Disclaymer: Eu não sou dona desses cavaleiros lindos, mas eu queria ser. Então, infelizmente, tenho de escrever de graça.
Série: Criaturas Noturnas
Cenário: Universo alternativo
Personagens: Shion x Yuzuriha
Sinópse: Amaldiçoada com visões e alucinações, Yuzuriha foi diagnosticada com esquizofrenia e passou parte sua vida trancada em um hospital psiquiátrico. Quando ela finalmente sai, acreditando estar virando uma nova página, sua vida vira ainda mais de cabeça para baixo ao conhecer um misterioso e sedutor homem chamado Shion que revela que sua realidade é mais do que parece.
Classificação: 18 anos
AUSPÍCIO NOTURNO
Capítulo 1 – Despertar
Hospital Psiquiátrico Ravencroft – Arredores de New York
A jovem japonesa de cabelos castanhos, tão claros que quase pareciam loiros, amarrados em rabo de cavalo alto, olhava seriamente para o psiquiatra sentado à sua frente. Seus olhos ocasionalmente se desviavam para o relógio na parede, contando os tique-taques dos ponteiros imaginando quando o ponteiro menor atingiria o dez e o maior passaria para o doze. Mas o cretino do ponteiro parecia estar congelado entre o onze e o doze.
O relógio na parede parecia um escarnecedor carrasco, arrastando os ponteiros de forma tão lenta e torturante que poderia fazer Yuzuriha enlouquecer. Mas era melhor nem pensar nisso. Era sua última sessão com o simpático Doutor Schultz no instituto psiquiátrico de Ravencroft. Não que ela não gostasse do simpático e charmoso doutor de meia-idade, mas quando tudo que se conheceu na vida foi um hospital psiquiátrico, tende-se a ficar um pouco ansiosa para partir.
Mais alguns minutos e estaria livre dali. Livre do hospital, livre do tratamento… livre eternamente para tentar levar uma vida ao menos parecida com normal. Ir a faculdade, se formar, trabalhar. O que eram alguns minutos a mais, diante de todos aqueles anos sendo tratada como louca?
O Doutor Schultz ajustou os óculos, olhando-a por cima do caderno de anotações, com um sorriso simpático e compassivo no rosto. Ela respondeu com um sorriso animado, mal contido pela excitação de poder ver novamente o mundo lá fora. Mas sabia que precisava se conter.
Uma parte dela ainda acreditava que tudo poderia ser um sonho. Que ao término dessa hora, os enfermeiros arrombariam a porta, a amarrariam numa camisa de força e a arrastariam para o quarto acolchoado mais esquecido da malucolândia. Seria paranoia um efeito colateral de passar tantos anos "vendo coisas"?
— Ainda está comigo, Yuzuriha? – Indagou o médico.
— Sim. Claro, doutor Schultz. Me perdoe. Eu não queria divagar.
— Está tudo bem. Você deve estar ansiosa para ir, eu suponho.
— Sim, estou.
— Não se preocupe. Eu não vou retê-la por muito mais tempo. – Ele virou algumas páginas do bloquinho de anotações. – Estou feliz com seu progresso, Yuzuriha. É impressionante.
— O senhor tinha razão, doutor Schultz. As coisas que eu via… dizia ver… não eram reais. Os objetos não flutuavam… eu não via demônios ou fantasmas… eu entendo agora que tudo não passava do fruto da minha imaginação. E entender tudo isto me faz aceitar que eu posso levar uma vida normal.
— Sim, Yuzuriha. Você poderá viver uma vida normal. Basta se ater aos cuidados. Aos exercícios mentais. Continuar com seus remédios, criar rotinas de lazer e trabalho, socializar-se… E você poderá levar uma vida perfeitamente normal.
— Obrigada, doutor Schultz. Eu não sei como agradecer. – Ela conteve a vontade chorar. O médico se levantou da sua poltrona, olhando para o relógio e sorrindo enquanto caminhava em direção à porta.
— Agradecimentos são desnecessários, Yuzuriha. Foi um prazer poder ajudá-la a superar esta adversidade. Agora, só espero que você tenha uma vida plena e feliz.
— Dormir bem, evitar álcool… manter contato. Eu me lembrarei.
O médico abriu a porta.
— Venha, eu a acompanho até a saída.
— Obrigada, doutor.
Ela se levantou, pegando a mala do chão e acompanhando o doutor pelo corredor. Algumas pessoas sorriam e vinham abraça-la, desejando-lhe sorte. Ela fizera bastante amizade com os enfermeiros e médicos do local. Outros apenas acenavam de longe. Yuzuriha foi levada até a porta pelo doutor e, quando ela chegou à saída, inspirou fundo o ar puro daquele lugar. Era bom sentir o ar sem cheiro de desinfetante ou formol.
— Seus pais virão busca-la?
— Não. Eles devem estar trabalhando. O motorista virá me buscar.
— Ah, entendo.
O doutor não comentou. Sabia como era a vida de Yuzuriha pelas sessões com ela. Ele até mesmo conversou com os pais para que passassem mais tempo com a filha, pois seria importante para o processo de cura. Mas os pais ainda eram mais preocupados com a empresa e com a carreira do que com a saúde da filha. As visitas ao hospital eram esporádicas e rápidas e o doutor via em primeira mão como aquilo afetava a menina.
Ainda assim, tentou manter o espírito alegre para não dar à menina um motivo para se entristecer naquele dia tão esperando por ela.
O carro preto correu pela pista da entrada, circulando a fonte e parando diante dela. O motorista de forma prestativa veio até ela e fez uma reverência dizendo:
— Senhorita Kanzuki – disse o rapaz de cabelos negros e lisos, vestindo um terno luxuoso.
— Saito. Obrigada por vir me buscar.
— É um prazer, senhorita. Permita-me. – Ele pega a mala da garota, finalmente voltando-se para o médico. — Doutor.
— Ela é toda sua, meu jovem. Dirija com cuidado.
— A família Kanzuki agradece os seus serviços e para sempre estende sua gratidão, doutor.
— Não foi nada demais. A Yuzuriha é uma boa menina e eu tenho certeza de que o crédito foi todo dela.
— Obrigada, doutor Schultz. Por tudo. – Yuzuriha fez uma reverência para o doutor e entrou pela porta aberta da Mercedes.
O Saito agradeceu mais uma vez ao doutor e entrou pela porta do motorista. Olhando para retrovisor, ele sorriu para a menina, para tentar animá-la.
— Seus pais queriam muito vir, senhorita.
— Eu sei, Saito. Apenas… me leve para casa, está bem?
— Claro, senhorita. – O motorista respondeu — Como desejar. Seu quarto a espera.
— Saito? – Ele olhou o retrovisor quando ela o chamou. — Por favor, para a minha casa.
— Seus pais me pediram para leva-la para a mansão.
— Meus pais sabem onde eu moro, Saito.
— Como quiser, senhorita.
O carro arrancou completando a volta ao redor da fonte e voltando pela estrada. A viagem foi silenciosa e Yuzuriha mal desviou o olhar para outro lugar além da paisagem. O mundo parecia alienígena para ela. O máximo que ela conhecia fora do hospital era o terreno do próprio hospital. De repente, apenas quinze minutos após sair de um mundo pequeno, já se tornara imenso demais.
Era intimidante, na verdade. Assustador. Após 5 anos, a vida acabara se tornando um admirável mundo novo para desbravar. E ela não sabia mais o que esperar da vida que vinha pela frente.
Yuzuriha não sabia mais se relacionar com as pessoas. Se reinserir no mundo seria uma tarefa tão árdua que quase a paralisava. Mas o doutor Schultz a ensinou a não fugir dos desafios.
Soho
A viagem de volta a Nova Iorque levou em torno de uma hora. Nova Iorque ainda parecia a mesma, mas, ao mesmo tempo, completamente diferente. Yuzuriha sentia-se como uma viajante do tempo.
O motorista chegou ao bairro do Soho, diante de um prédio bem simples, ajudou-a com a mala e acompanhou-a até o apartamento. Apesar dos anos de ausência, ela se deparou com o apartamento como o deixara ao abrir a porta. Seus pais somente haviam substituído as vidraças quebradas – e, obviamente, mantiveram o aluguel em dia. Havia lençóis sobre a mobília para proteger da poeira. Graças a Deus, pois, após cinco anos, levaria uma eternidade para limpar o lugar. O chão, no entanto, precisava de uma boa varrida.
— Precisa de algo mais, senhorita?
— Não, Saito. Obrigada.
Dia novo. Vida nova. Ao mesmo tempo em que ela sentia-se amedrontada, sentia-se ansiosa. E a tristeza das lembranças se fazia presente em sua mente. Lembranças de quando acreditava que objetos se moviam sozinhos, de vozes sussurrando em seu ouvido, de coisas inexplicáveis que via diante dos seus olhos.
A imagem dos vizinhos arrombando a porta apenas para encontrá-la aos prantos, ajoelhada no chão, agarrando a própria cabeça em terror absoluto, cercada de vidro quebrado das janelas estilhaçadas de uma maneira que ela não conseguia explicar.
Levou muito tempo para aceitar que tudo não passava de um produto da sua imaginação. Imediatamente, os conselhos do doutor Schultz voltaram a sua memória.
— Acho que vou precisar me mudar daqui. – Ela comentou para se mesma com um sorriso tristonho na face.
Ainda assim, Yuzuriha passou a maior parte do dia limpando e organizando o lugar. Depois de varrer e organizar suas coisas, guardar suas roupas, ela se banhou. Sentiu como se fosse o melhor banho da sua vida.
Ao sair do chuveiro, ela limpou o vapor do espelho e viu um rosto que não o seu. Era um homem de feição ocidental, longos cabelos brancos como neve e olhos verdes, que sorriam para ela de forma maliciosa. Yuzuriha se sobressaltou e deu um passo vacilante para trás. De repente, a imagem do homem desapareceu deixando apenas o reflexo da própria Yuzuriha.
Com seus batimentos acelerados, ela abriu o armário atrás do espelho e pegou o frasco de remédios, engolindo uma cápsula depressa. Tremendo, ela fechou a torneira e terminou de limpar o vapor do espelho.
No quarto, ela terminou de se secar e se vestir com roupas frescas para suportar o dia quente.
Ficar em casa parecia uma prisão, mas o mundo lá fora ainda era muito amedrontador. A visão no espelho a assustou terrivelmente, e ela ainda tremia pensando nisto. Sua mente urgia para que ela ligasse para o Doutor Schultz, mas uma parte sua sentia como se isto fosse uma fraqueza. Apenas quatro horas após sair do hospital e ela já estava tendo alucinações!
As batidas na porta a tiraram de suas divagações, causando um temor que percorreu o caminho por toda a sua espinha. Quem poderia ser? Ela não esperava ninguém. Talvez os pais tivessem encontrado um tempo para visita-la.
Relutantemente, Yuzuriha caminhou até a porta, olhou pelo olho mágico e viu uma mulher jovem e bela de longos cabelos loiros, bem claros. A mulher parecia familiar, mas não conseguia dizer de onde a conhecia.
Ela se forçava a pensar em todas as possibilidades. O doutor Schultz a ensinou a buscar a explicação mais plausível. Ela talvez tenha visto essa mulher quando chegou ao prédio.
Sim. O doutor falou que os lapsos de memória eram comuns. Era uma vizinha. Nada mais do que isso.
Quando abriu a porta, a mulher sorriu de uma forma tão graciosa que a deixou um pouco constrangida. Trazia nas mãos uma bandeja com uma espécie de pão que cheirava deliciosamente. A mulher estava vestida com um top, calças jeans rasgadas e botas de couro. Tinha pulseiras e uma maquiagem bem-feita e elegante. Seus cabelos estavam amarrados num rabo de cavalo que a deixava com um visual bem casual e jovial.
— Oi – Disse a mulher de forma sorridente — Nova no prédio?
— Ah, mais ou menos. Eu passei um tempo fora, na verdade.
— Entendi. Eu vim te dar as "boas-vindas", mas creio que o melhor seja dar as "boas-vindas de volta". Enfim, eu trouxe um bolo de banana. Bem-vinda de volta.
Yuzuriha aspirou o perfume da banana e canela exalado pelo pão, trazendo uma calma relaxante muito bem-vinda naquele momento.
— Oh, obrigada. Desculpe, eu não perguntei seu nome.
— Oh, claro. Pode me chamar de Funny, todos chamam. Prazer em conhece-la.
— Prazer. – Yuzuriha apertou a mão de Funny brevemente. Ela tinha um aperto firme e confiante.
— O prazer é todo meu, Yuzuriha. Que lindo nome.
— E o seu é… interessante. "Funny"?
— É um apelido. Meu nome real é Alicia Phanny. Como pode ver, é horrível. Então, eu uso "Funny". Assim como todos os meus amigos.
A mulher a mediu de cima a baixo, interessada.
— Você… gostaria de entrar um pouco? – A japonesa perguntou.
— Oh não, querida! Quer dizer, eu adoraria. – Funny respondeu sorrindo e olhando para o relógio em seu pulso. Virando-se e acenando, ela partiu descendo as escadas. — Mas eu preciso ir. Tenho um compromisso, você sabe como é. Mas vejo você por aí. Vamos combinar de sair um dia?
— Sim, eu… adoraria. – Lembrou-se que deveria se socializar. Olhou para o pão em suas mãos e respondeu: — Obrigada. Até mais.
— De nada! Aproveite seu pão de banana! – A mulher deu tchau para ela e desceu as escadas.
Yuzuriha fechou a porta e foi até a cozinha. O cheiro delicioso do pão estava estimulando a sua fome e, como a dispensa estava vazia, ela decidiu saciar-se com o que tinha. Precisava encher a dispensa.
A faca deslizou lentamente através do pão quente e cortou uma fatia. Yuzuriha levou o prato para a sala, colocando os fones de ouvido do Ipod e ligando a música no volume máximo.
Sentada no sofá, em posição de lótus, ela fechou os olhos e saboreou o pão, deixando a música fluir por seu ser. Foi uma forma de meditação que ela desenvolveu para calar as vozes quando elas eram incômodas demais. Acabou afeiçoando-se à prática e descobriu que ela podia ser mais relaxante que o normal.
Aquele dia estava sendo mais estressante do que ela esperava. Ela imaginava que estaria feliz, mas a verdade é que se sentia exatamente o contrário. Seus pais sequer foram busca-la.
Deixou o prato salpicado de migalhas sobre a mesa e deitou-se no sofá. O som de "Who wants to live forever" do Queen, canção imortalizada pelo brilhante Freddy Mercury a acalmava e fazia sua mente dispersar aqueles pensamentos de abandono que tanto a oprimiam.
Yuzuriha acreditou ter adormecido, pois perdeu a noção do tempo. Acordou de repente, no sofá de seu apartamento, na sala, com o som da secretária eletrônica.
"Querida, é a sua mãe! Não acredito que não veio para casa! Seu pai e eu estamos ansiosos para vê-la! Pegue o telefone, eu sei que está aí. Não nos mate de preocupação".
— Seria pedir muito que vocês pudessem me ver no hospital, não é, mãe? – Apertou o delete para apagar a mensagem.
Quando se virou, a mensagem começou tocar novamente. Ela apertou novamente o delete e a mensagem logo começou novamente. E, de repente, pressionar o delete não interrompia mais a mensagem. Puxar o aparelho da tomada também não interrompia a mensagem.
— Não! Não pode ser! Isso é alucinação! Eu preciso do meu remédio.
Ela correu para o banheiro, abrindo o armário atrás do espelho e procurando o frasco de comprimidos, mas não o encontrava em lugar algum. Quando fechou o armário, lá estava o homem de cabelos brancos, sorrindo novamente.
Ele saiu de dentro do espelho como um fantasma, abraçando Yuziriha e beijando-a.
— Não tenha medo. Vamos nos dar muito bem. – O homem sorriu e voltou a beija-la. Yuzuriha se contorceu, tentou se desvencilhar dele, mas não conseguia.
Tudo estava escuro, eles estavam deitados sobre algo que Yuzuriha não conseguia enxergar. Ela só via este homem. E, de repente, uma luz ofuscante eliminou toda a escuridão ao redor. O sujeito desapareceu e Yuzuriha não se encontrava em lugar algum.
Ademais, uma voz grave ecoou pelo ar.
"Eu posso te ver! Você não vai escapar de mim!"
Yuzuriha acordou suada e assustada, respirando profundamente. O ipod ainda estava ligado, jogado sobre o sofá. Ela não sabia o porquê, mas foi conferir a secretária eletrônica. A mensagem estava lá. A mensagem do sonho.
Ela ficou com medo de apertar delete e a mensagem voltar a tocar. Porém, precisava ter certeza. Apertou o delete e a mensagem sumiu. Ela conferiu 3 vezes.
No banheiro, os comprimidos estavam seguros no armário. Era apenas um sonho. Tudo não passava de um sonho.
— Procure as explicações plausíveis. Procure as explicações plausíveis. Era um sonho. Era só um sonho.
Batidas na porta causaram um sobressalto.
Yuzuriha, relutantemente, foi até a porta para olhar pelo olho mágico. Por algum motivo, ela rezava para que houvesse alguém real lá. E seu alívio foi imensurável quando se deu conta de que, do outro lado, estava uma figura querida e amigável.
— Tokusa! – Ela exclamou ao abrir a porta, lançando-se para um abraço.
— Mana. O que aconteceu? Você está bem?
— Meu Deus, que saudade. Como veio parar aqui?
— Eu pedi ao motorista que me trouxesse. Precisava te ver, ver se está bem.
— Papai e mamãe sabem que você veio?
— Não. Eles ainda estão no trabalho. – Ele disse entrando no apartamento. — Trouxe para você.
Yuzuriha recebeu a caixinha de Donuts que Tokusa trazia consigo, aspirando o cheiro. Quentinhos e fresquinhos, recém-feitos e direto para suas mãos. Seu coração se aqueceu. As visitas de Tokusa ao hospital eram uma das poucas alegrias que ela teve durante o seu tratamento. O copo de café exalava o cheiro maravilhoso da amarga bebida.
Yuzuriha beijou a testa do irmão e fechou a porta. Ela retirou uma rosquinha de dentro da caixinha e já deu uma bela dentada, saboreando o glacê.
— Você está bem? – Perguntou o irmão.
— Estou. Eu só tive um sonho estranho.
Tokusa assentiu e sentou-se no sofá, de frente para a irmã que lhe oferecia um donut. Ele retirou um e deu uma bela dentada.
— Queria que você voltasse para casa.
— Tokusa, eu não quero voltar. Eu quero viver por mim mesma, sozinha. Sem o controle do papai e da mamãe. Eu espero que um dia você também seja independente.
— Papai e mamãe não são tão ruins.
— Não. – Ela sorriu. — Eles só querem decidir o melhor para nós. Eu não pude continuar vivendo com eles.
— Eu poderia morar aqui com você.
Yuzuriha atrapalhou os cabelos do irmão rindo.
— Como se a mamãe fosse permitir.
— Qual o problema? Você está bem agora! Não está? Você está de volta!
— Sim, estou. Então… façamos o seguinte. Quando você fizer 18 anos e entrar para a faculdade, você pode vir morar comigo. Combinado?
Ela estendeu a mão e ele apertou.
— Combinado. Agora, termine os donuts. Vamos passar o dia só nós dois.
Passaram o resto da tarde e da noite conversando e colocando a vida em dia. Pediram pizza para o jantar e ficaram assistindo TV. Yuzuriha sentiu uma semelhança de normalidade ao passar um tempo com o irmão. Era um sentimento nostálgico de antes do tratamento, antes de começar a ver coisas. Numa época em que ela era feliz.
No fim da noite, o motorista chega para buscar Tokusa. Yuzuriha se despede dele com um abraço na porta e um pouco de lágrimas nos olhos.
— Mana, se quiser, posso passar a noite com você.
— Não. Eu estou com a despensa vazia e não quero que papai e mamãe se zanguem. Volte para casa. Logo nos veremos novamente. Ok?
— Está bem. Pedirei para o Saito me trazer amanhã após as aulas.
— Certo. Vou preparar algo para comermos quando você chegar. Agora, não deixe Saito esperando.
— Até amanhã, mana.
Tokusa abraçou a irmã e se foi.
Yuzuriha fechou a porta e voltou para o apartamento. Tokusa parou no primeiro degrau, quando viu do outro lado do corredor, Funny carregando um saco de compras, sorrindo com um pirulito de morangos na boca e acenando para ele com a mão que segrava as chaves, antes de entrar no apartamento. Ele acenou de volta, ruborizado pela beleza da jovem antes de retomar a descida, deixando-a para trás.
Yuzuriha se aproximou da jovem que parecia estar com dificuldades de abrir a porta e segurar as compras ao mesmo tempo e pegou a sacola de suas mãos.
— Nossa, você salvou minha vida, Yuzuriha. Valeu! – Funny abriu a porta e pegou as compras de volta.
— Quem era o garoto?
— Tokusa, meu irmão.
— Ele é fofo. Se ele fosse alguns anos mais velho…
Yuzuriha foi surpreendida pelo comentário da garota. Não esperava que ela tivesse realmente achado o irmão bonito.
— Escuta, esse fim de semana vai ter uma festa legal de uns amigos meus. Quer vir?
— Eu? Eu não sei…
— Vamos. Vai ser divertido. Aposto que você não tem muitos amigos aqui.
— Como sabe? Pareço tão solitária assim?
— Sem ofender, mas parece sim. Quer dizer, você ficou longe por quantos anos?
Socializar era parte de seu tratamento e Funny parecia uma garota legal. Talvez ela devesse ir. O que tinha a perder?
— Ok. Você tem razão. Eu não tenho muitos amigos.
— Ótimo. Vai ser no sábado, às sete. Eu estou esperando. Vai ser super legal! Vista algo casual, mas que diga: "vim festejar".
— Ok. Nos vemos sábado.
Yuzuriha estava cansada e pelo menos mais tranquila após rever Tokusa. Rever o irmão e fazer uma amizade a fez enxergar um futuro mais brilhante e esperançoso. O dia seguinte tinha tudo para ser mais promissor.
Edifício Kido Tower – Sede da Fundação Graad
A fundação Graad era um dos maiores conglomerados industriais do mundo. Por fora. Por dentro, era o quartel general de um grupo especializado em assuntos além da compreensão de mortais.
Isso significava que seu círculo interno era formado por magos. Sim, magos. Ao contrário do que dita a fantasia e a ficção, eles não são velhos de longas barbas, envoltos em mantos que vivem em castelos cozinhando poções e agitando varinhas mágicas.
Magia é o poder inato do ser humano de manipular a realidade. Magos são os humanos que despertaram para esse poder sobrenatural, são os guardiões involuntários da realidade.
Foi por isto que o Mago Mitsumasa Kido decidiu criar a Fundação Graad e o Arcanum. Após o seu falecimento, foi sua neta adotiva, Saori Kido, que assumiu o controle da corporação e do Arcanum, sendo ela mesma uma maga de talento ímpar.
O corpo do Arcanum, hoje formado apenas por três magos sobreviventes, é o responsável pela proteção da Área de New York. Seus membros atualmente são Shion, o Iluminado, e seus discípulos; Mu, o Alquimista, e Saga, o Destruidor. Os Três Reis Magos, como eram conhecidos pelos habitantes da noite e por outros despertos, os feiticeiros mais poderosos dos Estados Unidos - e talvez do mundo.
No entanto, o único membro do Arcanum presente em New York naquele momento era o primeiro deles, Shion. Era chamado de o Iluminado, por seu poder imenso e pelo conhecimento sem igual. Ele ascendeu recentemente ao posto de Professor da Fundação Graad, após a morte do seu mestre Hakurei, o Médium, e de Mitsumasa, o Sábio. Este último, inclusive, foi morto por um dos membros do Arcanum.
Shion aceitou o cargo da própria Saori, embora relutantemente, pois não se considerava o mais apropriado para a tarefa. Jamais faria um trabalho tão bom ao educar novos magos quanto o seu mestre Hakurei fez.
Agora, ele tentava espantar as preocupações de sua mente, lendo um livro de alquimia e bebendo um copo de brandy. No entanto, não conseguia afastar da sua mente que ele não estava pronto para assumir uma tarefa tão importante.
O Arcanum estava enfraquecido após o atentado do traidor, que tirou a vida de muitos magos. E estava cada vez mais difícil encontrar outros magos para substituir os que foram mortos. Para piorar, os Arcanum's de outras regiões também estavam atarefados ou com seu contingente enfraquecido.
Então, Shion tinha pouco que fazer além de ficar sentado no escuro, observando a iluminação da cidade, com um livro no colo e um copo de bebida na mão.
Quando decidiu parar de sentir pena por si mesmo, esvaziou o conteúdo do copo, deixou-o sobre a mesa, levitou o livro até a estante após marcar a página com o marcador.
O edifício Kido Tower não era apenas a sede do Arcanum, mas os últimos andares eram reservados para os membros mais poderosos e influentes fazerem a sua residência. Shion estava pronto para procurar o conforto de sua cama após um dia exaustivo de trabalho quando o chão no centro da sala se iluminou.
Os feixes de luz azul percorreram os sulcos no chão, formando um padrão familiar e indicando que alguém tentava se conectar a ele. Quando a figura formada por padrões geométricos de quadrados, triângulos e círculos adornados por runas se iluminou completamente, a imagem desvanecida dos outros membros do Arcanum surgiu.
Shion caminhou até um dos quatro pontos cardeais indicados pelo desenho para se fazer ser visto pelos demais membros. No centro estava a sua líder, Saori, o Oráculo, num vestido branco longo e com seus longos cabelos loiros tingidos de púrpura. A jovem era excêntrica, e, apesar dos protestos do falecido avô e da tenra idade de 22 anos, nunca deu motivos para que os outros membros da junta ou do Arcanum duvidassem da sua capacidade como presidente da empresa ou como maga.
Mu, seu discípulo, era muito parecido com o próprio Shion, possuindo longos cabelos loiros, mas lisos e amarrados - diferente das madeixas cacheadas e rebeldes do mestre. Saga possuía longos cabelos negros e ondulados. Ambos trajavam o sobretudo negro sobre as vestes, também negras, dos membros do Arcanum.
— Senhorita. – Disse o loiro fazendo uma leve mesura. Mu e Saga o acompanharam.
— Mestre Shion. – Disse a jovem. — Como está? Como estão as coisas em New York?
— Estão tranquilas, por enquanto, Milady. Nada a reportar. Como está Tóquio?
— Frenética com os negócios, mas estou conseguindo sobreviver. E é bom voltar ao lar.
Saori podia ser jovem e excêntrica, podia sequer ser japonesa apesar do sobrenome, mas os membros da Fundação a respeitavam como se ela fosse tudo o que seu nome carregava. Falava japonês fluentemente e respeitava as tradições japonesas diante dos membros da junta de maneira esplêndida, conquistando o respeito deles.
— Me alegra saber, milady. A que devo o prazer?
— Um despertar. – Disse Saga sem cerimônias. Ele era o guarda-costas pessoal de Saori quando ela não estava na fundação. Era potencialmente o mais poderoso do atual Arcanum e completamente digno de confiança para exercer a posição de proteger pessoalmente Saori. Se não fosse pelo temperamento, talvez ele tivesse assumido a posição de Shion como professor.
— Tem certeza? – Perguntou Shion.
— Sim, a senhorita Kido tem certeza. – Disse Saga. — Sabe que a chance de ela de estar errada nesse assunto é quase nula.
— Senhorita, se me permitir, eu posso investigar o caso e encontrar o novo desperto. – Disse Mu.
— Não. Eu gostaria que o Shion investigasse isso pessoalmente.
— Mas senhorita…
— Eu já me decidi, Mu. – A jovem respondeu interrompendo-o. — Eu gostaria que Shion cuidasse desse assunto pessoalmente.
— É claro, senhorita. Mas, se me permite… posso perguntar por que deseja a mim, especificamente? O Mu é um mago tão poderoso e talentoso quanto eu e…
— Ele é. E não duvido de suas habilidades, Mu. Espero que entenda isso. – A garota sorriu quando o jovem mago fez uma mesura em concordância com sua decisão.
— Se você decidiu por enviar meu mestre pessoalmente, eu acatarei sua decisão, senhorita. Se a missão exige a participação dele pessoalmente, isso significa que…
— Sim. – Respondeu Saori. — Um vento negro uiva. Eu suspeito do envolvimento de um Endless no nosso mundo.
Eis a razão pela qual os Magos eram considerados "guardiões involuntários". Porque magos não protegem o mundo por pura filantropia. Além do véu da realidade, existe o Voyd, a dimensão metafísica onde habitam seres conhecidos como Endless. Estes seres possuem formas desconhecidas e se alimentam da energia dos seres humanos.
São seres cheios de malícia. E quando um Endless encontra uma passagem para o nosso mundo, os magos os caçam e os exterminam antes que eles possam apresentar alguma ameça.
— Um Endless… tão próximo de um novo despertar… não pode ser coincidência. – Ponderou Shion. — Muito bem, senhorita. Eu investigarei pessoalmente. Protegerei o desperto e eliminarei o Endless.
— Conto com você, Shion. Não podemos permitir um Endless no nosso mundo.
— Mas… E se surgir um Souless, senhorita Kido? – Indagou Mu.
— Você já sabe. – Respondeu Saori. — Só há uma coisa a se fazer… reporte imediatamente e…
— Eliminaremos o Souless. – Disse Saga.
CONTINUA...
Oi, garotos e garotas!
Eu já conhecia o mundo das fics, mas nunca me aventurei a escrever nada.
Pela primeira vez, decidi escrever essa série baseada nas paixões da minha vida: Cavaleiros do Zodíaco, o Mundo das Trevas da White Wolf e literaturas mais quentes. Então, vai ter alguma influência de World of Darkness com uma pitada da Rainha Anne.
Pretendo escrever pequenas fics, cada uma focada no seu cavaleiro e na sua amada. Aos poucos construindo esse mundo que venho imaginando na minha mente há um bom tempo.
Nem tudo vai ser igual ao que se vê no World of Darkness porque eu quero escrever uma coisa original. Ainda assim, não consigo afastar totalmente as minhas influências porque adoro alguns conceitos da história.
Então, espero que gostem.
Mandem uma review e favoritem.
Rainha Anne
