Peter, O Conquistador

Ele estava tonto, um pouco nauseado e ao mesmo tempo explodia dentro de suas veias a adrenalina pura e simples. Aos seus pés uma poça viscosa de sangue fresco e um corpo caído inerte, que se parecia com um saco de batatas coberto com uma armadura. Miraz, o infame Lorde Miraz estava morto diante dele e atrás de si um exercito de narnianos ovacionava furiosamente a vitória do Grande Rei do Passado.

A glória o perseguia novamente. Ele era amado por seu povo, era respeitado como devia sempre ser, a final ele era não apenas um rei, ele era O Grande Rei de Nárnia. Ele era O Magnífico.

A vitória dava a ele o status de conquistador dos telmarinos, ainda que fosse evidente que enquanto Sopespian vivesse, eles teriam problemas. Então a guerra terminaria ali e terminaria naquele momento. Ele estava preparado e ele sabia que em uma guerra havia pouco espaço para gentilezas. Se ele pretendia salvar seus soldados, seus amigos e sua família, então não era preciso pensar muito. O coração do exercito fora atingido, agora precisava eliminar o ultimo grande alvo que impediria a tomada completa do poder.

Ele ergueu o braço que Edmund havia posicionado minutos antes e o abaixou, dando o sinal derradeiro. Do alto da fortificação, uma flecha certeira foi atirada. O grito agonizante cortou o ar como uma lâmina e o corpo de Sopespian caiu e permaneceu inerte no chão. Aslan não havia se mostrado para ele, então era justo que Peter tomasse as rédeas da situação.

Não porque ele era o Grande Rei, não porque ele era o mais experiente, mas porque ele era o mais preparado, porque sua causa era justa e porque ele fora coroado pelo Grande Leão. Por isso ele era amado pelo povo e seria amado pelos telmarinos também. Infelizmente, o trono de Telmar não lhe pertencia.

Ele olhou para trás, para se certificar de que estavam todos bem. Edmund, como bom diplomata, caminhou até o general Glozelle para oferecer a ele os termos de rendição. Atrás do irmão mais novo, Susan olhava para o príncipe Caspian, agora Caspian X, com um olhar cheio de devoção e alívio.

Peter sabia. Entreouviu uma conversa sussurrada entre os dois. Caspian podia não ser o líder mais genial, mas não era de todo idiota. Ele precisava de algo que assegurasse seu posto junto aos narnianos e o que poderia dar a ele mais direitos do que Susan. A Rainha Gentil de Nárnia, casada com o mais novo rei telmarino. Nenhum narniano, nenhum telmarino, nenhum calormânio e nenhum arquelônio questionaria um rei em tais condições.

De tudo o que um telmarino podia usurpar, Caspian escolheu tirar dele e dos narnianos o tesouro mais precioso. Susan havia aceitado a proposta de casamento, totalmente deslumbrada por aquele rapaz de cabelos negros e olhos escuros, cheio de boas maneiras e nenhuma firmeza para comandar. Susan, sua amada Susan, aceitou ser a rainha de um rei inferior, um que não tinha nenhuma habilidade nem como governante, nem como homem.

Peter havia lutado inúmeras vezes. Conquistou seu trono pela força e pela bravura, governou com sabedoria, derrotou o exercito telmarino e tudo isso para quê? Para entregar aquele indigno o lugar que pertencia ao Grande Rei por direito! Para entregar a Caspian a mulher mais bela que Nárnia já viu, uma rainha que devia ser somente dele!

Ele não faria isso, ele não permitiria que nada, nem ninguém usurpasse aquilo que lhe pertencia. Diante dele o exercito telmarino estava perplexo e desmoralizado, enquanto narnianos o apoiavam com toda devoção de mil e trezentos anos de espera por um milagre. Ele era o milagre. Aslan o havia escolhido para ser o grande milagre que salvaria Narnia da ameaça do inverno perpétuo e da fúria telmarina.

Glozelle foi chamado para dentro da fortaleza improvisada, para discutir a rendição e a coroação de Caspian, junto com os lordes restantes do conselho. Não passavam de velhos, seguros de mais de seu suposto poder. Aqueles homens decrépitos tremeram diante de Miraz, alguém tão inferior quanto eles próprios. Era chegada a hora deles tremerem diante de uma força muito mais poderosa.

Dentro da abençoada escuridão do salão onde a Mesa de Pedra servia como centro e grande lembrança de um passado glorioso, os Lordes estavam silenciosos e temerosos. Lucy, que havia voltado da floresta sozinha no meio da batalha, estava encolhida em um canto, decepcionada com sua própria falta de sorte. Edmund estava confiante e preparado para a discussão que se seguiria, como um cão de caça, pronto para o ataque. Susan estava logo atrás dele, tentando disfarçar a forma como sua mão esbarrava na de Caspian constantemente.

Logo a sala estava cheia. Trumpkin, dois minotauros, dois centauros, o rato Ripchip e o Texugo estavam ali, representando as forças vitoriosas de Narnia. Todos eles fieis aos Reis do Passado.

- Miraz foi derrotado. – Edmund se pronunciou como o grande porta voz dos narnianos – Como foi estabelecido pelo trato, isso dá aos narnianos a vitória sobre suas tropas. Isso já é um grande golpe na confiança de seu exercito, por tanto sugerimos que honrem o contrato.

- Prometem a anistia aos soldados e também aos nobres do conselho? – Glozelle questionou sabiamente, enquanto os lordes permaneciam em silêncio.

- Qualquer um que reconheça o novo rei terá anistia, mas não correremos o risco de ter entre nós um possível traidor, ou um rebelde. Ou todos assumem o destino que melhor se encaixa ao momento, ou então toda paz almejada estará em risco. – Peter assumiu a palavra, cortando Edmund.

- Gostávamos de Miraz tanto quanto vocês. – um dos Lordes falou sério – Acredito que falo por todos ao afirmar que estamos fartos de guerras inúteis, impostos sufocantes e tirania. Que o novo rei seja coroado. Todos os telmarinos se curvarão.

- Mas e os narnianos? A quem se curvarão no futuro? – Peter questionou, encarando os lordes com olhos firmes – Quantos reis telmarinos governaram e quantos deles olharam além de seus próprios interesses? Nenhum narniano teve qualquer prova de que um telmarino merecia governá-los. E nenhum mereceu. Tiranos, todos tiranos!

Caspian emitiu um som estranho, algo como um rosnado. Susan encarou o príncipe e o irmão com temor. Peter estava enveredando o discurso por um caminho tortuoso.

- Achei que isto já estava definido. – Caspian falou firme – Eu serei o novo rei e enquanto eu ocupar este posto honrarei minha palavra aos narnianos. Eu agradeço seus esforços para me ajudar a conseguir meu trono e enquanto eu viver, Sua Majestade pode ficar sossegado.

- Sinceramente, Principe Caspian, não creio que esteja preparado para assumir um fardo desta magnitude. – Peter encarou o pretenso rei – Governar exige um preparo, exige frieza e coragem que você não tem.

- Como se atreve?! – Caspian estufou o peito e avançou perigosamente sobre Peter, mas antes que chegasse perto, a espada do centauro Glestorn, o impediu.

- O jovem príncipe pode se indignar, mas qualquer agressão contra um de nossos Reis, ou contra nossas Rainhas, corre o risco de ser muito mal interpretada. – a voz do centauro se pronunciou solene.

- Como VOCÊ se atreve? – Peter retrucou – Não teve nem ao menos a decência de desafiar seu tio para reivindicar seu direito. Nós fomos chamados de volta a este mundo para solucionar um problema e é isso o que aconteceu. Talvez seja hora de admitir que um telmarino não foi feito para governar.

- EU SOU O REI POR DIREITO! – Caspian rugiu furioso enquanto Peter mantinha a expressão imutável. Ninguém ousou se intrometer.

- Que direito? Você tem tanto direito de reinar quanto Miraz tinha! – Peter retrucou.

- Então o que sugere?! – Caspian questionou em tom de desafio. – Quer que os telmarinos entreguem o trono a você?!

- Eu ao menos posso usar a história ao meu favor. Minha coroa, meu trono e meu título foram dados a mim por merecimento, por Aslan! Enquanto Nárnia era governada por nós, este mundo conheceu uma Era de Ouro. – Peter bradou – E o que vocês trouxeram?! Discórdia! Destruição! Uma Era de Trevas!

- Você não tem o direito! – Caspian insistiu.

- Eu tenho TODO DIREITO! – Peter rebateu veemente – EU MATEI MIRAZ! Um trabalho que, se você tivesse qualquer pretensão de ser rei, teria feito sozinho!

- Nenhum telmarino aceitaria! – Caspian argumentou – Você jamais seria aceito pelo povo!

- Eu destronei um tirano, eu fui mandado por Aslan para salvar todos vocês. Pergunte aos narnianos o que eles preferem! Pergunte aos narnianos quem é o Grande Rei?!

O silêncio pairou na Mesa de Pedra. Nem narniano, nem talmarino ousou contestar. Aquele rapaz loiro, pouco mais que um menino, era um milagre sobre duas pernas. O escolhido de Aslan, seu filho predileto.

Susan não sabia a quem socorrer. Edmund estava sério e concentrado no súbito revés e Lucy, mesmo achando a reação de Peter incorreta, não encontrava dentro de si nenhum argumento que conseguisse persuadi-lo, mesmo porque Aslan não havia aparecido para ajudar Caspian a ser rei. O mais sensato era pensar que, talvez, o motivo para terem voltado era justamente aquele. Governar novamente.

Os minotauros e demais narnianos se agitaram dentro do salão. A idéia tinha seu mérito e agora os lordes e o general estavam presos dentro da fortaleza e acuados. Tudo o que sempre desejaram estava a um passo de se tornar realidade. Os Reis e Rainhas do passado voltariam, talmarinos estariam sujeitos as novas regras e Narnia teria mais uma vez seus tempos de glória. Era um pensamento sedutor de mais para não ser levado em conta.

Peter encarava Caspian como um leão, seguro de sua força e majestade, certo de que ele era a melhor escolha. Seria um clamor geral, uma grande agitação, quando ele se proclamasse rei novamente. Peter, O Magnífico, agora seria conhecido como Peter, O Conquistador.

- Falo por todos os narnianos quando digo que a presença dos Reis e Rainhas do passado foi um fator decisivo nesta causa. Lutamos por Caspian diante da possibilidade de um futuro melhor, sem nunca acreditar piamente que isso nos levaria a algum lugar. Entretanto, quando nossos reis se apresentaram, todos tivemos a certeza de que era um sinal. É o fim dos anos de submissão e massacre. – Gastorm falou convicto – Qualquer narniano, seja ele centauro, anão, animal, ou qualquer outra raça, sonha com o dia em que a Era de Ouro retornará e este dia finalmente chegou.

- Queremos os nossos reis! – foi o grito dos narnianos extasiados.

- Isso é absurdo! – os lordes gritaram.

- Peter! Não pode estar falando sério! – Susan falou desesperada pela atitude do irmão. – Isso é deslealdade!

- Deslealdade? Não, isso é justiça! Estou apenas reivindicando meus direitos! – ele disse encarando-a friamente – E você não vai ter que se casar com esse arremedo de príncipe para ser rainha outra vez.

- Eu não quero ser rainha outra vez! – ela rebateu histérica – Não nessas condições!

- Nem eu. – Lucy falou timidamente.

- Ótimo. – Peter falou seco – Se não desejam cumprir seus deveres como governantes, então ao menos assumam suas posições na linha sucessória. Serão o príncipe herdeiro e as princesas de Nárnia até que eu tenha um herdeiro próprio. Satisfeitos?

- Para nós, seus súditos leais, é aceitável. – Glestorm falou.

- E quanto a nós? E quanto ao príncipe Caspian? – Glozelle questionou – Depois de tudo, o que será feito de nós?

- Não vou correr o risco de ter um outro pretendente ao trono. – Peter falou frio – O príncipe Caspian deve ser mantido prisioneiro nas masmorras do castelo telmarino, até que tenhamos condições de colocá-lo em um lugar mais adequado a sua condição principesca. Cair Paravel deve ser reconstruído.

- Você não pode fazer isso! – Susan disse apavorada, enquanto se colocava entre o irmão e seu noivo.

- General Galstorm, prenda o príncipe Caspian, o general Glozelle e qualquer lorde que se oponha ao que foi decidido. – o silêncio foi ensurdecedor e todos estavam em dúvida sobre o que devia ser feito. Lucy abraçou Edmund numa tentativa de encontrar no irmão alguma proteção. – AGORA!

Foi tudo muito rápido. Caspian foi detido por um minotauro, enquanto os demais narnianos dentro da sala se encarregavam de aprisionar os nobres e o general Glozelle. Peter não estava muito certo se deveria dar aos lordes a chance de escaparem vivos, mas qualquer eventual execução devia ao menos aparentar o respeito a um processo legal e justo.

Susan tentou impedir que o minotauro levasse Caspian, gritou, ordenou, mas tudo o que conseguiu foi a indiferença do vigilante. Ela não era mais uma rainha, era apenas a princesa de Nárnia, apenas a segunda na linha de sucessão. Ela caiu no chão se entregando a um choro desesperado, quase convulsivo. Aquilo o incomodava, mas seria bom para ensiná-la seu devido lugar, para puni-la por sua tentativa de traição.

- O que deu em você, Peter?! – finalmente a raiva surgiu dentro dela, o bastante para confrontar o irmão.

- Eu poderia perguntar o mesmo a você. – ele disse sério – Jogada ao chão, aos prantos, por um homem que não passa de um usurpador, um ninguém! É essa a posição adequada a uma rainha de Nárnia?! É ISSO O QUE VOCÊ CHAMA DE BOM COMPORTAMENTO?!

- Eu não sou mais uma rainha, como você mesmo determinou. Eu sou apenas uma princesa, nada com que deva se preocupar. Então assuma seu maldito trono e me deixe em paz! – ela voltou a chorar.

- Sim, você é apenas uma princesa agora, mas vai agir de modo que não envergonhe nem a mim e nem aos narnianos! – ele gritou enquanto a puxava pelo braço para que se erguesse – Não vai agir como uma camponesa histérica, tão pouco vai chorar por um usurpador telmarino! EU A PROÍBO!

- VAI FAZER O QUE?! – ela berrou contra ele – VAI ME PRENDER TAMBÉM?! ME JOGAR NUMA CELA POR TER CONTRARIADO O GRANDE REI?! – foi o limite. Sem pensar duas vezes ele desferiu um safanão contra o rosto marcado por lágrimas. Lucy, horrorizada se agarrou a Edmund, que abraçou a irmã com força.

- Você não vai falar comigo desta maneira outra vez. – ele disse firme – Eu fui claro, Susan?

- Perfeitamente... – ela murmurou num tom que ele não se lembrava. Ela estava ferida, terrivelmente ferida, por culpa dele.

- Estejam preparados para amanhã. Marcharemos para a capital e haverá coroação. – Peter disse firme – Estejam dispostos e tirem essas caras de funeral do rosto. E quanto a você. – ele apontou para Susan – Eu espero que esteja sorrindo durante toda coroação e que esteja usando vermelho.

- Por que não posso usar outra cor? – ela perguntou baixo.

- Porque eu gosto de vê-la usando vermelho e porque azul se tornou uma cor proibida para você, a menos que eu esteja usando também. – Peter disse ríspido – Você não usará as cores telmarinas, não usará as cores dele.

Ela não o contestou. Ninguém se atreveria a contrariá-lo agora. Peter havia ultrapassado o título de O Magnífico, para se tornar algo infinitamente mais poderoso.

As ruas da cidade foram tomadas por uma população temerosa, enquanto as tropas narnianas caminhavam com a sensação de que sua glória havia sido plenamente restaurada. Cabeças erguidas e a confiança plena de que tudo seria melhor, agora que Peter assumiria o trono.

Edmund usava verde e cavalgava com altivez, tentando demonstrar simpatia. Lucy, vinha logo atrás, fazendo um grande esforço para sorrir para a população, dentro de seu vestido rosa claro. Susan sorria levemente, sem qualquer nota de veracidade no ato, e usava um suntuoso vestido de tafetá vermelho, bordado a ouro. E Peter usava a coroa, sorria convicto, cavalgava como um deus e exibia suas vestes vermelhas.

Eram agora a família real de Nárnia e Telmar. Eram o modelo de perfeição, de bravura, de lealdade e santidade. Milagres de Aslan, os grandes soberanos, eram tudo o que poderia ser desejado.

Peter sentou-se no trono, sentiu o peso da coroa sobre sua cabeça. Susan estava sentada ao lado dele, com os olhos baixos, num trono menor, assim como Lucy e Edmund. Os guardas, telmarinos e narnianos, encararam com firmeza o novo rei.

Ele era um garoto, muitos diriam, mas ele sabia que havia nascido para ser o maior, para ser o melhor. Ela nasceu para uma missão mais elevada.

- VIDA LONGA AO REI! VIDA LONGA AO GRANDE REI PETER! – e o grito de saudação era a confirmação que ele precisava para ter certeza. Ele era Peter, O Magnífico. Ele era Peter, O Conquistador.

Nota da autora: Aviso aos navegantes do Peregrino da Alvorada. Esta fic tende a seguir por caminhos sombrios e tortuosos. Os temas abordados podem não agradar (sim, vai ter referencia à incesto) e Peter está um tanto...Tirano? Sim, essa é a idéia. Mas os fãs de Suspian, não se desesperem. Eu sou a favor de final feliz pra todo mundo.

Eu simplesmente não conseguia me conformar com o Peter aceitando o Caspian assumir o trono, a glória e tudo mais. Acho que depois de provar o poder uma vez, é muito difícil lidar com a abstinência. Então é isso. Peter vai se recusar a ser deixado de lado. Uma vez rei de Nárnia, sempre rei de Nárnia.

Comentém

Bjux

Bee