Capítulo 1
Enquanto Ginny abria os olhos para se orientar, sabia que deveria haver mil e uma perguntas rodando na sua cabeça. Os seus olhos cor avelã começaram a focar a sala lentamente, procurando qualquer pista sobre o que estava fazendo num quarto tão elegantemente decorado, numa cama tão grande e, reparando num forte braço sobre si, que diabos estava a fazer nos braços de Draco Malfoy.
MALFOY?
Só pensar nesse nome provocava-lhe calafrios, ódio. Um ódio para um homem que apesar de o reconhecer, verdadeiramente mal o conhecia, um homem que, com um ligeiro movimento da sua varinha, tinha mudado a vida da família de Ginny para sempre.
Mas por um momento, antes que prevalecesse a prudência, antes que todas as perguntas exigissem uma resposta, Ginny olhou o outro lado, para o seu companheiro de cama, e permitiu-se uns segundos para apreciar um homem com feições tão perfeitas. Tão perfeitas que era difícil acreditar que alguém tão bonito pudesse causar tanta dor.
Bonito.
De cabelo louro, largas pestanas de um tom mais escuro, boca fina mas sensual, barba ainda por fazer da manhã, que obscurecia ligeiramente a sua mandíbula forte e angulosa, cada parte dele era deliciosa.
Um suspiro involuntário escapou dos lábios de Ginny ao ver quão alto ele era. Seus pés imaculados, que certamente usariam com uns caros sapatos italianos para combinar com as calças escuras que usava, descansavam quase no final da cama e as suas pernas pareciam prolongar-se eternamente. Ginny evitou olhar para a parte central do corpo masculino, à altura da cintura, e foi directamente à camisa branca de algodão que ele ostentava aberta.
A mancha de rímel que havia sobre a malha falava por si mesma. Ela tinha estado a chorar.
Pior que isso, tinha estado a chorar nos braços de Draco.
Aquele facto horrorizou-a. Ela nunca chorava, nunca! Nunca baixava a guarda daquela maneira. Tentou recordar alguma excepção, mas não lhe vinha nenhuma à mente. Inclusive quando Ron tinha morrido ela tinha mantido a calma, negando-se a seguir esse horrível caminho, negando-se a deixar sair a dor. A sua mente mudou e teve que lutar mentalmente para fechar essa porta, para evitar que as imagens, não só da noite anterior mas também dos últimos anos, continuassem a surgir, para voltar ao refúgio que tinha encontrado, onde só havia beleza.
Mas as imagens tornavam-se cada vez mais fortes, fotos instantâneas que não queria ver, coisas que queria esquecer, e o agradável despertar de que tinha
desfrutado por uns momentos começava a desmoronar-se enquanto a realidade batia na porta.
-Bom dia!
Ginny já conhecia aquela voz carregada de sotaque britânico tão parecido ao dela mas com uma nota de aristocracia e classe, uma suavidade e uma cadência lenta que fazia com que aquelas duas palavras soassem extremamente eróticas. Ginny elevou o olhar e encontrou-se a olhar directamente aos olhos mais cinzentos que tinha visto na sua vida, e sentiu o sangue subir rapidamente do peito até às bochechas, certamente disfarçando as sardas com o rubor. Desejou ter usado os momentos anteriores para elaborar uma resposta à pergunta que viria depois.
-Bom dia.
Ginny deu-se conta que não era a resposta mais elaborada de todas e, certamente, não soou nada sexy com a sua atrapalhação, mas foi a única coisa que conseguiu dizer no momento.
Ele tirou o braço de cima dela e espreguiçou-se descontraidamente, sem incomodar-se em conter um bocejo que deixava a descoberto a sua língua rosada e seus branquíssimos dentes. Parecia tão relaxado e tão à vontade consigo mesmo, como se estivesse acostumado a acordar com mulheres desconhecidas todas as manhãs. Ginny sentiu a raiva subir-lhe pela espinha e teve que apertar os dentes para não esbofetá-lo.
A ruiva pensou que provavelmente era isso mesmo que acontecia, uma mulher diferente a cada dia. Olhou em volta o quarto só para o caso de se ter enganado ao acordar mas não. Desde os grandes móveis de cor escura, às enormes cortinas prateadas e aos lençóis negros sedosos, tudo estava impregnado de riqueza e confirmava o facto de que o homem que estava deitado ao lado dela podia ter qualquer mulher que quisesse, a qualquer momento.
E por durante uns terríveis momentos Ginny apercebeu-se de que nem sequer sabia se ela mesma fazia já parte do que certamente seria uma longa lista de mulheres que haviam partilhado a cama de Draco.
-Suponho que gosta de café?! -disse ele e, sem esperar a resposta, ergueu a varinha e apontou para um estranho objecto, falando em italiano o que parecia uma ordem muito complicada para um simples café. Foi então quando Ginny se deu conta que estavam num hotel.
E não em qualquer hotel, se não se enganava. Estava num dos luxuosos hotéis de Draco Malfoy.
A pergunta era: em qual?
-Imagino que ainda estamos em Londres, não? -perguntou ela quando ele baixou a varinha - Ou este é o pesadelo do século e acordei em Itália?
Ele riu, e para surpresa de Ginny, encontrou-se a si mesma sorrindo-lhe de volta. Quase se esbofeteou a si mesma. Que diabo era aquilo? A sorrir para aquele canalha como se fossem antigos coleguinhas de escola que haviam brincado á apanhada? Devia estar doente! Realmente só podia estar doente, afinal tinha acordado na cama com aquele…
-Sim, Ginevra, ainda está em Londres. Falei em italiano porque Rico, com quem falava, é de Moserallo onde tenho família e onde actualmente fiz a minha residência fixa. Há muitos italianos entre os meus empregados.
-Para te sentires em casa? - Era de conhecimento geral que os Malfoy haviam se mudado para Itália depois da guerra terminar.
-Não -disse ele enquanto ria de novo -. A minha família tem muitos amigos e muitos conhecidos ou filhos de conhecidos que vão por aí com a mochila às costas e que decidem vir ter com Draco Malfoy para que lhes dê trabalho.
Ao menos estava no país certo, mas o quarto dela e de Marcus era pequeno. Não é que fosse realmente pequeno, mas comparada com aquele...
Marcus!
Com um gemido de terror Ginny começou a dar-se conta da realidade daquela situação.
-Também pedi água muito fria -disse Draco, aparentemente alheio ao súbito mal-estar da ruiva - Suponho que estará sedenta.
Foi a descoberta do milénio. Tinha a boca como se tivessem colocado um aspirador dentro, mas isso era pouca coisa comparada com o zumbido que tinha na cabeça.
-Obrigada -disse Ginny, sentou-se lentamente, pressionando com força a colcha contra seu corpo ao dar-se conta que não usava mais que umas calcinhas muito pequenas e o soutien imaculadamente branco. - Obrigada -disse de novo, clareando a garganta com um ligeiro pigarro e desejando que a sua mente lhe desse alguma pista sobre que diabos estava a fazer ali.
-Está bem? -perguntou ele com preocupação.
-A verdade é que não -disse ela depois de respirar fundo e massajar as têmporas lentamente, desejando que o maldito quarto deixasse de dar voltas para que ela pudesse se concentrar. - De facto não me sinto nada bem.
-Já notei -disse ele, mas a preocupação se esfumou da sua voz de tal modo que Ginny abriu os olhos de repente.
-Sinto muito... -começou a dizer ela com as palavras amontoando-se na sua boca -. A verdade é que não sei o que passou. Estou aqui com... – parou de repente e duvidou por momentos sobre o nome a dar a Marcus -...meu noivo.
Ele olhava-a, com uma sobrancelha levantada em sinal de interrogação, enquanto ela lutava por inventar alguma desculpa para sair dali com um pouco de dignidade e voltar para o seu quarto, e sobretudo pensava em que desculpa poderia dar a Marcus quando ele perguntasse onde tinha estado.
-Acredito que comi algo estragado, ou que tenho a gripe ou algo do género. Devo me ter enganado no quarto... – parou novamente ao ver como ele levantava também a outra sobrancelha fazendo Ginny se render. – Estou de ressaca, não é? -perguntou sem se atrever a olhá-lo nos olhos.
-Atrever-me-ia a dizer que sim -disse ele assentindo com a cabeça e levantando-se da cama. Ginny apercebeu-se que ele estava a rir da cara dela e achou que já era o suficiente. Enrolou-se na colcha e, ignorando as marteladas na sua cabeça, levantou-se furiosa. Só não sabia se estava furiosa com aquele furão ou se com ela mesma. Não serviria de nada gastar o seu tempo com desculpas. Acontecesse o que tivesse acontecido na noite anterior, ficar ali a ver como ele ria dela não ia resolver nada.
-Tenho que ir -disse ela, e desejou poder ser uma dessas mulheres sofisticadas que tinha visto nos filmes muggle. Desejou poder pôr um sorriso místico e despedir-se lançando um beijo. Mas acordar no quarto de um homem desconhecido, de qualquer homem na realidade, não estava entre os seus hábitos quotidianos, e o seu habitual ar de segurança parecia não estar disponível naquela manhã.
As lágrimas ameaçavam sair, mas Ginny conteve-se. O que a fizera chorar nos braços de Draco na noite anterior (e ela nem queria saber o que fora) não se ia repetir de maneira nenhuma. Por isso limitou-se a percorrer o quarto com o olhar á procura da sua roupa.
Localizou os seus sapatos e a sua bolsa e arrastou-se até lá. A colcha estava enrolada com tanta força que não lhe permitia mover-se muito bem, mas não se importava. O que queria era voltar ao seu quarto com o Marcus e esperar que ele tivesse com tanta ressaca como ela e não se apercebesse de que ela não passara a noite lá.
-Se estás á procura do teu vestido, os empregados do hotel vão to trazer daqui a pouco.
Aquilo era demasiado para ela. Com um suspiro de frustração Ginny sentou-se no bordo da cama e colocou a cabeça entre as mãos. Finalmente o cabelo caiu-lhe formando uma cortina ruiva sobre os ombros e cara. Por um momento sentiu-se protegida atrás daquela cortina vermelha. Por um segundo ou dois sentiu-se à vontade atrás daquele véu improvisado enquanto pensava em como é que ela,
Ginny Weasley, meticulosamente organizada, sempre sob controlo, podia ter acabado numa situação como aquela.
A noite anterior tinha sido planejada até o último detalhe. Tinha-a planejado como planejava cada trabalho que tinha que realizar, deixando os sentimentos de lado, comprovando cada detalhe vezes sem conta até estar segura de que tinha tudo controlado.
A noite anterior era uma noite de negócios.
-Não me enganei, verdade? -murmurou ela enquanto começava a recordar horrorizada – tu trouxeste-me para o quarto? - ela deu ênfase ao tu, tentando que deixasse de tratá-la tão formalmente, fazia-a sentir-se ainda pior.
-Sim.
-Foste dormir no sofá -aventurou-se ela a dizer - Eu não queria descer para...
-Para estar com seu noivo -interrompeu-a Draco - outra vez. Por isso deixei que dormisse na minha cama e eu dormiria no sofá.
Aquilo tinha sentido. Já tinha encaixado algumas peças daquele quebra-cabeças, mas muitas coisas ainda continuavam ocultas na sua mente.
-E por que...? -começou a dizer ela e ele, ao ver os nervos na face sardenta e bela, limitou-se a sorrir - por que acordei… nos teus braços? Por que não estavas no sofá?
-Pediu-me que compartilhasse a cama consigo -disse ele em voz baixa - Ao princípio neguei. Logicamente estava preocupado, dado estar... -tossiu envergonhado -. Dado seu estado etílico e sua falta de controlo.
-Mas acabaste por te deitar - disse ela com intenção de fazê-lo sentir-se mal e aparentar ter o controlo da situação. Mas a sua intenção fracassou.
-Foi insistente. Muito insistente.
-Ah! – Ela disse sentindo-se ainda mais envergonhada
-A verdade é que ficou bastante histérica. Em vez de lhe dar uma bofetada ou petrificá-la decidi dormir consigo visto que não faço nenhum tipo de agressões, mágicas ou não a uma mulher indefesa.
-Ah - repetiu Ginny, e sabia que dizia a verdade, pois as palavras do louro tinham desenterrado muitas lembranças. Lembrava-se de Draco pedindo que se tranquilizasse, Draco a oferecer-lhe água e insistindo como um pai protector que a bebesse. Draco tirando lenços e lhe secando as lágrimas... de repente nos seus pensamentos uma nova e muita mais inquietante lembrança formava-se. Draco levantando-a nos seus braços, abraçando-a gentilmente, falando com sua formosa voz, até que...
Ginny respirou fundo. Quase podia sentir a mão forte do homem no seu pescoço, massajando-a levemente para aliviar a tensão e acalmando-a como se deve fazer com uma criança que acaba de ter um pesadelo.
Mas não tinha havido nada de infantil na resposta que aquilo tinha provocado na pele dela, nada de inocente na maneira que o seu corpo tinha reagido ao tacto de Draco. Se era possível, odiou-o ainda mais por conseguir que ela pensasse e sentisse aquelas coisas por ele. E, ali sentada, envergonhada, zangada e claramente humilhada, Ginny sabia que havia uma última pergunta a fazer. Uma resposta horrível que completasse o seu desespero, uma ferida a mais no seu orgulho antes de voltar ao seu quarto e tentar lembrar-se como a noite anterior tinha seguido aquele caminho.
-Fizemos...? -começou a dizer ela, engoliu a saliva que lhe custava a descer a garganta e olhou-o directamente nos olhos, preparada para enfrentar a realidade e a sua consciência. - Fizemos alguma coisa os dois?
-Falamos -respondeu Draco -Correcção, você falou e eu escutei.
-Desculpa se te aborreci - disse Ginny forçando um sorriso que não foi correspondido. Continuou a falar - Então, se tudo o que fizemos foi falar, como é que acabei sem vestido?
-Quando chegamos ao quarto pedi café porque pensei que lhe ajudaria. Teria funcionado se não o tivesse derramado. O seu vestido está lá em baixo, na lavandaria -disse ele com um sorriso escarninho- Não fizemos sexo, se é o que a preocupa. Mas, já que puxou o tema...
-Não puxei - contradisse ela mas, logicamente, ele ignorou-a.
-Já que puxou o assunto -repetiu Draco - Se realmente tivéssemos feito sexo não teria que lhe recordar isso. Quando faço sexo com uma mulher posso lhe assegurar que ela não tem qualquer problema em se lembrar.
Ela olhou-o fixamente e soube que, por muito arrogante e presunçoso que soasse, ele dizia a verdade e teve vontade de lhe bater por constatar isso. Odiava a maneira como era perfeito em tudo. Não havia nada que não fosse inesquecível nele e Ginny tinha que admitir a si mesma que uma noite de sexo com aquele homem não seria algo que uma mulher pudesse esquecer.
-Obrigado.
-Porquê?
-Por não te aproveitares.
-Acredite, não foi difícil.
O quê? Ela pensou
-Não...? -perguntou ela desnecessariamente para ter a certeza.
-Definitivamente não. Acontece que prefiro me deitar com mulheres que estejam conscientes.
Ginny decidiu ignorar aquele comentário e, depois de piscar um par de vezes, começou a sentir o que parecia ser alívio.
Nem tudo estava perdido ainda!
Ter passado a noite toda fora não ia cair muito bem a Marcus e, sem dúvida Ginny teria que omitir o detalhe de que acordara na cama de outro homem, ao fim e ao cabo Draco era o sócio de Marcus, mas o facto de que não tivera nada íntimo com ele ponha de parte a traição. Esperaria o seu vestido e sairia dali o mais rápido possível sem causar mais problemas.
Afastou o cabelo da cara e viu que Draco ainda olhava para ela, por isso tentou pôr um pouco de humor àquela situação tão pouco habitual.
-Uff!
Ele não lhe devolveu a piada, só se deitou novamente na cama e apoiou-se no cotovelo com a cabeça na mão, e continuou a olhá-la com descaramento.
-Uff? -perguntou ele com tom irónico.
-Sinto muito -disse ela de novo, mas com um tom mais seguro que antes -. Normalmente não bebo. Pelo menos não bebidas fortes. Alguma taça de vinho sim, mas quanto a bebidas destiladas não. Nem sequer gosto do sabor. Ontem à noite tomei umas só para ganhar coragem, percebes?
Ele ficou em silêncio.
-Claro que não percebes. Não precisas de bebida para ganhar coragem…
-Não me apercebi de que tivesse bebido a noite passada - disse ele, e as suas palavras a desconcertaram. Começou a perguntar-se se o tinha interpretado mal -. Quanto bebeu?
-Duas vodkas com laranja. E se é isto o que me provocam, fico grata de não beber habitualmente. Como pode haver gente a fazer isto por prazer?
Deu-se conta que começava a divagar e desejou que Draco sorrisse, que encolhesse os ombros, algo, algo em vez de a olhar daquela forma tão inquisitiva.
-Realmente acredita que duas vodkas com laranja poderiam ter esse efeito? -perguntou ele finalmente, mas quando Ginny se dispôs a responder, ele adiantou-se. - Ainda não percebeu que o que pedia não era o que bebia?
-Trocaste o meu pedido? -perguntou ela assustada, e preparou-se para se levantar, mas Draco soltou um suspiro de indignação e murmurou algo em italiano, o qual Ginny não interpretou precisamente antes de dar-se conta da verdade -. Foi Marcus!
A raiva que surgiu dentro de si não ajudou a suavizar as marteladas da sua cabeça, por isso fechou os olhos e tratou de engolir mais uma vez um dos muitos defeitos da personalidade do Marcus. Impressionante que nem depois de ela lhe dar a sua palavra como ia fazer o que ele queria se aquele homem sem escrupulos que era o seu noivo conseguia confiar nela.
Era a confirmação, se é que precisava, do baixo que Marcus estava disposto a descer para conseguir o que queria.
-Os empregados do bar do hotel alertaram-me do que estava a acontecer -continuou Draco, mas Ginny mal ouvia, muito ocupada com aquela situação para se preocupar com os pequenos detalhes -. Deve se lembrar que eu estava na mesa ao lado.
-Mmm -disse ela com um leve movimento de ombros e negando com a cabeça, mas ao notar que corava de novo soube que não poderia enganá-lo. Um metro e noventa de beleza na mesa ao lado não poderia ter passado despercebida, apesar de ter a um super-atento Marcus junto a ela. Recordava claramente a faísca que tinha saltado entre eles quando os seus olhos se encontraram a noite anterior, mas não estava disposta a aumentar o ego de Draco admitindo aquilo.
-Você pediu o cocktail de morangos sem álcool que aparecia no menu. Na verdade pediu três.
-Sim mas, como já te disse, tomei essas malditas vodkas, e também houve vinho durante o jantar...
-Bom, o que na realidade tomou foi uma versão muito questionável do cocktail de morango, mais concretamente três deles. O seu companheiro ia ao bar cada vez que você pedia e dizia a algum empregado que tinha trocado de opinião e que afinal preferia com alcool. Assegurou-se de escolher um empregado diferente sempre que o fazia, e conseguiu até que o tentou pela quarta vez e Rico notou o que estava a acontecer.
Ginny passou a mão pelo cabelo, furiosa com o Marcus mas, sobre tudo, furiosa consigo mesma por não ter-se dado conta do que acontecia, por ter sido tão inocente de pensar que duas vodkas pudessem ter causado aquele efeito. Mas a sua fúria começava a dirigir-se para uma direcção diferente. Era muito bonito da parte de Draco dar lições de moral, muito bonito da sua parte opinar como se comportavam os seus hóspedes, misturar-se sem ser convidado e armar-se em cavalheiro com armadura brilhante e cavalo branco, mas não fazia ideia das circunstâncias. Não se dava conta de quão importante tinha sido a noite anterior para ela e, sobre tudo, para o seu pai. Desejava que Draco tivesse ficado fora de tudo isto e tivesse deixado que a noite tivesse seguido o seu horrível e inevitável curso.
Ao menos assim já teria acabado tudo.
-Vou ter uma conversa com o Marcus. Se for este o tipo de comportamento que tem, então deveria procurar outro trabalho.
-Não, por favor - disse ela com um gemido. Era vital que Draco se mantivesse á parte daquele assunto. - Ele não fez de propósito. Sabes como ele é, não é verdade?
-Não faço a mínima ideia de como ele é. Desde que o empreguei só o vi um par de vezes e apesar de termos sido colegas de escola não éramos muito próximos. Mal o conheço -disse encolhendo os ombros, mas sua expressão endureceu ao ver a cara de Ginny- Por acaso disse-te uma coisa diferente?
É obvio que Marcus tinha contado outra história. Segundo ele, tinha muita confiança com Draco, confiança que estaria disposto a usar se Ginny não fizesse o que ele queria. Não podia arriscar-se a chatear o Marcus, não podia arriscar o bem-estar dos seus pais.
Draco tinha que acreditar nela.
-Marcus e eu... -começou a dizer ela, ruborizando cada vez mais - Bem, íamos... – calou-se desejando que Draco dissesse que não queria saber dos detalhes, que percebia a mensagem.
Mas não. Ele simplesmente ficou ali, olhando para ela, com a boca fechada, sem mudar o seu evidente descontentamento sobre o assunto. Ginny olhou para o chão e murmurou o que esperava que fosse o final daquele assunto tão embaraçoso.
-Íamos ficar comprometidos definitivamente esta noite - disse numa voz quase inaudível. Olhou para cima e viu a confusão nos olhos dele. Ele abriu a boca para dizer alguma coisa, mas mudou de ideias e a voltou a fecha-la - Por isso bebi. Estava nervosa -explicou Ginny pacientemente.
Mas, ao que parecia, Draco tinha problemas em compreender aquele quebra-cabeças. Abanou a cabeça e abriu a boca de novo, mas aí sim falou com um tom perplexo.
-Por que estava nervosa? Por que estava assustada quando devia ser um momento de alegria?
-Simplesmente estava -ripostou ela furiosa. Não ia lhe contar os detalhes mais pessoais, lhe contar que Marcus tinha deixado as suas intenções muito claras. Não haveria mais beijos vacilantes à porta, não mais desculpas de Ginny. Marcus ia reclamar o que supunha que era dele naquela noite.
E não havia nenhuma coisa que ela pudesse fazer a respeito.
Decidiu que já tinha falado muito assim que se levantou e tentou recolher o cabelo.
-Deixemos as coisas por aqui, ok? Podes dizer à lavandaria para me trazerem o vestido? Eu gostaria de me vestir - disse ela, mas ao ver que Draco não fazia intenção de se mexer, encolheu os ombros - Muito bem, se é assim que gostas de jogar, então o farei eu mesma.
Levantou a sua varinha que estava jogada no chão e apontou-a para o objecto que Draco havia falado antes, murmurando lavandaria, ignorando o olhar descarado de Draco. Não tinha que se justificar a ele. Se queria continuar se fazendo de herói, então seria melhor que procurasse outra donzela em apuros.
-Muito bem, compreendo que pudesse estar um pouco tensa -disse ele, reatando a discussão como se a última parte da conversação não tivesse acontecido. - Mas por que quereria Marcus a embebedar? Que tipo de homem se declararia a uma mulher quando esta nem seria capaz de se lembrar na manhã seguinte?
Ela deixou escapar uma gargalhada profunda e grave. Draco teve que fazer um esforço por entender as palavras de resignação que saíram da boca de Ginny.
-Um muito decidido.
A derrota na sua voz, a exasperação, fizeram com que algo se agitasse no interior de Draco. De repente os seus sentimentos para com Marcus, esse suposto homem que o tinha incomodado a noite anterior, passaram de desagrado a repugnância, de desprezo a fúria. Mas nada disso se notava na sua voz. Sabia que uma palavra mal dita a deixaria de novo à defensiva, levaria-a para fora do quarto e da sua vida.
Não queria que partisse.
Aquela certeza deixou-o estupefacto. Na noite anterior tinha estado preocupado, tanto como o teria estado ao ver qualquer hóspede ou qualquer mulher a ser enganada. Mas já tinha acabado. Já tinha feito o seu dever moral, tinha evitado o problema. Ela já estava sóbria, capaz de tomar as suas próprias decisões. Se queria o seu vestido, se queria voltar ao quarto daquele verme, por que não a deixar? O que importava o que aquela mulher fazia com a sua vida?
Mas importava.
-Não estará considerando a possibilidade de voltar para o quarto com Marcus depois do que ele lhe fez a noite passada, pois não?
-Olha -disse ela forçando um sorriso enquanto o olhava - Obrigado pela tua preocupação. Por muito errado que tenha sido o que ele fez, estou certa de que tinha boa intenção. Mas a verdade é que eu sabia o que fazia ontem à noite e não precisava da tua suposta ajuda.
-Atrevo-me a discordar.
Ginny abriu muito os olhos e elevou as sobrancelhas surpreendida ao comprovar como seu delicioso sotaque italiano notava-se ligeiramente por trás do bem formulado inglês.
- A única coisa sensata que fez ontem à noite foi me pedir ajuda. A mim! – Ele falou mais alto mas a sua voz saia calma e pensada, quase perigosa, enquanto apanhava o queixo dela entre os dedos para obrigá-la a olhá-lo - Provavelmente quer que lhe refresque a memória?
-Provavelmente não -disse ela envergonhada.
-Um sócio desviou a atenção de Marcus durante uns segundos enquanto eu a afastei do salão e lhe contei o que ele estava a fazer. A senhorita começou a chorar e implorou que eu a livrasse dele, implorou-me por ajuda. Não me deixou outra opção senão trazê-la para aqui.
-Mas não precisavas! - gritou Ginny afastando as mãos dele dela para olhá-lo desafiante. Mas Draco não tinha acabado ainda.
-Acredite que preferia não me ter incomodado. Se houvesse um quarto livre no hotel asseguro-lhe que era para lá que teria ido. Acha que não tinha coisas melhores para fazer do que ser seu guardião? Não só tinha uma sala cheia de convidados para me encarregar, mas também tinha a imprensa toda preparada para escrever um artigo sobre um deslize meu.
Sem parar para tomar fôlego, sem dar mais explicações, andou em direcção á porta e abriu-a de repente. Ginny percebeu que tinha ido longe demais, que ele a ia jogar porta fora e o pior é que ele tinha toda a razão para o fazer. Draco Malfoy comportou-se como um autêntico cavalheiro e ela não tinha sido mais que uma ingrata. Baixou a cabeça, envergonhada, enquanto tentava caminhar envolta na colcha.
-Onde vai? Onde diabos pensa que vai?
-Para o meu quarto. Pensei que me estavas expulsando.
-Vim buscar o Profeta Diário. Tentava lhe mostrar porque é que ontem eu tinha coisas mais importantes para fazer - disse enquanto olhava o jornal. De repente a sua cara ficou tensa e atirou o jornal furiosamente para o outro lado da sala antes de voltar a dirigir sua raiva para ela - É esse o tipo de homem que julga que eu seja? Homens que a abandonam no meio do corredor usando só roupa interior e um lençol? -perguntou. A sua expressão relaxou - Ginevra, isso não é maneira de viver.
Com aquela voz tão suave o seu nome soou de tal forma que Ginny quase pôs-se a chorar. Teve que fazer um esforço por controlar-se.
-Tenho que ir - disse ela de repente, incapaz de olhá-lo nos olhos – Falarei com a lavandaria para que me tragam o vestido, preciso apenas usar a casa de banho por uns minutos. Não demorarei e depois vou embora.
Levantou a varinha e preparou-se para falar, desejando recuperar o seu vestido e sair dali, longe das intermináveis perguntas de Draco. Já estava metida em suficientes confusões para passar por aquela introspecção.
Mas Draco não tinha terminado. Aproximou-se e tirou-lhe a varinha da mão.
-Um compromisso não deveria ser algo especial? -perguntou ele enquanto uma lágrima deslizava pela bochecha de Ginny - A noite em que um homem se declara a uma mulher não deveria passar à posteridade em vez de desembocar num sórdido assunto repleto de álcool e arrependimento?
-Não compreendes -disse ela apertando os dentes e desejando que parasse de uma vez. Se fosse apenas a declaração de Marcus que ela esperava, o pior é que de romântico não havia nada. Marcus só queria a virgindade dela.
-Compreendo o suficiente. Se eu fosse me declarar e pedi-la em casamento queria ter a certeza de que era sincera e estava consciente dos seus actos e sentimentos, tratá-la-ia como uma mulher merece que a tratem, não a embebedaria. Qualquer que fosse a razão porque seu noivo o fez, de certeza que a intenção não era boa.
Tinha a mão sobre o ombro do Ginny, mas ela não o olhava. As suas palavras penetravam na sua mente como agulhas e por um momento imaginou-se fazendo parte da vida dele, sendo a sortuda mulher nos braços de Draco, imaginou a felicidade que sentiria ao fazer o amor com ele, ao sentir a sua boca explorando a sua própria, as suas mãos acariciando-a, aquela voz suave nos seus ouvidos… ser tratada como uma mulher merece. Aquela imagem da perfeição só fazia com que a noite anterior parecesse ainda mais como uma traição a Marcus Flint. A imagem daquele prazer que não possuía só fazia aumentar a crueldade daquela união com Marcus. E só constatava como ela estava a enlouquecer. Draco e Marcus eram provavelmente areia do mesmo saco
-Entendo que não te sintas... -parou para encontrar a palavra adequada, e Ginny ficou completamente rígida, a sua mente a correr a cem à hora por causa daquela indecisão.
-... confortável –Draco encontrara a palavra e falara com rapidez. - Vejo que minha presença a incomóda, mas tem uma solução fácil. Tenho que regressar a Roma dentro de pouco tempo. Avisarei para trazerem as suas coisas. Poderão dizer ao Marcus que foste para casa doente. Isso dar-te-á espaço e um pouco de tempo para pensares sobre isto. Por favor, Ginevra, sei que não compreendo o que aconteceu, mas acredito que deveria pensar cuidadosamente a possibilidade de
voltar para esse homem. Ontem à noite não só estava triste, estava angustiada e como não aprovo os métodos do Marcus, possivelmente fiz-lhe um grande favor.
-Um favor? Porque diabo dizes isso? -disse ela com uma gargalhada cínica que morreu nos seus lábios ao ver que o louro continuava a falar.
-Ontem à noite dizia a verdade. A cama do Marcus não é o lugar em que quer estar.
Entregou-lhe a varinha e Ginny ficou a olhar para ele sem saber o que dizer, fazer ou pensar. Odiava Marcus mas não podia deixá-lo. O futuro dos seus pais dependiam dele. Não podia deixar o que restava da sua família á mercê de Flint mas, ao ver Draco ali, ao ter consciência de que ele achava que ela merecia muito melhor e ela sabia que merecia a ideia de voltar para o seu noivo dava-lhe náuseas.
Não importava o inferno que viesse depois, não importavam as consequências, Draco tinha razão.
Voltar para Marcus simplesmente não era uma opção.
N/A:Sei que tenho fics em atraso e estou a trabalhar nelas mas gosto de ir variando. Sou uma pessoa que detesta a monotonia e centrar-me numa só coisa não faz parte de mim por isso peço perdão e espero que gostem desta fic.
