Uma Questão de Negócios
That's just the cost of doing business, forget that stuff about rags to riches
It's never black or white, only shades of grey
"-Não." – a resposta continuava a ser a mesma mesmo após longas duas horas de tentativas mal sucedidas de persuasão. Ele sabia que a tarefa de convencê-la a aceitar o cargo seria difícil – se não impossível -, mas honestamente havia pensado que conseguiria. Estava começando a repensar sobre a certeza que antes tinha, suspirando e fitando o garoto de cabelos castanhos e bagunçados que estava sentado ao seu lado, os olhos fechados e... Espera aí, ele estava dormindo? Céus, havia um assunto sério sendo tratado ali!
"-Shippou!" – deu-lhe um tapa mal-calculado na cabeça, fazendo o pequeno levantar-se em um salto, olhando para os lados alarmado. Suspirou novamente, meneando a cabeça negativamente enquanto massageava as têmporas, tentando reencontrar sua paz interior ou seja lá como aquilo era chamado. Lembrava-se vagamente de ter Kaede em sua sala no escritório murmurando qualquer coisa sobre a 'importância da meditação' e do 'encontro de si mesmo' para um 'equilíbrio perfeito entre o corpo e a alma'. Em outras palavras: idiotices para manter-se mais calmo e concentrado.
O problema agora era que ele precisava convencer a garota à sua frente a aceitar o trabalho que acabara de propor para ela. Passara a semana toda calculando meticulosamente como teria aquela conversa com ela, e em todas as vezes que repassara a cena toda em voz alta na sala de seu apartamento ela havia dito 'sim' após apenas 15 minutos. Talvez ele fosse muito autoconfiante mesmo, ou talvez ter um espelho do tamanho da parede e ficar olhando seu maravilhoso rostinho enquanto fingia tê-la à sua frente nas encenações não tenha sido um bom incentivo. Uma pena mesmo ela não cair por nenhum de seus encantos...
O grande problema era que não havia ninguém além dela para realizar aquela tarefa. E também não era só por isso... Ela não era apenas uma garota qualquer, era também sua melhor amiga e a melhor agente de toda repartição. Um pouco masculina, era verdade, mas... Não se pode ter tudo, não é mesmo?
Levou uma mão ao queixo enquanto permitia-se analisá-la por um instante a mais. Já estava acostumado com aquele jeito desleixado dela, mas era fato que debaixo daqueles cabelos negros pessimamente arrumados em um coque ridiculamente feito estava uma garota muito atraente. As roupas que ela usava eram largas demais. Masculinas demais. O temperamento era difícil de suportar sem um ótimo senso de humor. A inteligência ácida chegava a irritar e a força e agilidade dela eram definitivamente assustadoras quando postas a prova.
Óbvio que isso tudo não mudava em absolutamente nada o fato dela ser assombrosamente bonita se arrumada. Ele era, muito antes de ser o melhor amigo dela, um homem como qualquer outro, e não pôde deixar de notar as qualidades dela quando teve a oportunidade. Ok, talvez ele fosse um pouco mais pervertido que qualquer outro homem, mas isso não mudava o fato dela ter pernas fenomenais – coisa que ele tinha comprovado quando a vira usando aquela camisa ridícula de time de futebol para dormir - e também não alterava em nada a constatação clínica que ele fizera de que ela tinha seios no mais perfeito lugar e uma barriga no mais perfeito estado – isso ele vira quando acidentalmente entrara no quarto enquanto ela se trocava. Tinha apanhado, isso era fato... Mas valera a pena.
Sorriu de lado, realmente ter passado a semana inteira com o olho roxo e um hematoma no braço tinha valido a pena. Ah, ela também tinha chego bem perto de quebrar seu nariz, mas aquilo era detalhe... O que seus olhos viram socos não podem apagar.
"-O quê?" – abriu os olhos novamente, e só então percebeu que estava movendo a cabeça lentamente, um sorriso satisfeito nos lábios que morreu assim que notou o olhar que lhe era lançado. Ela o conhecia bem demais e aquilo estava começando a se tornar perigoso. – "Não me diga que você está pensando em coisas, Miroku!"
"-Coisas?" – o moreno repetiu, tentando imitar o tom que ela usara para a palavra. – "Kagomezinha, eu preciso que você aceite isso, eu-"
"-Corta essa, já falei que não." – ela levantou-se de súbito, tomando o caminho da porta por onde teria saído caso o garotinho de cabelos castanhos não tivesse se colocado na sua frente.
"-Kagome!" – choramingou, erguendo os braços. – "Você não pode negar um serviço desses, você adora aquilo! Você vai conhecer todos os grandões famosos pessoalmente, vai poder ir com as delegações, você vai... Vai... Ter que seduzir um idiota e se fazer de imbecil, mas ainda assim eu acho que-"
"-Obrigada pelo incentivo, Shippou, mas não." – ela empurrou-o gentilmente para o lado, abrindo caminho.
'É isso' pensou Miroku, levantando-se com mais um suspiro pesaroso. Teria que tomar medidas drásticas para obter o resultado que queria, caso contrário ela nunca aceitaria o trabalho. Já devia ter esperado mesmo... Na verdade, já havia esperado, e era exatamente por isso que tinha uma última carta na manga.
"-Você quer saber sobre seus pais, não quer?" – pôde vê-la parar exatamente onde estava, a mão na maçaneta da porta enquanto um súbito arrepio percorreu-lhe toda a espinha.
"-O que eles têm a ver com isso?" – a voz de Kagome soara mais séria e baixa que o normal. Aquele era certamente um terreno perigoso, um assunto delicado sobre o qual sabia que o amigo não tocaria caso não tivesse respostas a oferecer.
"-Os Taisho tem respostas para suas perguntas." – ele aproximou-se dela lentamente, sua mão colocando-se sobre a dela na maçaneta enquanto abria a porta. – "E o alto comando está disposto a dar-lhe tudo o que precisa para saber da verdade caso saia bem sucedida dessa missão." – completou, caminhando pacientemente pelo corredor, cada passo calculado para que ela fosse capaz de alcançá-lo quando finalmente digerisse a informação e seu cérebro voltasse a funcionar.
Seria em 5... 4... 3...
"-Espere!" – um pouco antes que o esperado, mas perfeitamente a tempo. Ele girou os tornozelos, voltando-se para encará-la enquanto caprichava em sua feição indiferente. – "Eu... Posso pensar sobre o assunto?"
Deu os ombros, tomando novamente seu caminho pelo corredor. Agora sim as coisas estavam saindo exatamente como em seu plano original. Era só esperar alguns dias e a teria em sua sala no escritório dizendo que aceitava a missão. E daí então vinha a parte difícil: contratar Jakotsu para transformá-la em uma mulher de verdade.
Ah, as coisas que não fazia para o bem de uma missão...
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"-Não." – repetiu o garoto de cabelos prateados pelo que deveria ser a enésima vez. Incrível como a garota à sua frente podia ser insistente...
"-InuYasha, se você não tirar ela de lá agora mesmo eu vou tirá-la com minhas próprias mãos e você certamente não vai gostar do final dessa história." – foi com uma raiva parcialmente contida que ela observou ele bocejar, dando de ombros novamente e resmungando qualquer coisa sobre o 'péssimo humor que ela tinha pelas manhãs'.
Afinal, o que tinha demais se Kikyo tinha acabado por escolher justo o quarto dela para dormir? Era só uma noite, qual era o maldito problema? Não entendia muito bem todo o ódio que Sango tinha por ela, mas sinceramente, a garota nunca fizera nada demais para merecer aquilo. Suspirou, espreguiçando-se enquanto sinalizava para que a castanha saísse da frente do telão de plasma que ele mandara colocar na sala de estar.
"-Você está na frente do sinal do aparelho, não consigo mudar o canal se não sair daí!"
"-Você está me testando, não está?" – ela arqueou a sobrancelha, contando mentalmente até 10 enquanto decidia quem sofreria primeiro: a garota delicada que nesse exato instante estava esparramada sobre sua cama e cujo pijama que estava usando era dela ou o meio-youkai idiota à sua frente que aparentemente não dava a mínima para o conceito de 'espaço privado' e 'quarto de visitas'. – "Muito bem." – murmurou entre os dentes, tomando o caminho dos quartos a passos pesados.
InuYasha observou com certa apreensão enquanto ela ia até lá, uma parte dele pronta para interrompê-la enquanto a outra achava aquilo tudo bem conveniente. Pelo menos assim Kikyo aprenderia a não ficar escolhendo qualquer canto para dormir quando ia encher seu saco à noite. Quem sabe até ela podia desistir de ir pra lá todo santo dia e passasse a nem ir mais? Aquela era uma esperança boa que ele certamente carregava consigo.
"-Hmm..." – tapou as orelhas e fechou os olhos enquanto cantarolava uma música qualquer, afinal, antes isso do que ouvir uma discussão inútil na qual seu nome era gritado a cada cinco palavras e amaldiçoado a cada sete. Mulheres...
Quando julgou já ser seguro, abriu lentamente um dos olhos âmbar, encontrando a figura irritada de Kikyo à sua frente, os cabelos negros caídos pelas costas e as roupas nas mãos enquanto ela tentava segurar o lençol no qual se mantinha enrolada de uma maneira desengonçada. Os lábios dela estavam se movendo rápido demais, uma indicação de que tirar as mãos das orelhas naquele instante seria uma péssima idéia. Esperou pacientemente até que ela terminasse de falar e entrasse no banheiro para então voltar a segurar o controle da televisão e mudar de canal. A única coisa que conseguiu entender com a leitura labial que fizera foi 'essa garota é louca' e alguma coisa sobre Sango ter arrancado o pijama que ela estava usando... Enfim, coisas inúteis.
"-Porque, porque?!" – pôde ouví-la gritar de lá de dentro. Céus, seria possível que nem pra se trocar ela podia parar de resmungar? – "O que foi que eu fiz pra ela me odiar desse jeito? Porque você não expulsa ela daqui, InuYasha?"
O hanyou girou os olhos. Sango era como uma irmã, alguém que ele jamais trocaria por mulher alguma. Tudo bem que o temperamento dela era meio explosivo e que ela conseguia assustá-lo às vezes, mas aquilo não era o suficiente para diminuir nem se quer em 1 por cento toda a consideração que tinha por ela. Já haviam passado por todo tipo de problemas juntos, e ela sempre estivera ao seu lado... Além do mais, ela também era sua empresária.
"-Por questões óbvias, Kikyo querida." – respondeu assim que ela saiu, já vestida, parando exatamente na frente do receptor da televisão. Ele perguntou-se se aquilo era algum tipo de habilidade feminina, só podia ser...
"-Eu não vou ficar suportando isso, ouviu?"
"-Hn, ninguém pediu pra suportar isso." – ele coçou a cabeça novamente, erguendo o pescoço para tentar enxergar a TV. – "Ninguém pediu pra você dormir no quarto dela, pra usar o pijama dela, pra vir aqui..."
"-Ok, já entendi, já entendi!" – ela ergueu as mãos no ar, praguejando qualquer coisa. – "Volto mais tarde, vocês dois são insuportáveis logo pela manhã!"
E a esperança dele havia acabado de morrer com aquelas palavras. Bem, quem sabe numa próxima Sango poderia ser um pouco mais agressiva e então ela desistiria? É... Quem sabe.
Suspirou, mudando de canal novamente assim que ouviu a porta da entrada batendo. Seria um longo dia... E ele havia acabado de acordar.
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"-Não." – contando com essa, aquela deveria ser a milésima vez que repetia aquela palavra naquele dia, e tudo nas últimas 7 horas. Desde que acordara sabendo que teria que ter uma conversa 'séria' com Miroku sabia que seu dia seria um inferno. Permitiu-se um suspiro pesaroso antes de girar os olhos quando a mulher do outro lado da linha lhe ofereceu mais um cartão de crédito estúpido com um fundo de 5 mil caso ela aceitasse. Telemarketing, a maldição dos dias atuais... Definitivamente. – "Não estou interessada." – declarou, cortando a fala da moça na metade e praticamente enterrando o telefone no gancho.
Passou os dedos finos e longos pelos cabelos de maneira lenta, os olhos escuros fixando-se em algum ponto perdido na parede do outro lado do cômodo enquanto sua mente trabalhava rápido na questão que tinha que decidir: aceitar ou não? Aquela seria sua chance – provavelmente a única – de chegar perto de descobrir a verdade sobre o que acontecera com sua família.
Não tinha entrado para a polícia secreta por acaso, não era como se desde criança ela sonhasse em ser uma agente do FBI e sair por aí com uma arma na cintura e um distintivo no bolso. Ela era uma garota normal, e por incrível que pareça um dia já quisera casar, ter filhos e se preciso passar o resto da vida limpando a casa e servindo a família. Torceu o nariz para essa última lembrança, em especial.
Mas tudo isso agora não passava de um desejo ridículo. Sua realidade era bem diferente, e de certa forma aquilo não era ruim... Agora não conseguia ver-se na posição de esposa com a qual sonhara um dia – seu temperamento provavelmente não permitiria subordinação por muito tempo. Kagome, Kagome... Essa definitivamente não é a hora para remoer lembranças do passado.
Prendeu os cabelos novamente com a presilha, deixando praticamente metade dos fios caídos ou simplesmente desajeitados. Não que se importasse muito, estava em sua casa... E mesmo se tivesse alguém ali, a diferença que aquilo faria seria tão ínfima que ela continuaria a simplesmente ignorar o fato de que provavelmente estava parecendo a Medusa. Jogou as pernas sobre a mesinha de centro, batendo com o pé no copo de coca-cola que havia esquecido lá na noite anterior e observando atentamente enquanto ele atingia o chão e espalhava o resto do líquido já totalmente sem gás.
"-Que merda." – colocou as mãos atrás da cabeça e voltou sua atenção para mais uma parte inanimada da sala do seu apartamento: o teto. – "Posso aceitar e ver o que acontece... Ou negar e me culpar depois por passar o resto da vida sem descobrir nada e ter perdido a única chance que me foi oferecida." – fechou os olhos e respirou fundo, uma resposta finalmente formando-se no fundo de sua mente.
Coração, mente, coração, mente, coração, mente... Coração. Quantas vezes já fora avisada para não deixar aquela porcaria que bate guiar suas escolhas? A missão seria seu inferno na terra, um deleite para Miroku com toda certeza, mas para ela seria praticamente como enfrentar todos os demônios do submundo de uma só vez. E ainda teria que se transformar? Se fingir de burra para um bando de idiotas que tratavam mulheres como objeto? Andar com sapatos caros que machucam os pés só porque eles a deixavam atraente? Ora, por favor!
Teria que pensar mais sobre o assunto e depois daria a resposta para Miroku no escritório dele.
Assim decidido, levantou-se do sofá e tomou o caminho do seu quarto. Precisava ouvir uma música qualquer e relaxar.
The Cost Of Doing Business – Pure Prairie League
