Certo, talvez eu estivesse mesmo enlouquecendo.

Claro que, num primeiro momento, eu nem liguei muito para o que disseram Alice e Marlene sobre meu estado inegável de incapacitação de realização de tarefas. Era exatamente o meu período do mês em que certas mudanças de humor causadas por um determinado problema hormonal ataca meu corpo e me deixa incapacitada até mesmo de pensar. Então, minha mente – que, naquele momento, devia estar nesse estado de letargia – deixou tudo para lá, num canto escuro, enquanto esperava o período passar.

Mas, claro, não passou.

Eu devia ter percebido os primeiros sinais. Quer dizer, eles estavam lá – ou aqui, eu nunca sei – o tempo todo, bem claros para todos s outros. Por Merlin, eu até cheguei a ter a cara de pau de pedir para Mcgonagall para adiar o teste de transfiguração para a próxima semana.

E não, Lily Evans definitivamente não faz isso.

Era óbvio que eu estava enlouquecendo.

"Lily" eu ouvi de algum canto à minha esquerda, virando minha cabeça assim que decidi que era seguro olhar. Marlene não estava exatamente amigável comigo esses dias – e eu acho que isso tinha ligeiramente a ver com o fato de eu não ter estudado nem um pouco para o teste de História da Magia que eu faria com ela – "Está acordada?"

Não era porque eu não estava a pessoa mais esportista e enérgica do mundo que eu estaria dormindo em uma quarta feira, três da tarde.

Isso é para a as terças.

"O que é?"

"Briguei com o Frank".

Eu revirei os olhos de leve, imperceptivelmente, esperando que as cortinas – a minha estava meio fechada para impedir o sol de entrar pela janela e bater nos meus olhinhos verdes – fossem mais que suficiente para cobrir o movimento.

"Vocês brigam toda hora" disse, vendo-a morder o lábio inferior. Às vezes, Alice era tão previsível que eu tinha vontade de chorar "E isso quer dizer que as reconciliações são melhores todas as vezes que vocês se reencontram"

O que, claro, quer dizer uma hora depois de 'vocês romperem para sempre'.

"Você acha mesmo? Quer dizer, a briga foi feia" Alice continuou, endireitando o corpo no colchão, o lábio ainda mordido. Mas seus olhos, presumivelmente, estavam mais alegrinhos "Não sei se..."

"Você diz isso desde a segunda briga que vocês tiveram" interrompi, piscando-lhe o olho com um quê de diversão. Desde o ano passado, Marlene e eu nos especializáramos em lidar com Alice e suas rupturas eternas, e isso sempre incluía uma piscadela divertida do jeito 'Vai dar tudo certo' "Só que, dessa vez, espere ele vir falar com você"

"E se ele não vier?"

"Ele vem"

A verdade é que eu sabia – Frank tinha cada célula do corpo berrando o nome de Alice.

"Agora, vire-se e durma" – pedi, puxando mais a minha cortina. Ignorei um comentário dela – algo do tipo 'Ei, nós temos aula agora' – e fechei os olhos, procurando não pensar demais.

Eu não me importava nem um pouco de fazer minha quarta virar terça – ou vice-versa, já nem sei mais.

**********

A verdade, verdade mesmo, é que grande parte da culpa por eu estar me tornando irresponsável era James Potter. Era por causa desse ser que eu havia trocado minhas rondas e minha diversão 'duas-vezes-por-semana' – eu adorava, simplesmente, ver a vergonha de alguns casaizinhos mais assanhados que cismavam em colocar as mãos em lugares não muito próprios para crianças de até quatorze anos – por beijos em esconderijos.

E que beijos.

A questão é que, depois de uma olhada meio rápida naquele mapa que ele fez com o resto dos marotos e uma ida à Sala Precisa – que, geralmente, estava transformada em um jardim de outono graças à minha tara por folhas caídas – eu ficava exausta. Ou melhor, eu fico exausta toda santa noite, tendo que me arrastar para fora dos braços de James como se fosse o último esforço que meu corpo fosse capaz de realizar.

Ao que tudo indica, o meu corpo é um conjunto bem menos poderoso de músculos do que a minha língua sozinha.

"James" me virei para ele, dobrando à esquerda em um corredor particularmente escuro. Infelizmente, hoje era uma noite movimentada – a seguinte dos passeios de Hogsmeade, com uma quantidade consideravelmente alta de casais que acabavam de se formar "Será que hoje dá para gente voltar mais cedo? Você sabe, estou tendo que recompensar meu sono perdido nas aulas de História da Magia"

Ele deu um sorrisinho de canto "Eu faço isso desde o primeiro ano".

Ok, desculpe por ser menos inteligente e precisar prestar atenção nas aulas.

"Marlene ainda está meio emburrada com isso"

"Ela não pode se ressentir com um 9.6"

"Marlene é tão perfeccionista quanto eu".

"Então, isso é sobre você?"

Eu pisquei, meio surpresa e desprevenida, mas ele tinha um outro sorrisinho.

Pecado, vou te contar.

"Está tudo bem, Lily. Não precisa fazer essa cara" ele disse, um tom leve de risada na voz "Mas só se você esquecer o que Minnie disse sobe andar de mãos dadas"

Eu sorri, deliciada, e dei minha mão para ele.

Não que eu acreditasse muito, claro.

**********

"Hmm, então aí está minha ruiva" eu ouvi a voz de James, mas estava distante. Muuuuuuuuuuito distante "Dormindo, bonitinha, com a saia deixando a calcinha aparecer"

Não, uma tentativa de me fazer acordar não seria suficiente.

"Lily, é sério. Ela tem sapinhos na lagoa, e está escrito algo como... licença, deixa eu terminar a frase... ah, sim, 'Eu não tenho chulé'"

Certo, agora eu tinha que acreditar.

"Quer tirar a mão da minha saia?" grunhi, sentando, endireitando o tecido. James só riu, meio malicioso, e sentou no pé do sofá à minha frente "Deixe meus sapinhos em paz"

Ele riu "Por que um sapo teria chulé?"

"Eles simplesmente têm" respondi, grossa, deixando um biquinho aparecer na minha boca "E então? Vai me dar um motivo plausível por ter me tirado do meu sonho para falar de sapos?"

"Sonhava comigo?"

"Unicórnios, desculpe. E ainda estou esperando uma razão".

James só riu de novo, apoiando a cabeça na minha perna.

"Só vim trazer a matéria de DCAT para minha namorada estressada e dorminhoca" respondeu, divertido "Viu como eu estou me tornando uma pessoa mais responsável? Eu nunca sonharia em te dar matéria"

Bom, eu não poderia considerar aqueles garranchos em letra de fôrma como matéria, mas o que valia era a intenção.

Sempre.

"Brigada, James" disse, puxando-o para cima pela gravata. Que bom que o sofá era suficientemente grande até mesmo para um ménage "Vem aqui, vem. Dorme comigo"

Ele assoviou.

"Num sentido literal"

Ele fez um muxoxo.

"Você está tão preguiçosa"disse, acomodando-se no outro braço do sofá para me abraçar. Era tãããããão quentinho ali "Isso tem algo a ver com as suas voltas para o quarto às seis da manhã?"

Não é como se eu conseguisse responder – meus olhos já se fechavam aos toques de seus dedos.