Holmes feriu seu ombro e a minha cicatriz doía muito naquele inverno.

Recebi então, no começo da primavera, uma carta inesperada enquanto visitava meu amigo. Mary e eu tínhamos brigado novamente.

"Não sabia que tinha parentes vivos. Quiçá uma dama, Watson." Comentou meu colega, sentado confortavelmente em sua poltrona favorita.

Dei-lhe um pequeno sorriso habituado ao seu modo de ser e tamborilei os dedos no tampo da mesa, pensando em como falar-lhe a respeito.

"Imagino que seja um assunto delicado para você. Não precisa comentar se não quiser, Watson." Devo ter feito uma cara meio surpresa, pois ele prosseguiu. "Conhecemo-nos há anos e você nunca mencionou esta dama. Restam-me duas opções: ou ela é alguém insignificante da qual sempre se esqueceu, ou envolve um assunto complexo e dolorido. Quando comentei levianamente sobre ela, hesitou em responder-me, deixando-me inclinado a eleger como correta a segunda opção." Concluiu seu raciocínio com um quase sorriso que lhe era característico.

Pigarreei e fechei os olhos antes de responder.

"Mrs. Marie Louise Watson, a dama cujo nome estava no remetente do envelope que você olhou, Holmes, é minha madrasta." Abri os olhos para ver sua reação e ele tinha o rosto encostado em uma das mãos, com os olhos semi-cerrados, absorvendo calmamente a informação. "Ela casou-se com meu pai quatro anos após a morte da minha mãe, mas o casamento deles sempre foi ruim. Na verdade, até hoje me pergunto por que se casaram." Suspirei e Holmes continuou a não esboçar reação nenhuma.

Olhei pela janela, parecia que eu ainda podia visualizar meu pai ali, vivo.

"Eu nunca tive muita intimidade com ela, nunca houve essa possibilidade. Ainda mais após a forma trágica como meu pai morreu. Tudo o que eu quis, naquela época, foi correr para longe daquela casa, daquele povoado. Eu tinha vinte e nove anos."

Soltei um suspiro ao me lembrar de algo inesperado, nunca imaginei que, ao pensar nos olhos de meu pai, lembraria dos dela.

"Agora, Marie Louise está doente do coração e quer minha ajuda, como enteado e médico. Ela mora no interior, na casa de nossa família. Talvez sair um pouco de Londres seja bom para o seu ferimento, Holmes. Talvez os ares do interior nos curem da última temporada."

Dessa vez o sorriso de Holmes foi menos imperceptível ao perceber que, na realidade, eu queria apoio para enfrentar a casa que evocava meus fantasmas pessoais e escapar da realidade em que me encontrava preso, em Londres.