O universo envolvido na narrativa, bem como alguns dos personagens que são citados (Raquel, Gerson, Anaquias, Vicente e demais bentos), não foram de forma nenhuma idealizados por esta autora. Todos fazem parte da obra de André Vianco.
CAPÍTULO I
As pálpebras que antes estavam cerradas, pelo sono mágico que a domina durantes as horas do dia, agora se abrem. Inspirando profundamente, não pela necessidade, ela iça o corpo para frente e recomeça o ritual que repete há quase trinta anos. A pouca luminosidade não a atrapalha na hora de se desviar dos irmãos ainda no transe do dia, ela transita pelo interior da grande caverna que há algumas décadas se tornou o covil daquele bando de criaturas da noite.
Sentindo o cheiro de umidade e sangue com o qual ela já se acostumou a conviver, seguiu pelos corredores escuros onde nenhum humano comum jamais conseguiria se guiar. O cheiro de sangue fresco foi aumentando a cada passada, como também o cheiro de ferimentos mal-tratados. Podia sentir a movimentação de alguns dos seus companheiros noturnos ao redor, lentamente eles se levantavam. Os mais antigos continuavam adormecidos, pouco deles tinham o mesmo costume de despertar assim que o lusco-fusco se apresentava no céu. Nunca, em quase três dezenas de anos, ela se direcionou para a boca da caverna antes de entrar na grande galeria dos adormecidos. Nunca. Não que não se interessasse em ver a explosão de cores que acompanhava o crepúsculo, mas algo mais urgente a chamava... todas as noites.
Ouviu um rastejar de pés e percebeu um par de olhos vermelhos movendo-se ao seu lado e lentamente ficando para trás. Às vezes pairavam na caverna pares de brasas incandescentes, em sua maioria novatos que enxergavam melhor desta forma a gruta ainda desconhecida, raramente uma ou outra desavença entre outros membros tão cedo... Desavenças existiam aos montes... mas ela procurava se manter longe de todas, só queria segurança, e aquele covil garantia a que precisava no momento, além de armazenar seu bem mais precioso desde que abriu os olhos na Noite Maldita sabendo que não era mais a mesma... A sua única ligação com quem um dia já foi... sua ligação mais valiosa...
Atravessando o portal de rocha nua, que se abria para o cômodo cheio de corpos vivos e em estado comatoso, diminuiu o passo como um sinal de respeito. O cheiro de sangue e carne ferida invadiu suas narinas de forma mais intensa. Não procurou alimento, não naquele momento, e só em caso de extrema necessidade o tirava dos adormecidos... Naquele momento procurava sua relíquia, seu tesouro... seu caro tesouro...
Sobre uma grande rocha nua estava estendido o corpo, ela delicadamente colocou a mão pendente inerte sobre o peito que se movia lentamente, expirações e inspirações longas... com se estivesse dormindo e fosse acordar em tão pouco tempo... Nada vinha primeiro que a aquela confirmação: havia vida ali, e o corpo estava intacto. Passou muito tempo a observar esse preguiçoso movimento. Observava o peito a subir e descer... colocou o ouvido mais próximo à caixa torácica para ouvir perfeitamente o palpitar... como uma segunda confirmação de que estava tudo igual. A noite andava implacável enquanto ela observava cada detalhe, o cabelo escuro estava como sempre, liso e escorrendo pela pedra fria até a altura dos ombros. Os olhos, apenas o traço negro dos cílios unidos, fechados. As roupas... as mesmas... Não as mesmas de trinta anos atrás, com a umidade apodreceria, mas as roupas que ela havia visto ontem...
Após perceber que na sua lenta análise um quarto da noite havia se passado decidiu que era hora de sair. Mal havia notado o grande número de vampiros que se aproximara para alimentar-se do sangue armazenado por aquelas pessoas inertes. Não tinha mais medo de deixar aquele corpo no cômodo dos adormecidos... não mais. Depois de tantos anos não sentia mais perigo ao deixá-lo lá. Apenas uma vez algum sugador de sangue havia se aproximado do seu tesouro, e viu nos olhos do infeliz que ele pela primeira vez em sua vida maldita rezou e desejou jamais tem criado dentes pontiagudos. Quando algum novato era acolhido, logo era informado de que havia ali um corpo do qual ninguém sugava... Achavam estranho, mas ela não se importava... Se ser tida como excêntrica mantinha a segurança de seu tesouro, bastava. Suas ações raramente eram questionadas apenas por dois motivos, para ela poderiam ser dez ou nenhum, contanto que nada ocorresse a ele. O primeiro e mais forte seria o fato de ser uma das mais velhas dali, uma que acordou na própria Noite Maldita e faz parte da dezena que começou aquele covil. O segundo era que não incomodava ninguém, além de auxiliar muitos quando chegavam desamparados e perdidos, então ninguém mexia com ela.
Seguindo pelo corredor do principal acesso ao exterior, percebeu a maior movimentação. Muitos já haviam saído, e outros ficavam em pequenos bandos, arrumando seus parcos pertences para uma saída. Ao emergir da boca daquela caverna e ver a imensa mata que se abria com todos os seus ruídos noturnos e nuances escurecidas, lembrou-se dos seus primeiros dias ali, das dúvidas e incertezas... Pulou usando a habilidade que seu sangue místico lhe conferia, para o galho de um jequitibá. Sentiu a noite, o cheiro, os movimentos, os sons... poucos animais noturnos se aproximavam do covil, em raras ocasiões eram de médio ou grande porte atraídos pelas sobras de alimentos deixados pelos mulos mais imundos.
No passado ficou semanas se escondendo em esqueletos de construções abandonadas... até em fétidos esgotos. Aos poucos foram se reunindo alguns amaldiçoados inexperientes para que sobrevivessem a tanta imprecisão. Tomaram a decisão de partir da balbúrdia da cidade, procurar abrigo na mata, parecia menos arriscado a topar com um humano a cada esquina, e menos ainda de ser encontrado durante o sono diurno ou ser pego por um incêndio. Depois de meses de busca encontraram aquela caverna, úmida, escura, isolada... tão... natural... tão... perfeita. Quando precisassem de alimentação apenas poderiam seguir para qualquer comunidade próxima de humanos despertos, ou ter o prazer de encontrar algum Rio de Sangue... centenas de adormecidos... E que choque foi descobrir que para manter seu corpo "vivo" deveria se alimentar do sangue de outros humanos... e que choque foi descobrir que seu corpo não estava mais vivo...
Sua primeira companhia foi uma humana... uma humana que havia despertado depois de o que foi definido como um coma profundo e que, ao se ver num quarto de hospital sozinha deixou os lençóis e caminhou pelos corredores silenciosos... Todos... todos adormecidos. Lembrava-se da história daquela mulher, Orali. Não tinha ainda 20 anos completos quando se viu sozinha num mundo adormecido, numa cidade em pandemônio. Ruas destruídas, carros virados, pessoas caídas pelas ruas...
Orali havia acordado dois dias após a Noite Maldita, quando todos já dormiam. Pelos registros do hospital descobriu que havia sido levada pelo marido... mas nunca mais o viu... Ela achava que havia seguido para atender uma chamada urgente de seus pais, e adormeceu. Encontraram-se duas noites depois... as duas desnorteadas. Tivera a impressão de que era o primeiro ser desperto que a garota via, já que para si era exatamente o que ocorria. Quando a viu, andava pelos corredores sem rumo aparente, a face nitidamente árabe chorosa e confusa, os cabelos negros e ondulados desgrenhados.
Não sentia ainda fome, mas sentia muito frio, suava descontroladamente. Às vezes tinha ataques convulsivos fortíssimos. Sua pele demonstrava uma palidez mórbida, tinha ataques de raiva provocados por um simples ruído e não suportava a luz do sol... A recém desperta Orali havia tentado medicá-la com aspirinas, mas não parava de vomitar durante horas. Não saia ao sol com a companheira, seus olhos ardiam à simples menção do amanhecer.
Inicialmente tentavam conectar a internet dos computadores do hospital. Tentaram de tudo, rádios, televisão, mas nada alterava a exibição constante da estática. Viram muitas vezes animais selvagens andando soltos pelas ruas... deveriam ser animais de zoológico, não havia outra explicação para o elefante que quase pisoteou sua humana companheira Orali num início de noite que saíram, porque esse era o horário mais cedo que tolerava sair, para procurar por algum desperto.
Quando, mesmo com todas as suas forças, não conseguiu mais resistir e caiu em sono letárgico na manhã do quinto dia, Orali entrou em desespero imaginando que a amiga também haveria de adormecer, que ficaria sozinha naquela realidade bizarra. A árabe havia passado todo o dia ao lado da adormecida amiga, em prantos, estirada no sofá do apartamento que usava para dormir. A descendente de árabe tentou ainda dar-lhe comida, alguns copos de água, mas qualquer alimento que lhe passasse pela boca era instantaneamente expelido. Desistiu de comer ou beber, e Orali de forçá-la a isso. E logo se acostumaram ao seu sono místico, a garota dormindo também durante uma parte do dia para conversarem durante a madrugada. Contou-lhe de suas tradições muçulmanas, seu casamento... tão nova... de como suas mãos e pés estavam pintados, do banho de açafrão, sândalo e óleos de jasmim. De como os primeiros representantes de sua família haviam chegado ao Brasil no fim da década de 70, fugindo da Guerra Civil no Líbano. Contou como era seu marido, um homem que amava e apesar do casamento arranjado, e de sua filha. Uma garotinha que havia nascido há um ano e três meses e que tinha olhos tão negros quanto os dela e já apresentava, logo ao sair de seu ventre, uma penugem densa e escura a cobrir-lhe a cabeça. Conversou com Orali durante longas noites. Contou-lhe sobre seus sonhos e sobre sua família. Em poucas horas ela já era capaz de se familiarizar com todos os entes queridos de Orali, e a árabe com os seus. Era sua única companhia pelas noites que se seguiam, e quem sabe por quantas mais. As duas tornaram-se íntimas, ela amava a árabe como se a conhecesse desde sua infância.
Numa noite em que acordava com o que parecia um latejar constante e o revirar de seu estômago, sentiu-se faminta. Tentava ingerir um pedaço de pão duro, que achara na copa do hospital, mas sua única reação foi vomitar o alimento. Orali estava tão desesperada quanto ela, imaginavam que morreria em pouco tempo, não sabiam como não havia desidratado depois de tantos dias sem água. Foi quando o cheiro chegou às narinas... quando sentiu pela primeira vez... o cheiro doce e hipnótico do sangue... do sangue dela, de Orali.
Até hoje ela não sabe de onde vinha o sangue... se a garota árabe se cortara ou se simplesmente pode sentir o sangue correndo em suas veias. A única coisa que sabe, é que a sensação do líquido escorrendo pela sua garganta em golfadas grossas e quentes era extraordinária.
Havia agarrado o pulso de Orali e sugava de um corte que lhe havia feito desajeitadamente no ante-braço. O grito de pânico de Orali foi o único em suas noites de vampira que não gerou o mínimo prazer dos amaldiçoados... ao contrário, lhe despertou da loucura e lançou-a num curto momento de lucidez onde pode correr pelos corredores ainda iluminados pelo que deveria ser o gerador do hospital. Correu até não agüentar mais, até cair de joelhos fatigada, longe, muito longe do hospital... ele era apenas um borrão de luz. Pressentindo o amanhecer escondeu-se num esqueleto de um edifício, de onde só veio a se levantar com o próximo pôr do sol.
Pelo cheiro encontrou mais humanos, estavam adormecidos num condomínio de casas próximo. Entrou na primeira casa enlouquecida pela fome e sugou até sentir que o coração da vítima não batia mais. Observava o hospital sentindo saudades de Orali, "minha luz", lembrava-se do significado do nome, que ela havia descoberto pela própria garota. Via de longe as luzes, via a movimentação surgir timidamente pelas ruas. Do esqueleto do prédio pôde ver pessoas se movendo. Gente desperta atraída pela luz do hospital. Agradeceu intimamente porque Orali teria outras companhias, alguém que não estivesse doente como ela... A árabe não estaria só.
Agora sabia como havia sido inocente... O que garantia a ela que aquelas pessoas andando para o hospital não eram vampiros? Nunca mais soube de Orali. Também nunca mais ousou se aproximar do hospital, nem de qualquer local familiar, temendo um novo ataque e desta vez fatal à amiga.
Acabou encontrando outros noturnos e começaram a viver num pequeno bando, aos poucos o mundo ia despertando. Viveram no esqueleto de prédios e em esgotos, mas a experiência de outros dizia que não era bom ficar num mesmo local por muitas noites: eles eram caçados... E, se pudessem, deveriam rumar para a mata fechada. Lá, nenhum humano iria se embrenhar, estariam seguros. Com o dom que adquiriram de velocidade e resistência, poderiam ir à cidade para se alimentar e retornar a um esconderijo antes do amanhecer facilmente. Assim, montaram o covil, que crescia com novos noturnos a cada semana, cada mês... Trinta anos se passaram e o covil que havia começado com dez membros, abrigava milhares. Os vampiros se organizavam e os humanos também. Os diurnos começaram a fortificar suas cidades, começaram a recolher seus adormecidos... Iniciou-se uma guerra.
Parou sua investida pelas árvores quando chegou à margem de uma estrada. Dali poderia tirar algum alimento, se um dos humanos tivesse a ousadia de se aventurar fora das muralhas. Rumou para o norte em busca de uma das armadilhas que havia feito com o bando. O vento, eriçava os pelos de sua nuca nua, lhe indicava que ali havia sangue. Duas estavam intactas e uma terceira já havia sido utilizada pelos seus companheiros de covil, pôde notar pelas marcas rubras espalhadas e pelo estado do corpo dilacerado que encontrou no asfalto. Uma moça, baixa, branca e de cabelos muito negros, lisos como só um oriental poderia ter...
Escutou um piado baixo de uma coruja e acompanhou seu vôo lento pela noite, o céu estava estrelado como nunca vira enquanto morava numa cidade, antes da Noite Maldita. Não havia mais a camada de poluição que os impedia de ver as estrelas. Será que toda aquela situação era realmente tão má quanto os humanos pensavam? Procurou não pensar como uma noturna. Olhou em volta, tantas árvores, tantos animais que estavam a beira da extinção viviam aos montes pelo solo fértil das matas. Os humanos nunca antes haviam estado tão unidos e solícitos, ouviu que qualquer um que chegasse a uma fortificação ganharia, garantidamente, abrigo e comida. Ninguém tinha mais bens do que poderia realmente usufruir ou precisasse. Não havia mais ricos e pobres, as diferenças não eram mais tão absurdas, eram todos um só povo tentando desesperadamente sobreviver aos vampiros. Ah, sim, mas tinham os desgarrados e exilados... freqüentemente se tornavam mulos. Qualquer um que ameaçasse a paz e segurança das fortificações era penalizado, podendo até ser expulso caso cometesse algum crime pesado. Pensou um pouco sobre as muralhas... Até o que eles chamavam de "bem" e "mal" estava nitidamente apartado... O "bem" andava na luz e se escondia dentre as muralhas, o "mal" jazia nos recônditos mais obscuros da terra até a sombra da noite cair sobre tudo. Simples e certeiro, eles confiavam uns nos outros como nunca haviam feito, simplesmente pelo fato de saberem de quem desconfiar.
Voltou a observar o corpo, o rosto redondo lhe era tão familiar... a cor dos cabelos...Aquela menina devia ter olhos escuros também...
Em sua mente brilhou um sorriso, dentes muito brancos e perfeitos, olhos estreitos e negros. E uma música... ah, a música... sempre fez parte de seus dias. Estava presente naquela lembrança também, de tanto tempo atrás... e de repente o blackout! Num impulso pegou o corpo e colocou-o dentro do carro batido, fechando com força a porta e deixando uma abertura no vidro da janela. Assim poderia ser encontrada por algum amigo... por alguém... qualquer um. Pelo menos os animais selvagens teriam um pouco de dificuldade de chegar a sua carne, o que duvidava que acontecesse, já que eles não mais passavam fome e não necessitavam de alimentos que não fossem de sua cadeia alimentar. Humanos não pertenciam ao cardápio dos animais selvagens, pertenciam ao dos vampiros.
Afastada dos escombros mais alguns quilômetros para o norte chegou até outra armadilha. Havia um carro virado numa grande vala que eles alargaram noite passada, numa curva acentuada. Esse trecho da rodovia era esburacado, em várias partes podia-se notar a terra e o barro do solo, os humanos tentavam mantê-la sem vegetação para melhor transitarem, mas tapar os buracos devolvendo a camada de asfalto era impossível. Na pressa de sair da estrada antes do anoitecer os humanos não haviam desacelerado na curva... Mas tantos humanos estavam se aventurando fora das muralhas. Muito estranho. Rumou calmamente para o carro destruído, ainda tinha pelo menos seis horas para voltar ao covil.
Saltou das árvores e caiu no asfalto como um gato: em pé e silenciosa. Sentiu o cheiro de sangue, mas estava diferente... ao se aproximar do carro não percebeu nenhuma movimentação ou qualquer ser dentro dos escombros. Será que os humanos haviam conseguido fugir e partiram para a fortificação? Não era provável, àquela distância nenhum humano chegaria a pé em São Vítor com facilidade. Ela podia sentir no ar algum cheiro de ferro, o acidente devia ter ocorrido pouco antes do anoitecer. Os humanos deveriam estar embrenhados na floresta, não havia outra explicação... Seguiu um rastro de sangue, era de onde vinha o cheiro. Mas já era sangue velho, estava escurecido e endurecido. Deveria ter saído no mínimo há quatro horas. Bateu forte com o punho na lataria do carro deformando o capô, eles estavam por ali, podia sentir... Humanos ignorantes! De noite aquele território é deles, por que sair tão tarde das muralhas?
Rumou para a beira da mata onde o rastro de sangue findava. Sentiu mais forte o cheiro que vinha das plantas e, misturado a ele, mais sangue. Seus olhos brilharam involuntariamente. Quantos dias fazia que não se alimentava? Dois? Não era capaz de lembrar. Às vezes ficava sentada observando o lento subir e descer da respiração do corpo... e esquecia-se de comer... Simplesmente não tinha mais a necessidade de se alimentar a cada meia hora, como os novatos. E passar um dia sem alimento não a fazia assim tão mal. Mas estava com fome, realmente com fome. Pulou para um jacarandá que lançava suas raízes contra o asfalto.
Seguiu farejando rapidamente o sangue até encontrar um rastro mais consistente. Ao lado de um pau-brasil, estava um corpo fraco e pálido. Farejou o medo e a angústia do homem jogado no chão, seus olhos brilharam rubros mais uma vez. Junto do corpo fraco estava de pé um homem robusto com seus um metro e oitenta de altura empunhando nervosamente uma pistola.
Ela passou os olhos de um para o outro enquanto pulava para o próximo galho. O homem alto e saudável olhou ao redor assustado. Vendo os olhos injetados de medo da sua vitima um riso insinuou-se em seus lábios. Resolveu fazer um teste para saber em que nível de desespero aqueles homens estavam... pegou um pequeno fruto da árvore em que estava e jogou contra o tronco de uma árvore atrás do homem alto. Ele imediatamente voltou a pistola e atirou na direção do local do ruído. Estava sob imensa pressão e tinha uma arma, era sempre bom ter precaução, podiam ser balas de prata. Nunca se sabe.
Pulou graciosamente até o meio da pequena clareira onde se encontravam os dois homens e ficou a frente do moreno de quase dois metros, como se para debochar dele. No mesmo instante ele arregalou os olhos e direcionou a pistola para atacá-la. Antes que ele puxasse o gatilho ela saltou para o lado e, em seguida, na direção do pau-brasil atrás do homem ferido. Passado o estrondo do tiro o moreno estava tão aflito que nem percebeu o local onde ela havia se lançado. Em um movimento rápido e furtivo enlaçou com os dedos o cano ainda quente da pistola e arrancou-a das mãos do moreno. Saltando para frente dos dois mais uma vez. O homem ferido começou a rezar e se esgueirar como podia para trás do pau-brasil. Já o homem moreno tremia dos pés a cabeça, mas ainda se mantinha de pé a sua frente. Lançou um rápido olhar para o homem ferido que tornou-se incapaz de seguir em qualquer direção, seus olhos brilharam mais uma vez vermelhos ao inalar o cheiro do sangue que escapava do corte na perna de sua vitima. O moreno tentou uma investida rápida contra ela, que agarrou seu braço com força vampírica quebrando-lhe os ossos e, em seguida ao berro de dor, agarrou rapidamente seu pescoço. Tudo seria rápido e limpo.
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Voltando para o abrigo pode ver que um dos antigos havia saído da área em volta da caverna e não havia retornado ainda, o que era fora do normal. Todos voltavam. Perto do amanhecer, Eneas retornou ao covil com noticias das muralhas: mais bentos estavam despertando, as pessoas ganhavam confiança. Por isso começavam a seguir com mais intensidade pelas estradas...
