Título: Deus não está ao seu lado.
Autora: Nanda Magnail.
Censura: M.
Spoilers: Sétimo livro, tirando o epílogo.
Nota: O que eu posso dizer? Esta é a versão 3.0 de Nosso Sangue. Sim, 3.0. Essa fanfic é muito complicada, eu passei três anos sem escrevê-la (e durante esse tempo fiz a minha cirurgia na coluna, concluí meu ensino médio e entrei na faculdade, então foi tudo muito intenso e, confesso, não parei para pensar nessa fic), e isso significa que o meu estilo de escrita mudou, eu mudei, e a história em si tomou uma dimensão muito maior na minha mente, e não poderia continua-la se a deixasse do outro jeito.
Por isso a mudança de nome também – Nosso Sangue em nada combina com o rumo que a história vai tomar, ao menos não tanto quanto antes. A fic ficará muito mais psicológica (deu pra perceber isso nos últimos capítulos postados da última versão), e deixa-la como Nosso Sangue infantilizaria a história. E o novo título foi extraído da música Nightmare, do Avenged Sevenfold, por ser a música tema da fanfic. Outra notinha: a guerra não será tão suavizada quanto no livro. As mesmas coisas aconteceram, mas de uma forma mais violenta. Só digo isso.
Eu pensei em postar em outro link e deletar esse, mas fiquei pensando em todos os leitores que favoritaram e colocaram nos alerts, na espera de que um dia eu atualize, e desisti da ideia. Não sei como vai ser a recepção de vocês, e dessa vez eu não vou atualizar um por um. Não poderia fazer isso sendo que fiquei três anos parada, então vai logo tudo de vez. Espero que vocês deem uma chance para essa terceira versão.
DEUS NÃO ESTÁ AO SEU LADO
001
peace of mind is less than never
and nothing stops the madness turning
haunting, yearning, pull the trigger
Nightmare, Avenged Sevenfold.
Fora um grito que a acordou.
Estava escuro e o lugar em que estava deitada era tão frio quanto se podia estar. Ergueu-se com dificuldade, percebendo pelo arrepio na espinha que não estava vestindo nenhuma roupa. Tateou até encontrar sua varinha, e lançou um poderoso lumos.
Do chão ao teto, descobriu que estava em uma terrível sala de espelhos – e aparentemente sem saída. Seu reflexo se repetia em todas as formas, e a sensação de estar sendo analisada, sufocada, a tomou por completo. O desespero apareceu no lugar da prévia confusão, mas engoliu-o garganta abaixo e começou a pensar em uma saída. Não era a primeira vez que Hermione Granger se encontrava encurralada, e não seria a primeira vez em que não descobriria uma forma de escapar.
Com a varinha em punho, aos poucos foi se aproximando do espelho a sua frente. O brilho no centro conseguia tomar toda a sala, até o ponto de tornar-se cegante. Fechou os olhos, e, quando os abriu, o reflexo no espelho era o de uma Hermione de 11 anos, descobrindo sua magia, com o uniforme de Hogwarts impecavelmente alinhado. A menininha que tinha dentro de si um poder grande demais, maior do que ela mesma, e que logo entraria em um mundo em que nunca havia imaginado antes, para um destino que ela não pediu.
Pelo canto do olho, viu um movimento.
No espelho ao seu lado, estava a Hermione Granger do baile de inverno, com o lindo vestido azul e as esperanças de uma noite inesquecível. Havia a marca de lágrimas em suas bochechas e um sorriso quebrado em seus lábios secos.
Você arruinou tudo, disse-lhe em um sussurro, e lhe deu as costas.
Ouviu outro grito, dessa vez muito mais alto e terrível que o anterior. E nos segundos que se sucederam, ela compreendeu que este era o seu próprio.
Ela estava deitada no chão, ensanguentada e ferida. Gritava a todos pulmões, e Hermione conseguiu sentir a sua própria garganta queimando ao ouvir-se. Bellatrix estava em pé, varinha na mão, lançando o feitiço que fazia seu sangue queimar em suas veias, como se ácido corresse debaixo de sua pele. E Hermione tentava se segurar em uma crença que aos poucos se tornava vã. Sua cabeça se enchia de perguntas e chegou ao ponto de sentir tanta dor que não mais a sentia. Era como flutuar em um mar em chamas. Seu corpo estava entregue e só restava balançar-se com a maré.
Isso logo se provou errado quando Bellatrix se sentou em cima dela, adaga em mãos. A dor que veio em seguida era real, Hermione sabia, e se questionou se a dor que havia sentido antes não o era, e se havia algo como uma dor não real, mas ela percebeu que nada disso importava porque no final tudo doía como o próprio inferno, e o mar tomava o seu corpo, as chamas a engoliam por dentro e ela se perguntou se esta não era a sensação de enlouquecer.
Fora da memória, Hermione afastou-se bruscamente do espelho, com vontade de vomitar.
Só faltava mais um espelho para ser visto, e este fora o que mais temeu. Virou e o que encontrou a assustou ainda mais. A Hermione deste espelho era a Hermione da guerra. A Hermione que tomou todas as decisões necessárias para vencer. Para o bem maior.
Havia sangue em suas mãos, em seu rosto. A obstinação em suas feições causou-lhe medo. Aquela era uma Hermione que ela não queria reconhecer como parte de sua história. Sentiu vergonha, nojo, remorso. Mas ela fez o que tinha que ser feito, e saíram vitoriosos desta guerra.
Saíram?, ouviu-se perguntando.
A imagem no espelho aproximou-se dela, o rosto se contorcendo numa careta bestial de raiva, e antes que Hermione pudesse prever, havia uma mão em seu pescoço, forçando o ar para fora de seus pulmões. Tentou gritar, mas o mero esforço fez com que sucumbisse de joelhos. Tudo o que conseguia enxergar eram os olhos do outro lado do espelho, loucos e irritados. Tão subitamente quanto apareceu, a mão desapareceu, deixando-a arfando a procura de ar. De repente, um forte tremor tomou conta da sala. Os espelhos explodiram ao seu redor e o lumos se extinguiu. A escuridão a cobriu novamente antes de uma forte luz tomar seu lugar.
X
– Hermione? Acorde, chegamos em Hogwarts. – disse Ron, cutucando-lhe o ombro.
Seus olhos doeram quando a luz bateu direto na pupila, manchando a visão com pontos luminosos. Sua cabeça doía, seu corpo todo doía. Mesmo com o estômago embrulhado e o suor frio, acreditou que aquilo havia sido apenas um sonho muito nítido. Ajeitou-se e saiu da cabine com Ron, que tinha um sorriso tímido nos lábios.
Eles estavam em um relacionamento estreito. Depois do beijo que haviam trocado na porta da Câmara Secreta, a relação entre eles havia mudado um pouco, mas nenhum dos dois havia dado o passo para um novo beijo. A ironia era que, dessa vez, a mais insegura era Hermione. E por isso ela aos poucos se afastou de Ron, buscando a companhia de Ginny ao adentrar em uma das carruagens.
O caminho até Hogwarts fora silencioso. Todos os alunos que ficaram para a batalha conseguiam ver os testrálios, e isso deixou o clima bastante desconfortável. Apesar de gentis, esses animais eram uma memória constante da morte, do que viram e vivenciaram. Que encararam a morte nos olhos, e que agora se perguntam por que não foram levados por ela. Mas apenas respirar o cheiro constante de poeira e cobre, pisar neste solo ensanguentado, estar naquele castelo fazia com que a lembrança daqueles que se foram doesse ainda mais, como enfiar o dedo sujo numa ferida que nem chegou perto de cicatrizar.
Como um mar em chamas que te consome e as brasas abraçam seu corpo e ele afunda, afunda em dor...
Hermione não queria mais pensar nisso. Nunca mais.
Deixou que a testa suada descansasse na janela, mantendo-se distante da conversa que acontecia entre os amigos apenas para não ter que falar e ter a certeza de que sua voz estava trêmula – porque ela toda estava tremendo, por dentro e por fora, e ninguém sequer percebia.
Não se deu conta quando a carruagem parou, e foi a última a descer por conta disso. Seguiu Ginny até o castelo sem realmente ver para onde andava. Tentava desviar sua mente do sonho, mas seus pensamentos sempre voltavam para a sala de espelhos e as diferentes Hermiones nos reflexos. O tempo passava em sua frente sem que ela tomasse consciência, e só percebeu que não ouvira nada do discurso entusiasta, mas ao mesmo tempo melancólico, de sua diretora, quando o prato a sua frente encheu-se de comida. Apesar da dor e do enjoo, seu estômago roncava de fome e foi isso que a fez comer, mesmo que mecanicamente. Tudo o que desejava agora era a sua cama e um sono sem sonhos.
– Pessoal, vou dormir. Estou morrendo de dor de cabeça.
– Quer que eu te leve para a enfermaria? – Ron perguntou.
Hermione sentiu aquele calor preencher suas bochechas, e pelo canto dos olhos viu Ginny e Harry trocando um olhar compreensivo, mas não queria a presença de Ron. Queria ficar sozinha e dormir, precisava descansar a mente. Mas decidiu passar na enfermaria. Sentia que aquela dor de cabeça seria das grandes.
X
O castelo ainda guardava as marcas da guerra. A restauração durou exatos dois meses com todos os feitiços e bruxos capacitados, mas os olhos críticos de Hermione conseguiam ver que nos corredores ainda haviam rachaduras, e o cheiro de sangue, poeira e suor que a guerra deixou ainda estava presente.
Aquele cheiro horrível de morte que a perseguia.
Caminhou para mais perto da parede, deixando que os dedos tamborilassem pelas pedras bem talhadas, conhecendo seus contornos e histórias pelo toque. Todo o barulho do castelo concentrava-se em seu Salão Principal, mas os sons dos passos de Hermione, por conta da acústica, pareciam ecoar para além daquelas paredes. Era um som abafado e paranoico, que lhe dava a sensação de estar sendo observada. Os pelos da nuca estavam arrepiados pela mera sensação.
Subiu as escadas do primeiro andar até a ala hospitalar, acompanhada apenas do som de seus sapatos contra o chão. Não gostava muito de ir para lá. Para falar a verdade, odiava ir para lá. Enfermaria era resultado de desastres; petrificação, envenenamento, perda de ossos. Não que menosprezasse o trabalho de Madame Pomfrey, mas ir para a enfermaria nunca era algo bom.
– Eu compreendo, Sr. Malfoy, mas espero que o senhor entenda que o meu estoque desse produto é extremamente limitado. Minha enfermaria não está apta para remédios assim. É realmente necessário esse tipo de medicamento?
Hermione jogou-se rapidamente ao lado de uma cama, cobrindo-se com a cortina e prendendo a respiração. Não sabia o porquê de tê-lo feito, mas ficou curiosa para saber mais sobre o assunto. Outra voz quebrou o silêncio da enfermaria. Estava mais grave e rouca do que se lembrava, com um tom frio e indiferente que fez com que a respiração de Hermione escapasse com um silvo de surpresa. Mesmo ouvindo seu sobrenome, a voz de Draco Malfoy deixou-lhe arrepiada.
– Sim, foi o que o medibruxo de minha família afirmou. Depois de tudo, se fez necessário.
– Oh, Sr. Malfoy, mas o senhor não trouxe um estoque consigo? – a voz de Pomfrey era preocupada, ao mesmo tempo contida e surpresa.
– Ele acabou. Entenda, eu realmente preciso desses remédios. A senhora não poderia providenciar um novo estoque para mim? Não consigo contatar meu medibruxo com facilidade.
– No seu caso, darei um jeito, mas é óbvio que pode demorar a...
Hermione tentou espiar o que estava acontecendo pela cortina, mas só conseguiu fazer com que o lampião que estava atrás de si escorregasse e caísse no chão. O som se expandiu no silêncio e o disfarce de Hermione se desfez em segundos quando Madame Pomfrey puxou a cortina, revelando-a. Malfoy estava a alguns passos dela, os olhos cinzas quase negros pela escuridão da enfermaria, mas Hermione podia sentir a fúria que eles emanavam. Já vestia o uniforme da escola sem uma mácula, apenas a gravata verde e prata mantinha-se um pouco folgada. No conjunto, aparentava como um estudante normal, mas sua voz revelava um quê de desespero, Hermione percebeu.
Deu um olhar nervoso para a enfermeira, pedindo desculpas.
– Desculpe a interrupção, Madame Pomfrey, eu só queria uma poção para dor de cabeça.
– Tenho aqui, minha jovem, se aproxime. Com os NIEMs e NOMs sempre é bom ter um grande estoque. – disse a enfermeira gesticulando com a mão para que ela se aproximasse.
Hermione viu quando ela lançou um olhar para Malfoy.
– Madame Pomfrey, vejo que nossa conversa acabou. Pegarei os remédios, se não tiver algo contra. – a funcionária abriu a boca para contestar, mas Malfoy já estava pegando uma pequena caixa em cima da escrivaninha no canto da sala, sem nem ao menos lançar um olhar para Hermione. – Boa noite.
Saiu sem que nenhuma outra palavra fosse trocada, deixando o ambiente tenso. A enfermeira entregou o pequeno frasquinho com a substância de cor azul bebê, lançando um olhar acusador e um apressado boa noite para a garota.
Estava prestes a correr até o dormitório tamanha a sua vergonha quando sentiu a ponta de uma varinha tocar a parte de trás do seu pescoço. Sua surpresa pelo ato fez com que ela soltasse um ofego de surpresa e medo. Malfoy contornou, ficando de frente para ela, sem retirar a varinha. Não sorria, e Hermione viu, tão de perto, as fundas olheiras e o quanto seus olhos estavam desesperados. Hermione nunca havia imaginado os olhos do desespero, mas agora, em sua opinião, eles eram uma cópia exata dos de Draco Malfoy.
– O quanto você ouviu?
Hermione não iria mentir e dizer que não havia ouvido nada porque era bem perceptível que ela havia se escondido. Soube que não tinha escolha quando percebeu que sua varinha estava no bolso interno e qualquer movimento brusco faria com que Draco lançasse uma azaração, ou algo pior, sem pensar. Rendeu-se ao previsível.
– Você só estava pedindo o estoque de um remédio. Só ouvi isso, Malfoy.
– Esse assunto não passa daqui, ouviu Granger?
Arqueou as sobrancelhas em desafio, e tudo o que Hermione conseguiu foi balançar a cabeça, concordando. Ele abaixou a varinha devagar, testando-a e medindo suas reações. Quando o fez, Hermione ajeitou a roupa e caminhou a passos lentos, preparando-se para qualquer feitiço lançado a suas costas, mas nada aconteceu. Passou o resto do caminho com a sensação de estar sendo observada, e só conseguiu relaxar quando viu a aglomeração de alunos atrasados em frente a Mulher Gorda.
Encontrou suas companheiras de dormitório deitadas, então fez o mínimo barulho possível enquanto trocava de roupa e deitava. Enquanto seus olhos se fechavam por conta do cansaço, pegou o frasco na cabeceira da cama e o tomou de vez, percebendo que a dor de cabeça continuava lá quando o alívio finalmente veio. Não foi preciso mais do que cinco segundos para fechar os olhos e dormir – e foram os olhos e as palavras dele as últimas coisas em que pensou antes de entrar na inconsciência.
X
Deixou o corpo trêmulo escorregar na parede. Estava acontecendo de novo. Suas mãos tateavam o chão a procura do remédio, mas era difícil quando estas tremiam tanto. Seu corpo era assaltado de segundo em segundo por tremores e ondas de calor e frio que ele não sabia de onde vinham. Sentia a cabeça pulsar e a visão já começava a enegrecer.
Aquilo era horrível, a sensação de incapacidade e desespero que isso resultava deixava Draco paralisado – não tanto quanto da primeira vez, quando ele nem conseguia pensar. Podia-se dizer que já estava acostumado com a sensação.
Encontrou a caixa depois de alguns segundos, abrindo-a abruptamente. Dela retirou uma pequena pílula branca, engolindo-a de vez. Demorou alguns minutos até que o corpo fosse tomado pela calmaria. Sentindo o coração perder as batidas aceleradas, olhou para as mãos que não mais tremiam, e depois coçou os olhos, percebendo que sua visão voltava ao normal.
Olhou para os lados, temendo encontrar alguém que tivesse visto sua crise. Sozinho, era assim que ele estava e sempre estaria. Crabbe estava morto, Zabini e Parkinson se afastaram depois do fracasso, Goyle ainda se mantinha fiel, mas Draco sabia que ele não seria mais tão companheiro depois de vê-lo perder o controle daquele jeito. Ninguém gosta de ver a loucura tão de perto.
Respirou profundamente, segurando a caixa com uma mão enquanto impulsionava o corpo para cima com a outra. Não podia perder seu remédio, muito menos dizer a Madame Pomfrey que o estoque de três meses havia acabado em duas semanas - e não saberia o que fazer se ficasse sem ele, não sabia que desculpa inventar. Aprumou-se e levantou, caminhando apressadamente até as masmorras, esperando que não fosse tarde demais.
Havia acabado por enquanto, mas Malfoy sabia que os ataques voltariam muito em breve. Afinal, ele havia voltado para Hogwarts. Como é bom estar em casa novamente, pensou com ironia.
N/A: Hoje, dia 30/05, é o meu aniversário. Deem uma review de presente para essa autora perdida, haha.
Publicado em: 30/05/2015.
