goggles postos na cabeça, mas isso não era o que mais sobressaia nele. Eram os olhos. Cada um tinha a sua cor, um prateado e o outro numa espécie de dourado. Parecia as iluminações de Natal. Só faltava lançar raios lazer dos olhos – obviamente que não, isso só acontece nas bandas desenhadas.
"Birne Felsen. Vou ser a tua parceira e tutora. Fazes asneira e és logo recambiado." Birne afirma no seu tom ríspido.
"Birne Felsen, hun…?" Normalmente, qualquer um ficaria amedrontado, mas neste caso, Mitchel simplesmente sorriu de orelha a orelha. "Nome engraçado."
E a partir daí foi tudo de mal a pior.
Mas…umas iluminações neste sítio eram agradáveis…
Não, não, não! Em que é que estou a pensar…
Tenho é de sair daqui…mas como…eles de tempo a tempo vêm cá…e está demasiado escuro para ver um meio de escapatória…se me conseguisse soltar destas correntes, quando eles viessem conseguia fugir mas…já nem sinto os pulsos, devem estar em ferida…
Hmpf…
Quem é que estou a tentar enganar, nem tenho força para me levantar, quando mais correr…
Mas tenho de sair daqui…
"Uau, então é aqui que vou morar?" Mitchel olha em seu redor, mais especificamente, no apartamento de Birne "Bela casa."
"Sim, sim…"Birne, que entrara primeiro que Mitchel, suspira enquanto pendura o seu casaco no candelabro. Mas ela tinha de aturar um puto como parceiro…? Não se calara um minuto durante a viagem inteira… "Vamos lá esclarecer umas regr–" Num momento estava lá, no momento a seguir desaparecera "Onde…"
"Ei, isto é o meu quarto?" A voz de Mitchel ouve-se, de algum outro compartimento da casa.
Birne apressa-se a ir para o compartimento onde lhe parecera vir a voz. E que por acaso era o seu quarto. E que por acaso tinha alguém sentado em cima da cama de Birne – Mitchel.
Mitchel repara então em Birne "Eu nem desgosto do quarto, mas…não é um pouco…afeminado?"
"Sai. Do. Meu. Quarto." Birne pronuncia cada palavra devagarinho e pausadamente, mostrando claros sinais de irritação. Oh, como isto era má ideia!
"Ah, é o teu quarto!" Mitchel pula da cama, se bem que ao faze-lo, estica os braços e acidentalmente empurra um globo de neve pousado na cabeceira adjacente para o chão, partindo-o, obviamente. "Ahh! Desculpa Bi–!" Mitchel olha para o olhar extremamente irritado de Birne, que o faz calar. "Erm…Olha, está a nevar…?" Mitchel tenta arranjar uma desculpa que faça Birne rir, mas sem sucesso. Birne vinha na sua direcção furiosa. Isto não era bom.
Heh. Eu gostava daquele globo.
Mas…porque é que ela agora começava a pensar nas memórias deles os dois? É a isto que dizem ser 'A vida a passar-nos pelos olhos'…?
Naaaah.
Birne olha em volta, embora só consiga distinguir uns vultos. Ela não fazia a mínima que horas eram, ou que parte do dia era. Mas provavelmente estava debaixo de terra ou num sítio bem interior, pela baixa luminosidade do sítio. O que dificultava bastante a escapatória.
Primeiro tinha de se livrar das correntes. Mas eles tinham sido espertos, para além de ter os braços acorrentados, ainda os tinha pendurados para cima…Assim ela não conseguia chegar a lado nenhum…
Se ao menos conseguisse agarrar uma das minhas cartas…
Só uma…
"…" Birne olha para Mitchel, agora com a cara inchada e cheia de hematomas "Percebido as regras?"
"S-Sim…" Mitchel esfrega a bochecha "Para uma rapariga tens bastante força…ouh..."
"Então…" Birne ignora o último comentário do Imbecil Dicromático – nome que decide dar à coisa que mora com ele "Qual é o teu 'equipamento'?"
"Equipamento?"
Mas será que nem assim percebia? Birne nem usou o termo técnico… "Sim, por exemplo, eu uso cartas." Birne tira umas cartas da sua bolsa e mostra-as "Estas."
Mitchel olha para as cartas "Ah, tu queres dizer Bewaffnung?Porque não disseste logo?" O Imbecil tira algo dos bolsos e mostra a Birne "Dardos."
Ah, com que então ele só conhecia pelo termo técnico…excelente…. Isto era de loucos.
Cartas e dardos…não ia dar…que ataques é que…
"Hmm…com que então dardos e cartas…" Mitchel pensa por um bocado "É uma boa combinação!"
"O quê?" Birne olha incrédula para Mitchel "Como assim…"
"Tive umas ideias." Mitchel sorri de orelha a orelha, o seu típico sorriso pateta "Vamos experimentar?"
Por acaso até eram boas ideias…nunca me ocorreria isso…
E os ataques até funcionavam bem em conjunto…o problema foi a inexperiência dele…
Nem 48 horas passaram desde que começaram a ser parceiros e já tinham uma missão – da chacha, mas uma missão. A missão nem era destinada a eles, mas o chefe achou que seria uma boa oportunidade para testar Mitchel e as suas capacidades. Iam somente recolher informação – o tipo de missão que Birne odiava, ela gostava era de movimento, de acção, não de se esconder e anotar informações que possam vir a ser úteis, isso era trabalho dos que não sabiam estar no campo de batalha.
Birne e Mitchel já iam a caminho da 'fonte de informações', e Mitchel ainda não se calara por um minuto – e depois dizem que as mulheres é que não se calam…
Birne obviamente, estava mais do que irritada. Por isto é que um parceiro…
"Ah, sabes que mais?" Mitchel interroga, mas mais para o ar do que outra coisa "Estou mesmo muito feliz por me teres aceitado como teu parceiro!"
"Bom para ti…" Birne já só conseguia dar respostas do género, antes que matasse o Imbecil Dicromático – se o fizesse, estava em muitos maus lençóis…
"Não, a sério!" Mitchel esboça um sorriso ainda maior do que aquele que constantemente tem na cara "Ninguém da Fledermouse– "
"Fledermaus." Birne corrige. Quem diria, ela sempre estava com atenção…
"Sim, isso, Fledermaus." Mitchel pausa por um bocado para se lembrar onde tinha parado "Ah. Ninguém de lá me queria como parceiro, o chefe disse que eras a única que me aceitava…"
Dá para perceber o motivo. Espera… "O chefe disse…?" Certo, anotação para quando acabar a missão: o Chefe vai vê-las. "Ah, chegámos."
Mitchel olha para o edifício que tem à frente "Uma tasca? Não é um bocado cedo para comemorarmos?"
"Não é nada disso." Além do mais, este fedelho tinha idade para beber? "Este é o melhor sítio para arranjar informação."
"Ehhhhh?" O olhar de desapontado é evidente na cara de Mitchel "Eu pensava que íamos ser tipo espiões todos XPTO, não coscuvilheiros da tasca…"
"Isso, fala mais alto." Birne esfrega a testa. "Tu sabes o que é discrição?"
"Discrição?" Mitchel pensa por um bocado "Tipo, olhar para algo e dizer como ele é?"
"Isso é descrição…" Mas será que ele não conseguia ser mais imbecil…? "Diz-me, porque vieste para a Fledermaus?" E melhor ainda, como é que ele conseguiu entrar…os critérios de selecção estão menos rígidos do que quando ela entrou…
"Ah…isso…" Mitchel esfrega a nuca "Preciso de dinheiro para pagar o arranjo da mota."
Mota? Mas este fedelho tem que idade afinal? "Isto não é nenhuma brincadeira, sabes…"
"Eu sei, eu sei…" Mitchel sorri de orelha a orelha, e olha para baixo "Ah, olha, formigas." Agachando-se para ver os bicharocos aos seus pés "Formigas são mesmo curiosas, não são…?"
Birne olha para Mitchel com uma imensa vontade de fazer um facepalm "O melhor é eu ir lá dentro sozinha… Fica aí, a ver as formigas ou o que seja." Birne entra então para dentro da tasca.
Mitchel observa Birne e assim que ela entra, volta a atenção para as formigas "Ah…'migas 'migas…vocês não se cansam de trabalhar? E para onde levam isso tudo..." Mitchel segue o carreiro de formigas com os olhos e suspira.
Hmpf…
Ele tem mesmo alguma panca por formigas…
Espero que tenha conseguido sair daqui…
Mas porque é que estou a pensar nele…
Tsh'…
Estás a ficar demasiado branda…
Por isto é que um parceiro…
"Porquê…" Mitchel olha chocado para o que tem a seus pés "Porque…tinhas de o matar…" Aos pés de Mitchel, um corpo jazia, com um corte profundo da garganta.
Birne recolhe as cartas que usara para matar o homem "Teve de ser. Ele ouviu a nossa conversa."
"Mas mesmo assim! Tinhas de o matar?"
"…" Birne olha para Mitchel, com mais cara de séria do que costume.
"E como sabes que ele ouviu a conversa?" Mitchel já começava a ficar com voz de stressado "Ele pode não–"
"Não me importa." Birne fixa o olhar em Mitchel "Não quero saber disso."
"O…quê…?" Mitchel olha incrédulo para Birne "Acabaste de tirar a vida a uma pessoa…Como consegues agir como se nada…"
"Já te disse, porque simplesmente não me interessa. Se ele ouviu o que estávamos a falar, mereceu, se não estava a ouvir…bem, passou no sítio errado à hora errada." Birne responde friamente.
Mitchel olha para Birne, sem saber o que dizer. Ele não fazia ideia que Birne era assim…claro, sabia que ela tinha um feitio terrível, mas agora…parecia que não tinha sentimentos…como…
Ele mal tinha palavras para falar "És…algum demónio…?"
"…" Birne observa Mitchel por uns momentos. "Vai para casa, miúdo."
"Casa?" Mitchel fica com cara de confuso "Mas não é suposto acabarmos a missão antes de irmos para casa?"
Há limites para a ingenuidade.
E para a paciência também.
"Tsh'…" Birne empurra violentamente Mitchel contra a parede, pressionando o braço no pescoço de Mitchel e com a cara a poucos centímetros afastada da dele. "Ouve-me bem, Imbecil Dicromático, eu não sei se pensas que isto é uma brincadeira ou algo do género, mas temos de proteger a organização a qualquer custo, e às vezes sacrifícios são precisos! Se não estás preparado para tal então é melhor que vás para casa, não para a minha, mas para a tua." Birne larga Mitchel "Eu vou acabar isto…sozinha."
"Eh? Como assim…" Mitchel força o seu sorriso pateta "Não é suposto os parceiros– "
"Ainda não percebeste?" Birne agora estava fora do controlo, já tinha perdido toda a calma "Tu. NÂO. És. MEU. Parceiro."
O sorriso de Mitchel desvanece e momentaneamente o seu olhar foca-se no chão "Mas…Não percebo…Tu não…"
"És mesmo imbecil…" Os lábios de Birne curvam-se num sorriso de uma autêntica cabra cínica "Achas mesmo que eu te queria como parceiro? Isso foi o Chefe que inventou, só o sou porque fui obrigada! Eu nunca te quis como parceiro. Nunca. Sempre soube que era uma péssima ideia, um fedelho como parceiro não ia resultar!" Birne toca nos goggles de Mitchel "E isto aqui é o quê? Que idade é que tens para ainda usares este tipo de coisas?"
"…"
Se antes Mitchel mal tinha palavras para falar, agora perdera-as por completo. Ele só conseguia olhar para um sítio indefinido no chão.
"Não devias ter vindo para a Fledermaus, é demasiado para ti." Birne olha para o rapaz uma última vez antes de virar costas. "Desaparece."
Birne afasta-se, deixando Mitchel contra a parede, incrédulo.
"Bi-Birne…" Consegue por fim dizer, sendo que é a única palavra que lhe escapa dos lábios.
Birne sem hesitar atira uma carta para trás, carta esta que se crava na parede milímetros da cara de Mitchel, que olha pelo canto do olho para a carta. Birne, por sua vez, olha para o seu ex-parceiro de lado, com um olhar bastante ameaçador. "Não me sigas. Eu mato-te."
E sem mais uma palavra, Birne foi-se embora, deixando para trás um Mitchel confuso e destroçado, com cara de quem se vai desmanchar em lágrimas.
Mas não o fez.
Em vez disso, tirou os goggles da cabeça, olhou para eles como se fossem a culpa de tudo e atirou-os ao chão, indo-se embora de seguida.
Eh, agora que penso nisso, talvez tenha sido um bocado dura para ele…
…
Naaah.
"O habitual, mas extra-forte desta vez." Birne debruça-se sobre o balcão, com uma cara que não era bem a sua típica cara de abutre, mas com uma expressão difícil de descrever.
Passado uns minutos um copo é posto-lhe à frente. "Então Birne, problemas no trabalho? É raro fazeres este pedido." Já era habitual Birne ir aquele sítio para recolher informações e beber um copo ou outro, portanto era uma conhecida da casa.
"…" Birne olha para a empregada, cabelo tipo lilás acinzentado e olhos num tom que Birne nunca se deu ao trabalho de descobrir que cor era aquela – 'Mel' era o nome pelo qual era conhecida "Hmpf. Sabes bem que se te contasse tinha de te matar."
"Eu sei." Mel sorri e afasta-se para atender outro pedido bem como para deixar Birne sossegada, como era costume.
Birne dá um trago no copo e fica a olhar para o líquido no seu interior. O dia tinha sido longo e cansativo, ela já tinha recolhido as informações que precisava e agora era só ir reportar ao Chefe. Ah… também tinha de o meter a par da situação com o Imbecil Dicromático…se é que ele já não estava a par, sendo quem é…
Birne leva o copo à boca e bebe mais um pouco quando uma conversa alheia lhe desperta a atenção…
'É o quê te diego!' Um homem de bigode fala
'Mas dar-se tanto trabalho só para…' Responde o seu companheiro.
'Acre dieta no quê te diego!' Raio do sotaque do homem… 'O tipo erra mesmo este ranho! Tinha um olho dê cáda corre!'
Olho de cada cor…? O Imbecil Dicromático? Oh bem temos pena, já não tem nada a ver comigo…
'O que eu não percebo é o porquê de ele se dar a tanto trabalho…'
'Yar, é verdedade. Eu pensava quê ele tinha dinhe erro! E tanto trrabálhó parra nada! No finale ele só este ava a ágárrar uma cárreta!'
Uma carta…? Não me digam que…
'Então e agora, onde é que ele está?'
'Naum séi. O patorrão disse quê iah terra tar dele, ele tinha équipamento boum.'
'Ah, certo… vão-lhe tirar informações?
'Assim quê ele acorre darre! Ficou inscônscíéntê!'
Birne distrai-se do resto da conversa dos homens e aperta o copo.
"Aquele Imbecil…" murmura
E deve ter sido – não, espera…foi. Sim, foi. – Foi a coisa mais estúpida que fiz na vida…
Mas também, desde que comecei a trabalhar com ele, não tenho sido propriamente eu…
Birne fizera tempo onde ouvira a conversa dos dois homens até que se foram embora e esta seguiu-os, com sorte iam ver do Mitchel, para o esconderijo labrego deles. Bingo, foram ter a um armazém velho – OMG, que cliché, não sabem o que é uma casa?
Birne escondeu-se e observou-os da forma que podia. Aparentemente, tinham de vestir um uniforme, – a pior coisa que podiam fazer – que basicamente era uma bata e uma espécie de chapéu. Birne obviamente aproveitou esta oportunidade para se mascarar e infiltrar mais facilmente. Felizmente grande parte do seu vistoso cabelo coube dentro do chapéu – não que Birne não gostasse da cor natural do seu cabelo, mas às vezes era incómoda por chamar tanto a atenção.
Por esta altura, Birne já tinha perdido rasto dos dois homens que andava a seguir, mas decidiu continuar a andar por ali com a máxima discrição possível. O objectivo era encontrar Mitchel e levá-lo de volta à Fledermaus. Só isso.
E no final, para grande satisfação de Birne, ia deixar de ser parceira dele definitivamente. Os problemas iam-se acabar!
Assim que o encontrasse, o plano era simples: dar-lhe uma surra, e depois e só depois, levá-lo até ao Chefe.
Ah, mas primeiro tinha de o encontrar…Onde é que se esconde um Imbecil Dicromático…?
Do nada, um alarme começa a tocar e montes de gente aparece nos corredores, a correr freneticamente de um lado para o outro. Será que a tinham descoberto?
Não, não era possível…mas só por precaução, decidiu esconder-se e esperar que a confusão passasse. E pelo que percebeu das pessoas que passavam…aparentemente o Imbecil conseguira escapar.
"Hmpf.…Afinal os meus serviços não eram precisos." Birne murmura o mais baixo possível. Agora era só ir-se embora…
"O que é que estás aqui a fazer?" Birne ouve uma voz masculina atrás de si, ficando instintivamente imobilizada.
Não, não, não…
"É suposto estarmos à procura do prisioneiro que fugiu."
Uffa…Felizmente que os homens são estúpidos. "Certo."
"E outra coisa…não me lembro de te ver por aqui."
"Tsh'…" Birne não tinha mais tempo a perder, portanto rapidamente tirou uma carta da sua bolsa, e ao virar-se para trás para a atirar, o que viu travou-a no seu movimento. Ou melhor, o que não viu. "Onde…" Birne olha para um lado e para o outro à procura do portador da voz.
"À minha procura…?" Assim que Birne se vira para a voz, a única coisa que vê é uma agulha a vir na direcção do pescoço, e o seu instinto é meter o braço à frente, que acaba por ser atingido. Não que fizesse grande diferença, o que era para injectar já tinha sido injectado. "O que é que me puseste?"
"Tem calma, em breve descobrirás…"
"Mostra a tua cara!" Birne tenta encontrar o dono da voz, mas sem sucesso. Porque é que ela não conseguia encontrá-lo? "Onde estás-ugh!" Birne sente-se zonza, e não era por andar às voltas à procura de quem quer que fosse que a estava a irritar. Ela finalmente percebera o que lhe tinham injectado. "Merda…"
A sua visão desvaneceu.
Birne caiu no chão.
Hmpf…
Patético…
Caí num dos truques mais velhos de sempre…
É o que eu digo…desde que fiquei parceira dele, tudo me corre mal…
E porque é que eles estavam tão interessados no Imbecil…
Capturaram-me e basicamente fizeram perguntas sobre ele…e libertar-me-iam se eu lhes dissesse onde ele estava.
Primeiro, nem sei nem me interessa onde aquele Imbecil está.
Segundo, mesmo que soubesse, não o diria.
Não sou traidora.
Ouvem-se passos novamente. Mas desta vez, eram diferentes, mais…apressados.
Outra vez…quantas vezes tenho de lhes dizer que não até perceberem…irra que são estúpidos.
A porta abre-se e a figura fica a olhar para Birne por uns momentos, antes de levar a mão à cabeça a puxar algo para cima – O quê, não era possível ver.
Birne olha para a silhueta da figura. Era diferente da que costumava ir lá…
Mas ela já mal tinha forças para…nada.
Portanto esperava que a figura dissesse alguma coisa.
Mas a figura somente se apressou a ir para as suas mãos acorrentadas e tentar-lhe tirá-las, o que conseguiu algum tempo depois.
Após tanto tempo com eles pendurados, e já dormentes, os braços de Birne caíram no chão quando a figura os desacorrentou, e o corpo também ia, caso a figura não o agarrasse e com peculiar jeitinho o levantasse, metendo o braço de Birne à volta do seu pescoço e agarrando-a pela cintura.
Birne obviamente que barafustaria, caso tivesse forças para tal, mas ela já estava tão cansada que…viesse o que viesse, de qualquer forma, sair dali era o que queria.
"Desculpa a demora, Birne." A figura por fim fala à medida que a ia arrastando daquele lugar.
Esta voz…não me digam…
"Não é por nada, mas…" A figura olha para Birne, que mal se movia por conta própria "Tens de fazer dieta, estás muito pesada."
Yup, era ele.
Birne reúne das poucas forças que lhe restam para, com a mão solta, ir dar uma sova a Mitchel, que facilmente defende o murro de Birne, devido à falta de força da mesma.
Mitch forma o sorriso pateta, "Olha, afinal está viva!" sorriso este que desvanece assim que sai porta fora e a luz o permite ter uma visão de Birne, que entretanto estava a olhar para ele com a sua típica cara de abutre, mas em muito pior estado, com olheiras acentuadas que mais parecia um guaxinim, sem contar com os vários hematomas e sangue seco que tinha na cara – e no resto do corpo, diga-se de passagem.
Assim que Birne sai para a luz, fecha os olhos de aflição, mas assim que os abre, fica espantada com o que vê. Vários corpos estão espalhados pelo chão, inconscientes ou sem vida, Birne não consegue distinguir, pois sangue também está envolvido no cenário. Birne olha então para Mitchel, cujos goggles que ele atirara para o chão estão novamente na sua cabeça, embora que rachados…e com sangue…
"…Foste tu?" Afinal o Imbecil tinha talento para o trabalho…Birne ao olhar melhor para Mitchel, nota numa grande cicatriz recente ao lado do olho. "Como…"
"Oh, a cicatriz? Eu voltei atrás para ir buscar os googles, apanharam-me desprevenido, deram-me com uma frigideira na cabeça e ela rachou. E…foi basicamente por isso que demorei tanto tempo, tiveram de me fazer uma operação qualquer que estava sempre a ficar inconsciente e blá blá blá" Mitchel conta a sua história à medida que leva Birne até à saída daquele lugar "Ah sim, e depois ainda tive de pagar a multa para poder reaver a minha mota."
Birne entretanto já se tinha desligado completamente da história, estava exausta e a última coisa que precisava era de ouvir o tagarela do Imbecil Dicromático. Mas ainda havia algo que incomodava Birne…
"Porque é que vieste?"
"Hun…" Mitchel limpa a garganta "Descobri umas coisinhas…tu podias ter-me recusado como parceiro…mas não o fizeste."
Não foi isso que me chegou aos ouvidos…
"E também…descobri o que aconteceu ao teu antigo parceiro. Complicado, hã?" Mitchel olha para Birne que somente responde com o seu 'tsh' habitual "E foi assim…que percebi porque fizeste aquilo. Só quis retribuir."
"Como…m'chaste?" Incrível como Birne ganhara forças para falar.
"Ah, lembras-te do que me disseste sobre as tuas cartas? Que elas só cortavam porque tu lhes davas essa faceta e quando estavas fraca as cartas também o ficavam? Bem, quando fui buscar os meus goggles ainda estava lá aquela carta, apanhei-a também. Ah, isto foi antes de me darem com a frigideira na cabeça!" Mitchel ri-se de modo parvo "Depois descobri que andavas desaparecida há uns dias, e não sei como, adivinhei que estavas aqui…" Mitchel esboça o seu sorriso pateta, "Devo ter um sexto sentido ou assim." mas rapidamente o desfaz quando se lembra de um pormenor "E não te preocupes, assim que sairmos daqui deixamos de ser parceiros, eu faço as malas, saio do teu apartamento e nunca mais me vês"
"Hmpf…" Um pequeno sorriso forma-se nos lábios de Birne. "Vamos para casa…Mitchel."
Mitchel pára por uns momentos, espantado, intrigando Birne, e ainda mais quando se desata a rir.
"Qual é a piada?" Birne fita diabolicamente Mitchel.
"Heh, nada de mais…" Mitchel esboça um grande sorriso, ainda mais acentuado do que o seu sorriso pateta "É que…é a primeira vez que me chamas pelo meu nome. E agora, também sabes dizer Mitch?"
Mitchel teria virado polpa caso Birne tivesse força para tal…e caso também não tivesse achado piada.
"…Imbecil…"
Mitchel recomeçou a caminhada conjuntamente a Birne.
É por isto que parceiros...são precisos.
E foi assim que a relação Sado-Masoquista de Birne Felsen e Mitchel Australier começou.
N/A – E é isto, uma das fics que mais tempo tive para a acabar, mas também aquela que me deu mais gozo fazer. Adoro escrever sobre estes dois, acho-os um par (não romântico) engraçado! A Birne é teimosa, não é? Mas acho que isso e a cara de abutre fazem parte do seu charme…embora a prefira a milhas de mim *riso seco*
O Mitchi-mii é a coisinha mais fofa de sempre 8D Ele é como um cachorrinho, fazem algo de mal a quem é fiel e estão feitos ao bife. Vou casar com ele! (Arranja uma vida pah -.-')
Certo, portanto até à minha próxima história,
~Anna Ildefonso
