Prólogo

A tempestade assolava os campos inférteis da Província Norte. Mesmo os animais acostumados à dificuldade da vida naquelas paragens tremiam diante das rajadas de luz e som. Aquela não era uma tempestade como tantas que caiam sobre aquela terra esquecida pelos homens e magos.

Era uma batalha. Magia poderosíssima atirada por criaturas sobre-humanas em guerra. Não era possível perceber suas silhuetas em meio ao caos das nuvens, mas as rajadas coloridas de poder cortavam os ares, explodindo ao colidir, emitindo estrondos dezenas de vezes mais poderosos que o mais letal dos raios.

Yohane, o Anjo Caído, desferiu seu melhor golpe, uma esfera de energia escura cercada de raios amarelos faiscantes, contra a criatura. O demônio, semelhante a uma sombra peçonhenta, conseguiu desviar da rajada principal, sendo ferido pelos raios residuais. Não foi o bastante e Yohane soube que estava em uma péssima situação quando viu a criatura vil vindo em sua direção com todo o ímpeto.

Ia ser atingida e morta. Protegeu o rosto como um último reflexo de sobrevivência e se preparou para o pior. Já estava sem forças, então era questão de quantos golpes precisaria receber para ser destruída. Porém, o impacto não veio, pelo menos não contra si diretamente.

Uma luz branca brilhou intensa, vencendo a barreira dos seus braços e pálpebras. O monstro grunhiu em dor e Yohane sentiu-se caindo, sem forças para sustentar voo. A luz salvadora diminuiu de intensidade enquanto ela caía, mas então veio em sua direção. Dois braços gentis seguraram seu corpo na queda desacelerada por magia.

"Anjo Caído, Yohane." Disse uma voz bondosa, vinda daquela pessoa coberta pela luz que cegava a feiticeira. "Por favor, recupere-se e abra os olhos."

Yohane foi colocada sobre o chão, sentada. Lamentou quando os braços macios sairam do seu entorno, levando consigo o calor e conforto que ela jamais experimentara antes. O brilho foi desaparecendo ao mesmo tempo em que a filha do céu e das trevas recuperava a capacidade de ver claramente.

Diante de si estava uma maga de sorriso contagiante. Suas roupas claras mesclavam o branco, azul e cinza e haviam penas em várias partes. Seus cabelos eram de um castanho-cinzento peculiar. Seus olhos eram azuis como as mais águas do mais puro mar seriam sob o sol de um verão sem ameaças.

A Anjo Caído não teve reação diante daquela visão estonteante. A maga branca ajoelhou-se para encará-la de perto. Seu sorriso imenso parecia ter capacidade ilimitada de expandir-se no rosto arredondado da desconhecida:

"Anjo Caído, é uma felicidade sem tamanho ver que estás bem." Foi o que ela falou. Mais uma vez sua voz ressoou dentro dos pensamentos de Yohane antes que esta conseguisse falar.

"Quem és, maga branca, e porque pareces conhecer o nome profano de Yohane?" Perguntou. A bondade estava em cada traço daquela expressão a qual Yohane não conseguia ignorar.

"Sou uma maga vinda dos picos do sul. Watanabe You, da guarda mágica de Uchiura." Disse a outra, e seguiu: "Conheço teu belo nome, Anjo Caído, Yohane, pois, mesmo que não soubesses até agora quem eu sou, saibas que estive minha vida inteira buscando a ti sem descanso. Nos dias mais quentes e nas noites mais gélidas meu único objetivo foi chegar à tua presença."

Yohane arrepiou ao ouvir aquelas palavras. A sinceridade transparecia no olhar da maga Watanabe. Ter certeza do tamanho significado que tinha para aquela desconhecida lhe causou uma comoção que nenhum rito maligno jamais fora capaz:

"Por que tanto me buscavas, maga Watanabe? Por que, dentre tantos seres deste mundo de vastidão, foste a mim que buscaste em tão longa jornada do Sul até este planalto sombrio?" Quis saber Yohane.

A maga You abriu um sorriso novo. Mais caloroso, pontuado de medo e talvez algo de rancor:

"Por que tenho amor por ti, Anjo Caído. Todo o desejo da minha existência está em servir a ti, entregando-lhe meu corpo e minha alma como custo por tal dádiva de viver e morrer ao teu lado."