Falling Snow

Watashi-tachi no ai wo sagashite

Capítulo I: "Terça feira – 18 de Dezembro"

Faltava uma semana para o Natal. Nas casas há muito se viam os enfeites natalinos, as guirlandas nas portas, os pisca-piscas reluzindo à noite, desenhando as silhuetas das casas.

A neve ainda não cobrira o parque por completo, então as crianças continuavam a freqüentá-lo, vestidos em seus agasalhos, luvas, cachecóis e tocas de lã. Criavam altos bonecos de neve e brincavam de fazer guerra com os grandes flocos brancos.

Ainda era cedo e por isso a temperatura não estava tão baixa. Ainda que os raios de sol infringissem com menor intensidade naquela época do ano, pelo horário ainda demoraria um pouco a escurecer.

Os três garotos estavam sentados no balanço, movendo-se lentamente para frente e para trás. Havia outro sentado um pouco mais afastado, e não se movia, nem parecia se dar conta do que quer que estivesse acontecendo ao seu redor. Estava compenetrado na leitura de um livro, provavelmente de Filosofia. Os cabelos ruivos estavam escondidos dentro da toca e do cachecol, e ele vestia grossas calças pretas e um casaco azul bebê. Por trás dos óculos de aro fino, os olhos azuis percorriam as linhas das páginas a sua frente. Não estava acompanhado por ninguém, já tinha idade suficiente para sair de casa sozinho.

Os outros garotos continuavam se balançando devagar, enquanto conversavam.

- E então, o que pediu de presente para seus pais? - perguntou o garoto de cabelos curtos, castanho-claros. Vestia um casaco verde que combinava com seus olhos.

- Vocês não vão acreditar, mas eu não pedi nada. Sempre acabo ganhando algo ainda melhor do que o que pedi, então neste ano vou esperar pela surpresa. - sorriu o loirinho de olhos azuis e pele peculiarmente morena.

- Que modesto! E vocês farão uma daquelas festas de sempre? Quem nos dera hein, Aiolia? O Natal lá em casa é tão chato. - reclamou Aiolos, o mais velho dos três. Assim como seu irmão Aiolia, possuía cabelos curtos, porém os seus eram quase loiros.

- Nem fala. - replicou Aiolia. - Esse ano eu não vou para a Igreja nem que mamãe nos arraste.

- Acredite, ela vai nos arrastar.

- Ora, se vocês quiserem, podem ir lá em casa. Gente e comida é o que não vai faltar. Ah, e apertões de bochecha. - fez uma careta.

- Suas tias ainda te chamam de Miluxinho?

- Daí para pior. - resmungou Milo. - Mas pelo menos os presentes melhoraram. De aniversário, ganhei patins de gelo. Melhor do que os carrinhos de plástico do ano passado.

- E vai dizer que você nunca brincou com eles? - Aiolos riu.

- Lógico que não! Já passei dessa idade, para o seu governo. E então? Vocês vão lá em casa?

- Gostaríamos, mas é tradição em casa fazermos a ceia juntos e deitarmos cedo na véspera.

- E no Natal, o Oria vai querer ficar brincando com os presentinhos que vai ganhar do Papai Noel!

Aiolia olhou feio para o irmão.

- Ah, cala a boca!

- Se quiser, te empresto meus carrinhos de plástico! - provocou Milo.

- Pro inferno, vocês dois!

Milo e Aiolos não se abalaram com a irritação de Aiolia.

- Ah... podia ser Natal todo dia. Eu precisaria de dez quartos para guardar todos os presentes!

- Contanto que eu não tivesse de aturar a missa de Natal toda vez, seria demais!

Sorriram. A idéia de um Natal interminável era sedutora.

Calmamente, o livro foi fechado. O ruivo ergueu os olhos e voltou a cabeça em direção aos meninos.

- É apenas nisto que pensam? O Natal é uma celebração cristã, cujo sentido vai muito além dos presentes que ganham. E vocês são frutos do que o comércio prega, utilizando a imagem do Natal apenas para vender. - ajeitou o óculos e fitou-os meticulosamente. - É lamentável.

Foram pegos de surpresa e não sabiam bem o que responder. Antes que pudessem pensar em qualquer resposta, o ruivo se levantou e colocou o livro no bolso dentro do casaco. Um loiro alto de cabelos longos vinha em sua direção, sorrindo.

- Te fiz esperar muito, Camus? - apoiou carinhosamente as mãos no ombro do garoto.

- Non. Mas por favor, não se atrase da próxima vez. - o sotaque francês era carregado e encantador.

- Me perdoe, meu querido. - o loiro passou o braço pela cintura dele, de forma íntima. - Não se repetirá, sim?

Camus assentiu e se deixou conduzir pelo parceiro. Aquele jovem sensual o deixava desarmado. Mesmo que soubesse que deveria estar bravo pelo atraso, não estava realmente. Sentia-se bem ao lado dele. Quando estavam juntos, ele não pensava nas coisas que o chateavam. Não pensava na saudade que sentia de seu país. Especialmente naquela época.

- Eu detesto esse francês. - sibilou Aiolia quando viu o casal se afastar.

- Acho que ele foi deportado do país dele por ser tão impertinente. - caçoou Aiolos.

- E ainda namora aquele metido do Saga! Aquele cara acha que é o bom só porque já está na universidade. Odeio esses veteranos.

- Quanto ódio no coração, irmãozinho. Lembre-se de que eu sou veterano.

- E é tão chato quanto os outros!

Enquanto os irmãos discutiam, Milo ainda olhava para Camus, que já estava saindo do parque com Saga. Estava sem ação. Já não era a primeira vez que o francesinho o deixava sem resposta ou reação. E Milo se sentia um idiota por isso.

- Os boatos dizem isso. Então Milo, - Aiolos estalou os dedos em frente aos olhos dele, o trazendo de volta a si. - talvez você até tenha uma chance com o ruivo.

- O que? Como assim chance? Quem disse que eu, Milo, quero algo com aquele francês metido a intelectual?

Indignado, Milo levantou-se do balanço. Ia afastar-se rapidamente, mas os pés afundaram na neve e quando ele tentou andar, tropeçou e caiu de joelhos.

- Droga! - murmurou.

Todos que presenciaram a cena caíram na risada, principalmente os irmãos. Tão logo Milo se levantou, fez duas bolinhas de neve e acertou nos amigos, que perderam o equilíbrio e caíram do balanço, sentados no chão.

- Ah Milo, mas você vai ver só! - disse Aiolia, fazendo uma bolinha antes de se levantar.

- Peguem-me se puderem! - exclamou o loiro e saiu correndo, dessa vez com cuidado para não tropeçar.

ooOoo

- Eu realmente não sei o que te dar. Quero dizer, até sei, mas isto eu posso te dar qualquer dia do ano, basta você querer. - disse Saga com um tom malicioso, aproximando-se de supetão de Camus para dar-lhe um beijo na orelha.

- Non diga bobagens, Saga! - respondeu e afastou-o. - Não pode se conter quando estamos em público?

- Não há ninguém vendo, meu belo garoto. - sorriu. - Vamos, peça-me qualquer coisa.

Já começava a escurecer e a temperatura caíra consideravelmente. Isso era o pretexto ideal para que Saga andasse ainda mais abraçado ao namorado. Passaram em frente a uma bomboniere.

- Quer bombons finos? Ou prefere um daqueles livros que você tanto gosta? Ou algo que... - hesitou. - te lembre a França?

- Você sabe que eu não me preocupo com presentes nessa época. Eu apenas...

- Você apenas...?

Camus ficou em silêncio e ajeitou o cachecol em volta do pescoço, de forma nervosa. Saga conhecia bem aquela atitude.

- É possível que eu ainda tenha de advinhar seus pensamentos? Será que você não se acostumou comigo ainda para dizer o que se passa aqui? - apoiou o indicador na direção do coração de Camus.

O ruivo corou levemente, o que não pôde ser percebido já que seu rosto já estava avermelhado pelo frio. Olhou para o lado.

- Eu apenas quero te ver no Natal, mon beau.

Saga estremecia quando ouvia aquelas palavras em francês saírem da boca de seu adorado Camus. Sorriu para si mesmo. Então ele queria vê-lo, han?

- Nesse caso, posso dar uma escapadinha de casa. - riu e então voltou-se para Camus. - A não ser que você queira passar o Natal conosco.

- Não... não posso deixar mama sozinha. Combinaremos um horário e podemos nos encontrar no parque ou em frente à catedral.

- Está ótimo para mim.

Camus pareceu satisfeito.

- É melhor eu ir para casa agora. - disse.

- Tão cedo! Nem ficamos muito tempo juntos. - Saga falou com uma voz queixosa.

- Amanhã você pode ir me ver se quiser, ange.

De novo, aquele estremecimento. Saga não se conteve e puxou o ruivo contra si, beijando-o sem que ele pudesse protestar.

- Não brigue comigo por isso. - disse o loiro com um meio sorriso, após se afastarem. - Eu apenas não posso resistir a você.

Camus apenas balançou a cabeça. Mais uma vez, não conseguia ficar com raiva. Saga estava sendo adorável naquele dia. Fazia semanas que ele não agia assim.

- Vamos Saga, já está ficando tarde.

- Certo, certo, já vi que não adianta insistir. Eu te levo em casa.

ooOoo

- Deseja que o ajude com as roupas, sr. Milo?

- Não, obrigado.

- Que tal um chocolate quente? - perguntou a outra empregada.

- Não agora.

- O jantar já será servido, podemos colocar seu prato à mesa?

- Não, não estou com fome.

Milo passou por todas elas ao entrar e subiu as escadas que levavam aos quartos. Queria livrar-se daquela roupa pesada e úmida e não precisava de ajuda para isso.

Abriu a terceira porta à direita no amplo corredor forrado de carpete azul e fechou-a atrás de si. Levaria uma bronca de sua mãe por não descer para o jantar, mas não estava se importando. Outra coisa o importunava mais. E tirava-lhe a paciência.

Tirou o casaco e as diversas blusas que vestia por baixo, vestindo três blusões de lã no lugar. Tirou as calças e permaneceu com as grossas meias que iam até os joelhos, vestindo duas calças de moletom quentes. O cachecol e a toca foram deixados em cima do criado mudo ao lado da enorme cama de solteiro, mas as luvas continuaram em suas mãos.

Sentou-se na beira da cama e depois jogou-se para trás, com um suspiro.

Não conseguia esquecer o episódio do parque, nem as palavras de Aiolos. Tudo isso o fazia pensar nas outras ocasiões e o deixava num misto de confusão e raiva. Sabia que o francês não gostava dele e o sentimento era recíproco. Ou pelo menos, costumava ser. Mas o que havia de errado para que sentissem aquela antipatia um pelo outro? Talvez por serem extremo opostos.

Porém os opostos não se atraem?

Naquele caso, sempre haviam se repelido. Milo lembrava-se bem de quando Camus fora transferido para o colégio onde ele estudava. O francês caíra justamente em sua sala. Até então, nenhum problema, já que eles nem se conheciam. Porém quando a professora apresentara o aluno para a sala, imediatamente Milo criara uma antipatia por ele.

Camus se apresentara e cumprimentara a turma falando de forma perfeita, tanto que nem notaram seu sotaque. Enquanto falava, calma e formalmente, fitava os colegas de classe daquela forma meticulosa que lhe era típica. Quando a professora dissera que ele podia sentar-se, ele ajeitara o óculos de aro fino e olhara de forma educada para ela, sentando-se do lado oposto ao de Milo.

Metido a intelectual, era o que Milo achava dele. Participava das aulas de forma brilhante, mas nunca parecia se gabar disso. Ajudava os colegas quaisquer que fossem suas dúvidas e tirava sempre notas altas. E ainda que tivesse atributos para ser popular e disputado, estava sempre isolado e sozinho. Um pouco antes do meio do ano, Saga passou a buscá-lo eventualmente na saída do colégio. Muitas pessoas o invejavam por namorar um universitário – ainda mais um bonito como aquele! - Ele, no entanto, não falava nada a respeito.

Camus, aos olhos de Milo, era perfeito. E de uma perfeição que lhe dava nos nervos. Todas as vezes que tentara desbancar o ruivo, recebera uma resposta desconcertante. Camus o julgava infantil e mimado. Nada conseguia fazer com que se entendessem.

E então, nos últimos tempos, Aiolos começara a importunar Milo dizendo que na verdade ele estava morrendo de amores pelo estrangeiro. E por mais que tentasse negar, ele sabia que já não sentia tanta raiva de Camus. E isso o confundia. E o irritava, profundamente.

ooOoo

Começara a nevar, e a visão dos flocos de neve caindo do céu do lado de fora da vidraça era um tanto bela.

Camus estava em pé em frente a janela de seu quarto, desfrutando dessa visão. Já jantara com sua mãe e iria dormir, quando o sono viesse.

Estava inquieto devido a atitude que tivera no parque. Não era de se intrometer na conversa alheia, ainda mais sabendo que os três garotos o detestavam. Mas não conseguira se conter. Milo era quase tudo o que ele fora um dia e desprezava. Antes de a empresa de seu pai abrir falência, ele fora um jovem que tivera tudo o que queria e não dera o devido valor. Não via as coisas da forma que as via agora. Apenas com tudo o que acontecera após a falência que ele mudara, radicalmente.

A pessoa que ele mais admirava e respeitava cometera suicídio.

Para seu pai fora doloroso demais perder tudo. Talvez ele houvesse falecido de qualquer forma, mas o fato é que ele não pensara no filho ou na esposa. Não o bastante para voltar atrás. Deu fim a própria vida, deixando a família desamparada.

Camus jamais se recuperaria desse trauma. Mesmo que o tempo e a mudança de país houvesse amenizado a dor e contido as lembranças, a experiência o havia marcado para sempre.

Repreendeu-se mentalmente por arrumar confusão com Milo e seus amigos. Ele não tinha culpa de ser como era. Talvez um dia algo o fizesse mudar.

Será que não estava na hora de uma trégua? Aquela guerra velada dos dois não fazia sentido.

Mas nunca ninguém o irritara tanto quanto Milo. E ele nem deveria estar pensando naquele playboy.

Por que não pensar em Saga e no que daria de presente de Natal para ele? Sim, Saga merecia um belo presente. Ele fora um dos motivos pelo qual Camus se recuperara da morte do pai e da mudança de sua terra natal.

É, era melhor deitar-se e sonhar com Saga.

Nada de pensar naquele pirralho fútil. Natal não era época de ressentimentos.

ooOoo