SPOILERS! :D
Dois anos. 730 dias desde a morte de meu melhor amigo.
Ainda não conseguia aceitar o fato. Não conseguia passar pela Baker Street sem sentir um aperto no peito, mas sabia que teria que fazê-lo – Prometi a Sra. Hudson.
- John! – Ela me recebeu com braços abertos, beijando-me em ambas as bochechas – Querido, você perdeu peso. Muito peso.
- Ah, sim – Tentei sorrir – Trabalhando muito, eu acho.
- Venha. Vou fazer algo para você comer.
Sra. Hudson me guiou gentilmente até sua cozinha. Fiz companhia a ela por um tempo, mas senti uma imensa necessidade de visitar o antigo apartamento. Ainda assim, conforme me aproximava, meus passos ficavam cada vez mais pesados e hesitantes. A lembrança da primeira vez que subi aquelas escadas me fez parar e fechar os olhos.
- Vamos, John – Sacudindo a cabeça e respirando fundo, continuei.
Destranquei a porta – ainda guardava a chave. Deparei-me com a mesma sala de sempre, exatamente como a deixei. Apenas com um pouco mais de poeira. Um feixe de luz entrava por entre as cortinas das janelas, e era possível ver os pequenos flocos de poeira flutuando calmamente sobre a mesa. Concentrei-me nisso por um instante. Antes das imagens chegarem. Antes daquele meio imaterial causar-me tanta dor quanto a lembrança de Sherlock.
Observei a lareira à esquerda da sala. As duas poltronas estavam onde deveriam estar, mas vazias. Então, quase que por reflexo, chamei, com a voz trêmula:
- Sherlock? – Idiota, idiota, idiota, pensei balançando a cabeça. Ele está morto. Pulou de um maldito préd...
- Sim? – Uma voz respondeu. Não me atrevi a olhar ao redor. Só havia a mim e a Sra. Hudson no apartamento, ninguém mais. Mas alguém disse algo e não veio de nenhum de nós.
Sher... Mas ele... Morto?... Que porra é essa?... Cozinha? Ele... Foi só minha imaginação, apenas minha imaginação, certo? Certo? Deve ser Mycroft, só pode ser...
- John? – Senti dois braços puxando-me para o sofá pelos meus ombros, meus passos embriagados quase me levando ao chão. Quem estava me guiando riu. Minha visão embaçada não me permitiu ver seu rosto – Sabia que sentiria minha falta.
Quando me recuperei da tontura, consegui enxergar, finalmente, quem estava à minha frente. Os mesmos cabelos negros e cacheados. Os mesmos olhos azuis. As mesmas maçãs do rosto. Os mesmos lábios- Que porra é essa?
- Seu merdinha – Minha voz estava rouca, portanto pigarreei – Seu grande e nojento pedaço de merd-
- Eu sei que está frustrado, John – Ele ainda estava sorrindo. O idiota ainda está sorrindo – Eu estava destruindo a rede de criminosos de Moriarty e-
- Seu colossal e completo excremento!
- Todos os seus insultos têm que se relacionar a dejetos? – Sherlock riu.
Rindo? Ele estava rindo? Você sabe o que fez comigo, seu... Eu queria bater nele. Torcer seu pescoço. Pisar em seu estômago. Puxar sua orelha. Chutar seu dedo mindinho. Portanto, fiquei profundamente surpreso quando percebi que estava beijando-o. QUE PORRA É ESSA?
A expressão de Sherlock foi quase cômica, algo entre a incredulidade e nojo. Empurrei-o e me levantei, andando em círculos pela sala.
- Explique-se.
- Bom, eu estava-, Sabe, eu tinha que-, Moriarty não deixou escolhas senão-, México e Rússia-, Acabei sendo preso, e meus dedos, e então Mycroft. É isso.
Ele acenou, como se tudo estivesse explicado. ÃNH?, Pensei. Mas isso não importava. Olhei para o homem sentado no sofá e escolhi as palavras calmamente:
- Por – Respirei fundo – Quê?
Sherlock pegou fôlego e começou:
- Mycroft e eu bolamos um plano para acabar com Moriarty e sua rede de criminalidades: ele ofereceria informações sobre meu passado e eu o deixaria acabar com a minha imagem. Quando eu o chamei para o telhado eu percebi que havia treze meios de eu sobreviver ao nosso encontro e salvar as três pessoas que ele estava ameaçando: Você, Hudson e Greyson. Garry. Gilson... Lestrade. Eu não sabia o quão fund-
- Não – Eu o interrompi – Não quero saber como – Solucei involuntariamente. Eu estava chorando? A umidade de meus olhos me distraiu – Eu...
- John – Sherlock me pegou pelos ombros novamente e me guiou até a poltrona – sua poltrona – fazendo-me sentar. Em seguida ajoelhou-se diante de mim. Que porra é essa?
- John – Ele recomeçou – Não chore... – Sherlock rudemente limpou minhas lagrimas, olhando-me como se minha reação fosse ridícula. MINHA reação é ridícula? Minha...
- Dois anos, Sherlock – Minha respiração ficando cada vez mais rápida – Dois malditos anos. Você estava morto.
- E você desejou que não estivesse então aqui estou! – Sherlock abriu os braços e sorriu como um maníaco. Bem típico. Seu merda. Não esbocei reação por um instante. O sangue me subiu a cabeça. Eu estava prestes a explodir. As veias do meu pescoço estavam aparentes. Sherlock não estava morto. Ainda.
Notando o iminente perigo, Sherlock apoiou-se em suas mãos e rastejou-se, de quatro, para longe de mim.
- John – Seus olhos se arregalaram, mas um sorriso continuava em seu rosto – Amigo. Parceiro. Brodi. Vamos nos acalmar, sim?
Não sei o que deu em mim. Não sabia o que pensar ou o que fazer. O que me restava fazer? Comecei a rir loucamente. Plausível, certo? Não consegui me conter, deixei-me cair da poltrona, ainda rindo. Uma figura apareceu sobre meu rosto, meus olhos lacrimejados embaçando minha visão.
- Surpreender John: feito. Contar que não estou morto: feito. Concertar John... – Ele murmurou para si mesmo. Minha risada passou a ser histérica.
- Eu – Ofeguei – te odeio – Ainda rindo – tanto.
- Eu acho que você precisa se deitar – Ele me puxou por um dos meus braços – E comer. Quando foi a última vez que comeu? Dois anos atrás?
- Odeio – Deixei-me ser guiado, as risadas histéricas ainda ressoando pelo apartamento – Tanto. Você.
Sherlock suspirou, puxando o edredom de sua cama e me empurrando.
- Durma – Ele disse – Vou fazer um chá. Sem drogas desta vez, eu juro.
Respirei fundo, controlando-me, e percebi que estava mesmo com sono.
- Odeio você, Sherlock – Me virei e, depois de muitas noites em claro, adormeci.
. . .
Não fazia idéia de que horas eram. O quarto não estava totalmente escuro, mas confortável o bastante. Senti, pela primeira vez em muito tempo, um bem-estar inexplicável, apesar do frio. Ainda sonolento, puxando o cobertor para mais perto e percebi algo ao meu lado, respirando calmamente. da- Puxei o cobertor todo para mim e me virei de costas para ele.
Um pequeno movimento, seguido por um gemido, impediu-me de adormecer novamente. Ao virar meu rosto para trás, percebi que Sherlock estava encolhido, com as mãos embaixo de seu rosto, tremendo.
- Ah, pelo amor de Deus – Revirei os olhos e cedi uma parte do cobertor ao homem em posição fetal. Aproximei-me mais dele, afagando sua bochecha gélida – Desculpa.
Mas que porra é essa? Afastei-me de Sherlock e me virei novamente. Chega de sentimentalismo, John. Estava prestes a dormir quando algo me envolveu.
- John – Um sussurro sonolento, seguido por um abraço mais forte. Só pode estar de brincadeira...
Com um suspiro, rendi-me ao chamego e, finalmente, dormi.
. . .
Acordei definitivamente quando a luz do dia iluminou o quarto. Estava mais frio do que o de costume, mas ainda usava o cobertor.
- Sherlock? – Um medo profundo de que tudo tenha sido um sonho me envolveu, então gritei mais alto, apoiando-me em meus cotovelos – Sherlock?
- Não sou a Sra. Hudson, não precisa gritar – Ele entrou no quarto, massageando um dos ouvidos, como se tivesse ficado surdo. Rainha do drama, sim. Ele ainda usava pijamas, mas retirou o robe azul para se jogar na cama.
O que ele estava fazendo, eu não sabia. Existiam dois quartos naquele apartamento. E um sofá. Por que estava lá, comigo, eu não sabia. Isso é ruim. Não que eu me importasse. Isso é pior. Ahn? Deitei-me de novo, encarando o teto.
- Então... – Eu tentei falar algo plausível – Dia de folga?
- Tentando uma conversa fiada, John? – Sherlock estava deitado de bruços, o rosto enterrado no travesseiro, então sua voz saiu abafada.
- É isso ou eu prendo sua cabeça até você morrer sufocado.
Sherlock suspirou contra o tecido, sem mudar sua posição.
- Tem um caso... - Ele pausou.
-... Sim? – Disse para que prosseguisse.
- Um cliente veio aqui hoje de manhã. Ele é parte da vigilância do sistema de metrô. Falou que notou algo suspeito nas gravações – Sherlock levantou a cabeça, o rosto perturbadoramente perto do meu, com os olhos arregalados de esperança – Quer investigar?
Fiquei paralisado por alguns instantes. Por que faz isso, Sherlock? Não, espera-Sacudi a cabeça.
- Não? – Sherlock franziu o cenho. Ele pareceu tão desolado que eu tive que rir.
- Sim – Sentia falta da adrenalina também. Não tanto quanto senti sua- Que porra é essa, John? – Vou só... Comer algo antes.
- Ótimo – Ele disse voltando a enterrar a cabeça no travesseiro, desfazendo a expressão de dor tão facilmente quanto respirava.
Sacudi a cabeça, pensando em esquentar a comida que a Sra. Hudson fez para mim ontem.
. . .
- Ah, Sr. Holmes – Um homem atendeu à porta.
- E esse é meu amigo, John Watson – Sherlock indicou para mim.
- Colega – Eu disse, cumprimentando o homem à minha frente.
Entramos na casa. Sherlock se aproximou de mim e sussurrou:
- Colega, hm? Não parecia que éramos colegas enquanto me beijava ontem-
Cotovelei sua costela fortemente, calando-o.
- Se você contar isso a alguém... – Deixei a ameaça no ar, enquanto Sherlock massageava seu tórax, sorrindo.
- É por aqui, Sr. Holmes – A cabeça do homem apareceu de dentro de um cômodo. Quando entramos, impressionados pela quantidade de trens de brinquedo, miniaturas, cartazes e desenhos, o homem explicou, brevemente – Eu gosto de trens.
- Certo – Eu e Sherlock dissemos ao mesmo tempo.
- É isso que eu queria que você explicasse, Sr. Holmes – Ele se sentou em frente ao computador, rodando o vídeo – Homem entra no vagão do trem. Uma viagem que demora dez minutos, sem paradas, sem meios de sair do trem em movimento – Ele colocou outro vídeo – Ninguém sai quando o trem chega ao seu destino.
A curiosidade de Sherlock foi evidente. Ele se inclinou para a tela, assistindo ao vídeo de novo.
- Explique isso, Sr. Holmes.
. . .
Estávamos de volta ao nosso antigo apartamento. Sherlock estava iluminado pelo novo caso. Ele colocou o vídeo para tocar em seu computador.
- Isso é impossível. As filmagens foram manipuladas? Por um... Um hacker? – Eu disse. Sherlock grunhiu em resposta – Quer dizer, mesmo que um vagão inteiro tivesse se desconectado do...
Sherlock se virou lentamente para mim, uma expressão surpresa em seu rosto.
- O que? – Eu franzi o cenho. O que eu sugeri não pode ter sido tão ridículo assim.
- Brilhante – Ele murmurou, sacudindo a cabeça.
- Olha, se você quer ser sarcástico-
Ele me interrompeu com um beijo. Mas o que... Que porra é essa? Foi rápido e estranho. Sherlock tinha meu rosto preso entre suas mãos, mas logo me soltou e assistiu ao vídeo novamente.
- Tão simples – Ele murmurou para si mesmo - Sete vagões saem da estação. Seis chegam.
- Então é isso? – Eu disse, recuperando-me do choque – O que eu disse está certo?
- Sim, mas por quê... – Ele resmungou.
- Por que alguém deixaria um vagão solto no subterrâneo de Londres – Eu concordei – Algum tipo de ataque terrorista?
Eu peguei o telefone de Sherlock de seu bolso, procurando pelas mensagens o número do fanático por trens.
- O que está fazendo? - Sherlock disse, admirado.
- Precisamos de mapas. Se o vagão está por aí, prestes a explodir, precisamos saber onde – Repeti o pedido ao homem do outro lado da linha.
. . .
- Nós devíamos chamar a polícia – Falei, pegando meu celular. Caminhamos apressadamente pelos túneis. Sem sinal, merda.
- Eles sempre atrapalham – Sherlock resmungou.
Saímos na plataforma abandonada, e, sobre os trilhos, um vagão inofensivo podia ser visto.
- Jesus Cristo – Suspirei.
Entramos no vagão e o inspecionamos. Uma bomba. Logo abaixo do palácio de Buckingham. Não sabíamos ainda onde ela estava escondida, no entanto.
- John – Sherlock chamou-me, apontando para alguns fios. Estes levavam até uma placa no chão, e, ao retirarmos a placa, encontramos a bomba.
- Você sabe desarmar isso? – O pânico em minha voz me surpreendeu. Uma porra de uma bomba. Que vai destruir o coração de Londres.
- Eu não sei desarmar isso! Você é o soldado, desarme você!
Arregalei meus olhos.
- Eu era um médico! Nunca desarmei uma bomba na minha vida – Agora estávamos gritando.
Um pequeno alarme veio de baixo de nós. O cronômetro ganhou vida. Dois minutos.
Era isso, então. Dois anos pensando que meu melhor amigo estava morto, e em dois minutos estaremos mortos de fato. Juntos. Lembrou-me dos tempos no Afeganistão. O ambiente caótico e todos nós correndo contra o tempo pra salvarmos a nós mesmos e aos nossos companheiros. Phillip, um cadete, ficava paralisado e levava algum tempo para reagir aos perigos da guerra. É estranho como você acha que está preparado para o pior, e quando acontece... E também tinha James. Ele era irônico e corajoso. O tipo de pessoa que faria piada da morte ao encontrá-la. "Essa é a beleza dos terroristas. Estão sempre preparados para uma melhor oferta", ele dizia.
- Armar uma bomba deve ser tão fácil quanto desarmá-la – Eu murmurei para mim mesmo, olhando para o objeto no chão.
- O que está fazendo? – A voz de Sherlock não estava alarmada. Apenas curiosa.
- Bombas de terroristas sempre têm um interruptor, um meio de desligá-las – Percorri meus dedos sobre o troço e, quando notei um pequeno disjuntor na lateral, arquejei.
Olhei para o cronômetro. Havia parado. Levantei meus olhos para Sherlock, que estava boquiaberto.
- Como não pensei nisso antes? John?
- Porque você é um idiota. E eu sou brilhante – Sorri triunfante.
FIM
