O Dragão e a Sereia

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"He drowns in his dreams

An exquisite extreme I know

He's as damned as he seems

More heaven than a heart could hold

And if I tried to save him

My whole world could cave in

Just ain't right

Just ain't right"

Draco Malfoy olhou pela enésima vez, por cima do ombro, para a imensidão de escuras sombras que o rodeavam. Após se assegurar de que nenhuma delas o ameaçava mais do que o normal, prosseguiu. As noites de Janeiro eram ainda muito frias, apesar de já não haver neve e, até mesmo ele sentia necessidade de se aconchegar na sua longa capa .Enterrou ao máximo a cara no tecido aveludado e continuou a caminhar sempre, com toda a altivez, magnitude e arrogância característica dos Malfoy. Era incrível e, ao mesmo tempo, pateticamente triste, a perfeição com que ele já conhecia estes bosques. Outrora, não muito longínqua, tinha andado por ali (a cumprir um castigo com o Potter e os amigos) completamente aterrado e agora (8 anos depois) passeava-se ali com a maior das naturalidades... como se lhe fosse natural.

Como os poderosos caiem. Quem iria imaginar que o infame e arrogante Draco Malfoy seria forçado a viver, ou melhor, a esconder-se na Floresta Proibida.

Tudo começara há um ano atrás, quando este se viu incapaz de matar Dumbledore. Quando se viu na presença do Senhor das Trevas este não se mostrou nada satisfeito com o desempenho do jovem. Mesmo tendo este conseguido infiltrar, incontáveis Devoradores da Morte, dentro do castelo de Hogwarts. Se não fosse a promessa que Snape tinha feito à sua mãe, provavelmente... não, provavelmente não, certamente estaria morto. Mas, de que lhe servia estar vivo se tinha de se esconder como um verme insignificante? A sua existência era tão fútil como todos os anos em que lhe ensinaram a depender dos outros. Onde é que isso o tinha levado? A uma triste desculpa de vida. Como estaria a sua mãe? Até tinha medo de pensar. As más probabilidades eram demasiadas para ele sequer pensar no assunto.

Por fim conseguiu sair da sua nova, maldita casa. Uma vez por semana, dava-se ao luxo de sair da densa e negra floresta e aventurava-se pelos restantes campos da gigantesca e majestosa escola, agora fechada e abandonada. Não se arriscava a sair mais porque, apesar de tudo, apesar de Snape lhe ter dito que ali estaria a salvo de Voldemort, ele nunca gostara de arriscar sem ter certezas.

A aparência do jovem Malfoy tinha sofrido (e sofrido, é a expressão correcta) uma transformação considerada. Aquele jovem que caminhava de forma altiva, orgulhosa e superior, caminhava agora como um preso acabado de sair da prisão. Como alguém inseguro que não sabe se a qualquer momento vai chegar alguém para o levar de volta. O seu físico delgado e frágil (quase feminino) tinha sido forçado a desenvolver-se, graças aos perigos que o seu novo habitat oferecia. Os outrora frios olhos, tinham ganho um ar cansado e perdido qualquer brilho. O cabelo tão acostumado a uma apresentação impecável, andava agora sem gel, chegava-lhe à base do pescoço e a franja demasiado grande cobria-lhe parte dos olhos. Como caiem os poderosos.

Com o cuidado habitual começou a dirigir-se para o lago, para poder tomar o tão esperado, banho da semana. Não que ele passasse a semana toda sujo! Jamais um Malfoy desceria tão baixo. Mas limitava-se a lançar um feitiço todos os dias, que o mantinha limpo. De momento era mais seguro.

À medida que se ia aproximando do lago começou a ouvir algo extremamente melodioso a ecoar e só alguns instantes depois, percebeu que era alguém a cantar. Ele nem sabia que era humanamente possível cantar tão bem. De repente, a sua cabeça que, por momentos, se tinha deixado enfeitiçar pela divina voz, voltou a si. Não era suposto a escola estar deserta? Imediatamente adoptou uma postura defensiva. Pensariam que ele não estava ali? Ou pelo contrário, queriam atraí-lo para uma emboscada, através da voz? Decidiu inspeccionar com mais exactidão o lago, que era de onde vinha o som. Após forçar um pouco a vista (a noite não tinha muito luar) conseguiu vislumbrar uma pequena, meia silhueta mas era impossível determinar o que fosse. Com uma nova perícia, aproximou-se alguns metros sem ser visto. Do seu novo esconderijo conseguiu delinear os frágeis contornos de uma mulher que estava coberta de água até à cintura. Draco não conseguia ver muito mais que a sua silhueta devido à falta de luminosidade mas, o que viu foi suficiente para as suas hormonas dispararem a toda a velocidade. Um pouco estranho tendo em conta a sua vasta experiência, certo? Errado! A verdade nua e crua deixaria muita gente chocada porque na verdade o galante, o experiente, o "Deus do sexo", Draco Malfoy, nunca tinha sequer, beijado uma rapariga. Patético, verdade? Rumores começam-se com a maior das facilidades mas a verdade é que até hoje Draco mal tinha tocado numa rapariga. Não que ele não quisesse, mas era demasiado tímido. Sim, ele sentia-se envergonhado ao pé de raparigas. Uma verdade humilhante. E ele nunca desejara, não ser assim, como agora. A vontade que sentia, de entrar na água e torná-la sua estava a comê-lo vivo. Era como se algo primitivo e animal soubesse, que ela lhe pertencia. Quer isso fizesse sentido ou não. Finalmente, este apercebeu-se de uma particularidade, da qual a maioria se teria apercebido imediatamente. Ela estava a cantar numa língua que ele nunca tinha ouvido na vida (e ele aprendera umas quantas). A ideia de que tudo aquilo pudesse ser uma emboscada já nem lhe pairava na cabeça. Alias, naquele momento, nada lhe pairava na cabeça, excepto aquela mágica criatura. Naquele momento, só existia ela.

"There you see her

Sitting there across the way

She don't got a lot to say

But there's something about her

And you don't know why

But you're dying to try

You wanna kiss the girl"

Inconscientemente, começou a andar na direcção do lago, como que hipnotizado, quase numa espécie de transe. À medida que se ia aproximando, a sua forma foi-se tornando mais concisa e mais apelativa. Ele conseguiu aperceber-se de que ela estava quase nua, porque a única roupa que lhe conseguia encontrar, era, o que lhe parecia ser, um soutien. Os seus cabelos eram extremamente compridos, mas a sua cor era imperceptível. Quando finalmente deu por si, Draco já tinha entrado na água. Foi tarde de mais. Ela tinha-o ouvido. Numa questão de segundos, o encanto quebrou-se. Ela parou de cantar e virou-se completamente para ele. Draco amaldiçoou silenciosamente a Lua, por não iluminar o lago nessa noite. Por muito que tentasse, não lhe conseguia ver o rosto. Ficaram assim durante algum tempo . Ambos a tentar estudar o outro. Ambos com demasiado medo de se mexerem. Draco recusava-se a mexer um centímetro que fosse, com medo de a assustar e nunca mais a ver. Por ele, podiam ficar assim para sempre, desde que ela não se fosse embora. Mas alguém teria de fazer algo, eventualmente. E esse alguém foi ela.

Com bastante receio e algum medo, a pequena visão foi-se aproximando com movimentos extremamente cautelosos. Draco esteve algumas vezes prestes a correr na sua direcção, porque a medrosa rapariga em algumas ocasiões parava e ameaçava ir-se embora. Longos e dolorosos momentos depois, tinha-a a poucos centímetros de si. Ele tinha a certeza de que se, a enorme nuvem passageira saísse da frente da Lua, lhe seria permitido vislumbrar-lhe o rosto. Ergueu o olhar para o céu, com irritação estampada no rosto, e silenciosamente pediu à teimosa nuvem que se mexesse. Como se o tivesse ouvido, a grande forma disforme dissipou-se lentamente. Com algum alívio, expirou e voltou o olhar para baixo. Nem uma semana de avisos e descrições o poderiam ter preparado para o que tinha diante de si. À sua frente estava a perfeição em pessoa. O que lhe chamou imediatamente a atenção foram dois grandes, redondos e pestanudos olhos, pintados com o azul mais profundo que alguma vez vira. Se os olhos eram de facto o espelho da alma, então, esta mulher tinha a mais bela alma à face da terra. Quando, finalmente, conseguiu desviar o seu olhar, pôde maravilhar-se com finas sobrancelhas, perfeitamente arqueadas, um nariz ligeiramente arrebitado, que lhe dava um ar atrevido e uns lábios finos e extremamente vermelhos, na sua opinião, simplesmente divinos. O cabelo parecia-lhe, agora, ser ruivo mas não tinha certeza. Quando prestou atenção a toda a sua cara, constatou, que ela o observava tão ou mais atentamente do que ele a ela. De facto, ela olhava-o de uma maneira tal, que se a ideia não fosse absurda, ele seria capaz de jurar que ela nunca tinha visto uma pessoa na vida. Imediatamente a sua timidez começou a fazê-lo corar. Tinha de fazer alguma coisa, para não parecer um idiota, e tinha de o fazer depressa.

- Um... bonita noite, não? – teve vontade de dar uma chapada a si mesmo. "Lindo, Draco. Muito galã. Vais mesmo causar boa impressão."

Ela olhou para ele durante algum tempo, como se estivesse a processar o que ele tinha dito.

"Certo, ela ainda à pouco estava a cantar noutra língua. Provavelmente nem me percebeu. Lá se vai a má figura." pensou com algum alívio.

- Só é pena não haver luar. – veio a sua repentina e inesperada resposta.

"Ou então não." Por incrível que pareça a sua voz, ao falar, era quase tão melodiosa como quando cantava. Ela olhava para ele como se estivesse à espera de algo. "Que tal, da tua resposta?"

- Pois..., eu pensei que a escola estava encerrada.

- E está. – respondeu ela.

- Então, que fazes aqui? Se é que posso perguntar.

- Porque é que não haverias de poder?

- Poder o quê?

- Perguntar.

- Perguntar o quê?

- O que faço aqui.

Draco olhou para ela tentando encontrar algum indicio de que ela estava a gozar com ele .

- Não é uma questão de poder ou não. – ele tinha a sensação de estar a falar com uma criança. – É uma questão de educação. – esclareceu. Ela olhou para ele, incrédula. – Eu vivo aqui. – respondeu, por fim. E por um momento ele quase acreditou nela. Quase.

Era impossível.

- Não é possível. – disse. Desta vez o incrédulo era ele.

- Porque não? – perguntou ela confusa.

- Onde vives então? – "Apanhei-a!"

- Aqui. Um pouco mais abaixo. – disse, apontando para dentro de água.

- Pareço-te assim tão estúpido? – agora, Draco estava ofendido.

- Não. – respondeu ela, ainda mais confusa.

- Certamente não estás à espera que eu acredite em ti, pois não? – o feitio dos Malfoy estava a vir ao de cima, e a sua voz estava envolta em desdém. Ela notou isso e não gostou. Olhou para ele, magoada e, de repente, mergulhou.

Mas não foi isso que chocou o jovem Malfoy. Não, foi o facto de que, quando ela mergulhou, o par de pernas que ele estava à espera de ver nunca apareceu. No seu lugar apareceu, sim, uma bela cauda em tons de verde.

Naquele momento sentiu-se um idiota por não ter encaixado os sinais e percebido o óbvio. Mas mais do que um idiota, sentia-se um otário. Tinha-a magoado e destruído qualquer hipótese de a voltar a ver."Raios! Tinha de estragar tudo!... Mas quem sabe se não é melhor assim. Eu já tenho uma vida preenchida o suficiente. Não preciso de mais nada. Principalmente algo que me possa distrair... Além disso, poderia colocá-la em perigo." Com este último pensamento implantado firmemente na cabeça decidiu ir tomar o seu tão esperado banho.

Vários metros abaixo da superfície, Ariel nadava de um lado para o outro, no seu quarto. Estava muito confusa. As emoções que a invadiam em relação àquele homem eram contraditórias. Estava furiosa e extremamente magoada com ele, por não ter acreditado nela e ter desdenhado disso na sua cara. Ela era ingénua, não era parva. No entanto, sentia uma alarmante vontade de voltar para o pé dele. Uma inegável atracção, que não a tinha feito fugir, como aconteceria normalmente. Quando o tinha visto pela primeira vez, tinha pensado, que nunca tinha visto um homem tão atraente. Quando conversou com ele foi reparando que, à medida que o tempo passava, ele parecia ir ficando ainda mais atraente. "Pára de pensar nele! Estás noiva. Não podes pensar noutro homem, por muito atraente que seja."

"I don't know when

I don't know how

But I know something's starting right now

Watch and you'll see

Some day I'll be

Part of your world"