Catarina não pode dizer que era o que seu eu de 6 anos queria ser aos 22. Com 22, ela queria estar viajando, vendo o mundo com seus próprios olhos, conhecendo pessoas interessantes e muito, muito, muito longe da cidadezinha em que morava, a pacata Belo Vale, a 40 quilômetros de Brasília. Trabalhava numa loja de departamentos a dois quarteirões de sua casa, e todo dinheiro que sobrava da cara mensalidade de sua faculdade era guardado numa popança destinada a pagar as viagens que em breve faria. Não havia dinheiro algum na popança.
Todo sábado, ia ao parque e ficava dando migalhas aos pombos enquanto li algum livro ou estudava para uma prova. Naquele dia, escrevia um relatório sobre a vida de Agatha Christie para sua aula de literatura inglesa, quando um homem que se sentara ao seu lado comentou:
- Isso é mentira, sabe, Agatha Christie não estava hospedada em um hotel sob um nome falso quando desapareceu.
Catarina deu uma olhada no sujeito. Vestia terno e gravata borboleta naquele calor de 30 e tantos graus. Tinha um cabelo engraçado e um nariz bonito, e apesar de aparentar não mais que 27 anos, tinha olhos tristes e velhos, como se já tivesse visto mais do que deveria. "Hipsters" pensou Catarina, com um tantinho de desprezo.
- E onde estava ela, senhor?
- Bom, ela estava ajudando a mim e a uma amiga a desvendar o roubo do colar de uma senhora chamada Lady Eddison, e isso envolvia um homem que se transformava numa vespa gigante graças a genética alienígenas. Entretanto, como seu professor não provavelmente não conhece essa versão dos fatos, sugiro que não comente isso que te disse, apesar de ser a absoluta verdade.
Decidindo seguir a brincadeira, Catarina perguntou: – e como ela é? Agatha Christie, digo.
- Mulher maravilhosa, muito inteligente, deve ter ficado arrasada quando soube que estava sendo traída.
- E onde está sua amiga – perguntou, começando a achar aquele homem interessante.
- Ela se esqueceu de mim. – respondeu, virando-se para ela, e deu um sorrisinho triste – seu nome era Donna. E depois de Donna veio Amy, e não posso mais ver Amy. Pensei que tinha feito uma nova amiga, mas ela desapareceu no mesmo dia que nos conhecemos.
- Bom, talvez ela esteja procurando por você agora mesmo, talvez foi só um mal entendido. – O homem encarou-a e Catarina sentiu que estava sendo examinada. Que moço engraçado, pensou, estava falando de antigas namoradas? Pois isso seria muito indelicado. E de onde era esse sotaque?
- Quem sabe você possa vir me ajudar a procurá-la. – disse, olhando-a com esperança. Catarina se assustou. Isso era uma cantada? Não se parecia. Sorriu, e decidiu levar aquilo como uma brincadeira. Sujeito estranho. Gostou do homem.
- Bom, eu tenho que terminar esse relatório…
Depois daquela tarde, voltou a procurar o homem de gravata borboleta por todo o parque. Procuro-o nas ruas, nas lojas, nos café e livrarias de Belo Vale. Nunca mais o viu. Terminou a faculdade e conseguiu um emprego como fotógrafa numa revista importante do país. Nunca teve dinheiro na popança, mas viajou por todo o globo fotografando pessoas de todas as etnias. Jamais se perdoou por não ter ao menos perguntado qual o seu nome, e jamais parou de procurar pelo homem da gravata borboleta.
