A terra lhe causou aquele monte de problemas com a sua casa. Foi o que disseram.

Após o terremoto de duas semanas atrás, Uchiha Sasuke decidiu que estava cansado e enjoado de ter de pisar no jardim de seu complexo de apartamentos, que estava afundado até os tornozelos. Disseram que o prédio estava bem frágil e que ele teria de se mudar, eventualmente.

E a mente dele foi longe, imaginando a belíssima vista que tinha da sacada de seu apartamento. O quanto estava feliz por mostrar as montanhas e as árvores a cada bela moça que levava até lá. Ele não queria se mudar!

Mesmo com a mente longe, fisicamente, o garanhão Uchiha estava entre as árvores. Seus passos de galho em galho nas árvores eram leves como a brisa. E o vento que assobiava fazia um ótimo trabalho ao esconder os sons que ele fazia. Tão bom era o trabalho que Sasuke nem ouviu a mulher que chorava até estar praticamente acima dela. Curioso, ele olhou através das folhas das árvores para perceber quem era. O sol estava quase se pondo completamente, mas a pouca luz alaranjada o permitiu ver Hyuuga Hinata, líder do clã Hyuuga, chorando muito, parada em cima do rio.

Quando Sasuke passava por aquele rio, não esperava encontrá-la por ali. Afinal, ela era a durona Hyuuga. E sua antiga paixão de adolescência. Conversava pouco com ela nos últimos tempos, e não via isso mudando. Afinal, desde que Menma havia finalmente assumido o namoro com Hinata, Sasuke parou com suas investidas e se esforçou para esquecê-la. Só que todos se surpreendiam que ele continuara assim mesmo depois de tudo.

Ao ver que não havia perigo para a Hyuuga, decidiu não se meter em nada. Só surpreendeu-se ao prestar mais atenção nela. A correnteza do rio era rápida, contínua e forte, e, ainda sim, a morena se mantinha firme e forte na água, sem se mexer. O controle era estupendo. Hinata era mesmo uma ótima kunoichi.

Ele estava pronto para se virar e ir embora, quando sentiu o pico de chakra. Ela rapidamente se virou para a direção que ele estava e enxugou os olhos com brusquidão, provavelmente envergonhada por estar chorando. Os olhos claramente teriam ativado o Byakugan. Rapidamente, saiu de cima das águas e foi ao encontro dele.

- Uchiha. - Ela disse ao parar em frente a árvore em qual ele estava.

- Hinata. - Ele sempre se esquecia que ela era Hyuuga-sama, agora. Ela realmente não ligava.

Ele pulou da árvore, subestimando a distância a qual pousaria dela. Teria caído sobre os pés de Hinata se ela não tivesse dado três passos para trás.

- Boa forma. - Ele comentou quando o silêncio se estendeu muito.

- Obrigada.

- Você sempre chora em cima das águas de um rio furioso?

Ele assistiu ela desviar os olhos e cruzar os braços.

- Eu não estava chorando. - Mentiu. Talvez fosse melhor Sasuke não cutucar o orgulho Hyuuga. - O que está fazendo aqui? Não tinha reunião do conselho com o Hokage?

Sasuke não deixou de reparar que ela chamou Menma apenas por Hokage.

- Não, não tenho.

- Ah.

O silêncio estendeu-se mais uma vez. Aquilo era estranho, quando se pensava em Sasuke e Hinata adolescentes, tudo o que se ouvia eram brigas por parte da Hyuuga e cantadas da parte do Uchiha. Mas, eles não eram mais adolescentes.

- Eu estava voltando do treino. Ia atrás de algo pra comer.

- Eu também. - Por algum motivo, ela sentiu a necessidade de mentir. Mesmo depois do Uchiha ter pego ela chorando, sabendo que ela não estava treinando, muito menos procurando algo para comer. Sasuke decidiu ignorar, se insistisse, com certeza arrumaria briga com a líder maluca dos Hyuuga. E ninguém quer isso.

- Conhece algum lugar bom? Não me diga nenhuma barraca de ramen, por favor. - Ele deu um sorriso bobo. Foi quando Hinata levantou uma sobrancelha.

- Tem aquele que fica acima da livraria na rua do templo. A comida é boa. E é bem quieto.

- Me parece bom. - Sasuke pulou de volta para árvore. Hinata pensou que estava se livrando da única testemunha de sua fraqueza. - Você não vem?

- O quê?

- Você disse que estava procurando algo pra comer.

- Quando eu...? - Ela parou de falar quando viu o sorriso na cara dele. Era a adolescência e a infância tudo de novo. Ele estava provocando. Ela fechou a cara antes de respirar fundo e respondê-lo. - Sim, claro, vamos, Uchiha.

Ela pulou para o galho, esperando que ele se movesse. Ele se moveu um segundo mais tarde, deixando-os a ocupar o mesmo espaço por um milésimo de segundo. E, então, já era tarde demais. Haviam invadido o espaço pessoal um do outro. Duas vezes. Em um tempo de dois minutos. Praticamente desconhecidos, pensaram quantos anos eles pareciam ter para os vinte e cinco anos.

Durante o caminho para a rua do templo, Hinata se perguntou porque ela não conseguiu se limitar a dizer ao idiota do Uchiha que ela iria jantar em casa. Francamente, consegue comandar um clã e não consegue pensar nisso. Assim teria se salvo de passar tempo com ele e da humilhação de ter sido pega na mentira. Se perguntou se seria tão ruim assim. A resposta foram as imagens de um garoto que a atormentou por anos e depois sumiu. Seria. Entre as árvores, eles não tinham de conversar, já que estavam concentrados no caminho. Ela sabia que de qualquer forma, seria uma situação silenciosa. E foi quando eles chegaram a cidade e caminharam por dez minutos, que ela teve certeza disso. Cogitou, inclusive, fingir um ataque epilético para se livrar da situação. Era um tanto desesperador.

Talvez ele pedisse para levar. Então ambos esperariam as refeições e se despediriam, simples assim.

O restaurante era realmente tranquilo demais. E pequeno. Realmente aconchegante.

Sasuke pediu carne, arroz, cebolas, alguns onigiri e suco de laranja. Hinata quase suspirou ao vê-lo pegar tudo para comer ali. Ela pediu tonkatsu e suco de maçã, se sentando com ele logo depois na mesa de canto do restaurante.

Eles eram os únicos clientes lá.

Ela pegou os hashis e levou um pouco de repolho a boca, enquanto ele fazia o mesmo com a carne, seguindo seu exemplo.

- É muito bom. - Ele disse após engolir.

- Hmmhum. Os vegetais são frescos, eu gosto.

- Realmente bom. - Ele repetiu. - Melhor que a sua comida, Hinata.

Hinata o encarou, surpresa. Como ele poderia saber que ela cozinhava mal? Os hashis em sua boca a impediram de deixar o queixo cair. Sasuke notou, divertido.

- Você tentou cozinhar por uma semana para Menma enquanto estava casada com ele, ele me disse, na época. - Ele riu, mas ao ver o semblante da Hyuuga maluca se tornar uma expressão de decepção, decidiu explicar. - Não que ele reclamasse, claro. Ele não é louco. Eu seria. - Ele riu, sem graça. Lembrou de ter experimentado a sopa sem sal da ex-exposa do melhor amigo. - Mas, acho que ele nunca considerou isso algo ruim. Quer dizer, ele sempre comeu ramen... E creio que você nunca teve como aprender a cozinhar...

- Claro, porque treinar feito uma condenada, aprender sobre diplomacia, boas maneiras e assuntos administrativos dariam a oportunidade de brincar de casinha pra qualquer garota. - Ela alfinetou, irônica. Detestava se lembrar do quanto tentou ser a típica dona de casa para Menma e falhou.

- Tem razão, tem razão, desculpe. - Ele colocou a mão atrás da cabeça, sem jeito. Se esquecia de quem ela era com bastante frequência. - Mas, nada muda o fato de que sua comida não é a das melhores. - Ele riu. Ela não. Na verdade, ele quase conseguia ver uma veia saltando em sua testa. Tentou consertar mais uma vez. - O que eu quero dizer que algumas mulheres são cozinheiras e outras são kunoichis habilidosas, você se encaixa no segundo quadro, Hina...ta. - Quase a chamou pelo velho apelido.

- Obrigada, Uchiha. - O silêncio perdurou por mais quarenta e cinco minutos. Até que ela, num impulso, tentou se justificar. - Olha, eu realmente tentei ser uma boa dona de casa.

- Eu sei que tentou. - Ele deu de ombros. Era o padrinho de Menma, afinal de contas. - Mas, eu não esperava que fosse.

- Por quê?

- Você esqueceu quanta atenção eu prestava em você? Ficava mais tempo no campo de treinamento do que fora dele. Maluca, obcecada e perfeccionista. - Ele se lembrou da jovem sexy que praticava o estilo de seu próprio clã contra os integrantes de seu time. Se lembrava de como os dois idiotas reclamavam pelo excesso de treino.

- Isso não é verdade. - Ele lhe deu um longo olhar que dizia "Sério?". - Quem é você pra me chamar disso?

- Ora, você me conhece...

- Conheço. Era maluco, obcecado e promíscuo. Duvido que saiba cozinhar. - Sasuke torceu o nariz.

- Touché. Mas, eu SEI, cozinhar. - Sorriu, vitorioso. Depois de um minuto, resolveu se explicar. - O que você chamou de promiscuidade, para mim é um hobbie. Assim como cozinhar, brigar com o Menma e minha coleção de katanas. Tem um hobbie, Hinata?

- Hobbie? - O puxar assunto de Sasuke foi bastante óbvio e previsível. Ele sabia, mas não se sentia um idiota por isso, desde que conseguisse cumprir seu objetivo. - Não tenho nenhum. Para mim, são inúteis.

Ele a encarou, confuso. Hinata cruelmente pensou que aquele olhar o deixava com cara de retardado.

- Você, de todas as pessoas, deveria ter um. É para relaxar... Entretê-la. - Ele explicou. - Você nunca fica entediada?

- Sim. Não. Não sei ao certo. - Ela respondeu, claramente confusa.

- Sei lá, mas essa vida de líder não te entretêm? Quer dizer, deve ser a terceira ou quarta pessoa mais poderosa na vila. Está envolvida com política. Nada disso segura seus interesses?

- Não sei. Talvez o problema seja que eu não me sinto tão entediada quanto vazia. Não sei como explicar.

- Ah. - E eles voltaram a comer. Sasuke estava tentando estabelecer uma conversa, mas era complicado. Hinata fora sua paixão por dezessete anos. Namorada de seu amigo por dois anos. Noiva por mais um. Esposa por mais três. E, nesses seis anos que Hyuuga Hinata ficou com Namikaze Menma, Sasuke se esforçou para esquecê-la, o que significava que ele evitava vê-la a todo custo. E, em seis anos, ele não mais a conhecia. Era uma pena. Ele se divertia com Hinata. Mesmo que tudo que ela lhe fizesse era chamá-lo de idiota. Sentia falta e, depois desses anos, percebia agora. Resolveu abordá-la novamente. - Deve ser porque a pesar de ser a líder do maior clã de Konoha, você é solitária. Como eu, por exemplo...

- Cercado de mulheres, mão direita do hokage, um dos maiores shinobis do mundo e com um apartamento... - Ela tentou completar o que Sasuke diria, foi interrompido.

- De merda, eu sei.

- Eu ia dizer "vazio." - Sasuke não tinha família, disso ela sabia.

- De merda se aplica tanto quanto. Desde o terremoto, ele têm afundado cada vez mais no chão.

- É uma pena. Talvez devesse comprar uma casa. É melhor pra tentar construir uma família. - Ela se pegou conversando civilizadamente com Uchiha Sasuke e dando conselhos para ele. Que ironia. - O bairro Uchiha está desocupado, talvez...

- Não quero viver lá. - Aquele era um dos raros momentos que ele mostrava seu lado mais frio.

- Tá, faz sentido. Mesmo assim, deveria arrumar uma casa, um lar. Você poderia construir ou reformar uma. Poderia ser mais um dos seus preciosos hobbies. - Ela rolou os olhos.

Hinata continuou a refeição sem mesmo se importar se o Uchiha havia aceitado sua oferta. Sasuke continuou comendo, pensando no que ela tinha dito. Quando acabaram, ele ia pagar toda a refeição. Hinata sentiu o sangue subir-lhe a cabeça quando insistia para pagar sua parte. Ele acabou cedendo.

Ela depositou seu dinheiro na mão dele, evitando o toque entre as mãos. E, foi nesse momento que o Uchiha disse, aleatoriamente:

- É, uma casa não me parece ruim. - Ele sorriu.

Hinata levou cinco segundos para processar. O idiota levara 10 minutos para respondê-la, pior até do que Shikamaru. Rolou os olhos, mais uma vez. O sorriso de Sasuke não sumiu.

Ela não se incomodou em dar outra resposta. Ela nem saberia o que dizer, de qualquer forma. E, foi então que se despediram, sem promessas de se encontrarem mais uma vez.

Um lar.

Foi quando Hinata entrou no seu, no bairro Hyuuga, que ela sentiu uma estranha sensação no peito. Qual seria o seu próximo passo? Seu lar, seu antigo lar com Menma, aquele lar, estava quebrado. Mordeu o lábio antes de externizar a dor nos papéis que estavam em sua escrivaninha, mandando-os ao chão.

E o próximo passo? Sasuke não sabia explicar, era tão vazio quanto a líder Hyuuga. Mas, ele não precisava explicar. Ele sabia como se sentia.