Disclaimer: Cavaleiros do Zodíaco e seus personagens relacionados pertencem ao mestre Masami Kurumada e às editoras licenciadas. A obra "Os Miseráveis" foi escrita por Victor Hugo e seu espólio pertence ao domínio público.

Sim, aqui começa mais uma fic by Margarida! Desta vez, a inspiração foi o livro que mais amo, que considero a obra da minha vida (já perdi as contas de quantas vezes li, vi o musical duas vezes, gravei os filmes e a minissérie...)!

O protagonista da vez é meu querido dourado e signo Dohko de Libra e também o casal fofo Shiryu e Shunrei. Porém, ao contrário de Honra, que adaptei dos "Três Mosqueteiros" e se passava na França mesmo, esta fic foi transportada para a China, na época em que o Partido Comunista chegou ao poder. Ela será dividida em três partes: a primeira, quando o partido ainda armava alianças para chegar ao governo; a segunda, alguns anos depois, quando o PC já estava no governo e a terceira quando as primeiras revoltas do povo começam a pipocar.

Vamos à fic! Outros avisos importantes, no final do capítulo.

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Ato I- Capítulo único

Prólogo – Olhai para o chão, olhai...

Província de Fujian, Leste da China, 1949

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Os passos largos e precisos denunciavam sua autoridade sobre aquele lugar. As mãos cruzadas nas costas e o olhar altivo demonstravam sua confiança e autocontrole extremos. Os longos cabelos esverdeados quase não se mexiam enquanto caminhava por entre corredores lotados de homens, alguns perigosos assassinos, outros, nada mais do que meros ladrões de galinhas.

A lei era para todos. E ele estava ali para que ela fosse cumprida à risca.

-Senhor! Senhor!

Um de seus homens vinha correndo em sua direção, afoito e preocupado. Ele estancou o passo, esperando sua aproximação.

-O que quer, homem?

-Um dos prisioneiros, senhor... Sofreu um acidente. Um arado caiu sobre si e ele não consegue se mexer. Já tentamos tirá-lo de lá, mas é impossível... O arado é muito pesado.

Sem alterar sua expressão séria, o homem chamou alguns outros soldados e partiu até a faixa de terra que um grupo de prisioneiros trabalhava para o plantio. Havia uma pequena aglomeração de pessoas, todos gritando palavras de ordem e incentivo.

Abrindo caminho por entre os prisioneiros, ele viu, estarrecido, que um deles usava de todas as suas forças para levantar o arado, forçando-o com suas costas. O suor já caía em bicas, o rosto vermelho, os cabelos castanhos e revoltos grudados em sua testa. Mas, como um milagre, o arado moveu-se alguns centímetros do chão e dois homens puxaram o prisioneiro que estava preso embaixo dele.

Os demais davam vivas e comemoravam, os soldados foram dispersando um por um de volta ao trabalho. E o comandante observava o outro homem. Estava impressionado com sua força.

O outro nada fez, apenas o encarou com um ar de quem não gostava de ser vigiado.

A lei era clara: ao se deparar com um superior, o olhar deveria ser direcionado ao chão. Ninguém ousava encará-lo daquela maneira. Ninguém, a não ser aquele homem.

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De volta à sua sala na prisão rural, o comandante sentou-se em sua mesa para despachar alguns memorandos e documentos. E, suspirando, pegou um cartão amarelo e alguns papéis, lamentando que naquele dia um daqueles homens ganharia sua liberdade.

-Senhor, aqui está o prisioneiro 23612. – disse um jovem soldado, entrando pela sala com um outro homem, de cara amarrada. O mesmo que salvara a vida do companheiro de prisão horas antes.

-Obrigado, Asterion. Muito bem, 23612, acho que posso dizer que este tempo que passou aqui conosco ajudou-o a refletir sobre seu crime e...

-Crime? Ora, minha irmã e meus sobrinhos estavam passando necessidades! Roubei apenas um pedaço de pão para saciar sua fome e por conta disso cá estou, há 19 anos!

-Nove anos por roubar, o restante por indisciplina... Por minha vontade, ficaria aqui o resto de sua vida. Mas a lei é para todos e sua vez de se beneficiar com isso chegou.

Rapidamente, sem deixar de encarar o homem à sua frente, o comandante entregou-lhe os papéis e o cartão amarelo.

-Aqui estão os papéis de sua condicional. Mas que fique claro uma coisa: se cometer um outro crime, o que não acho difícil, ou não comparecer neste local daqui a seis meses para uma avaliação, eu o caçarei até o inferno e o trarei de volta, 23612...

-Meu nome é Dohko! – o prisioneiro disse firmemente, já se levantando para sair.

-E o meu é Shion. Nuca se esqueça disso, 23612!

Pouco depois, os portões da prisão agrícola se fechavam atrás de Dohko. Inspirou fundo o ar do lado de fora. Ajeitando sua trouxa de apenas uma troca de roupa, encarou o céu cinzento por alguns segundos.

Voltar para a casa da irmã não poderia, sabia que havia morrido. Procurar os sobrinhos parecia tarefa impossível. O jeito era começar uma nova vida. Pôs-se a caminho de uma estrada de terra batida, rumo a uma aldeia qualquer onde poderia encontrar pouso.

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Quando finalmente chegou a uma aldeia, era quase noite. Cansado, faminto e com o corpo dolorido pela caminhada, Dohko viu uma pequena pensão e resolveu pedir por pouso.

-Boa tarde, senhora. Por um acaso teria um quarto para me arranjar por esta noite?

A jovem senhora que varria o chão virou-se para responder e arregalou os olhos de medo ao ver o cartão amarelo que Dohko segurava. Nervosa, ela entrou correndo pela cozinha e voltou acompanhada de seu marido, um homem com cara de poucos amigos.

-O que quer aqui?

-Apenas um quarto para passar a noite, senhor. Infelizmente, não tenho dinheiro, mas posso pagar com meu trabalho.

-Trabalho? Como um marginal como você vem falar de trabalho? Fora daqui!

-Mas, senhor...

-Fora daqui! Nesta casa vivem pessoas de bem, assim como nossos hóspedes! Fora!

O homem pegou a vassoura que a mulher segurava e ameaçou avançar contra Dohko. Sem entender nada, ele saiu da pensão.

-Feche bem todas as portas e janelas, Tétis. Não sabemos se esse marginal vai tentar entrar em nossa casa durante a noite.

-Sim, Julian.

Cansado, Dohko sentou-se em um toco de madeira, jogado no centro da aldeia. E percebeu que as pessoas que passavam por ele o olhavam aterrorizadas, desviavam o caminho, alguns até o xingavam a distância. Por quê?

Suspirando, ele resolveu descansar um pouco. Acostumado com os castigos da prisão, não se importou em deitar-se no chão frio, a cabeça apoiada em sua trouxa de roupas.

Adormeceu, mas por pouco tempo. Alguns minutos depois, sentiu alguém cutucar-lhe as costelas. Lentamente, abriu os olhos e viu um homem de expressão preocupada à sua frente, olhos azuis a encará-lo.

-O que faz aqui, dormindo no meio da aldeia, senhor?

-Eu... – Dohko levantou-se, espreguiçando-se – Estava a procurar por um quarto, mas parece que ninguém nesta aldeia está disposto a me arranjar um.

-Por causa deste cartão que carrega, não? – o homem perguntou, apontando o cartão amarelo nas mãos de Dohko.

-O que tem este cartão?

-Ele o identifica como um ex-presidiário, senhor... Mas não me importo com isso, venha comigo, por favor.

"Este cartão... Então é por causa dele que não consigo um quarto ou trabalho, as pessoas me rejeitam? E este homem? Por que me oferece ajuda?". Dohko não tinha as respostas. Ainda confuso, resolveu seguir o homem, até chegarem a um pequeno sítio nos arredores da aldeia.

Era uma casa de médio porte, de móveis simples e aconchegante. Porém, em um canto da sala, Dohko percebeu um armário com uma porta de vidro, onde estavam guardados objetos de prata, tão lustrosos que refletiam a pouca luz das velas no ambiente.

-Sente-se e jante comigo, senhor... Como é seu nome?

-Dohko.

-Sente-se, Dohko... Meu nome é Saga.

Dohko não somente comeu como repetiu a sopa que lhe foi servida, o pão quente e delicioso. Há muito tempo não comia algo decente, estava realmente satisfeito.

Após o jantar, Saga o levou para os fundos da casa, onde havia um quarto com uma cama de solteiro e uma mesa. Entregou cobertores e um travesseiro a Dohko e desejou-lhe uma boa noite.

Estava tudo muito confuso. Por que aquele homem o ajudava? Não era ele, Dohko, um marginal, um criminoso? Eram tantas perguntas em sua mente que não conseguia dormir.

Levantou-se e saiu do quarto, foi até a sala da casa. Estava tudo silencioso e vazio. Caminhando pelo cômodo, vislumbrou a prataria guardada no armário. As palavras de Shion ecoavam em sua cabeça agora. "Se cometer um outro crime, o que não acho difícil...".

Realmente, não parecia difícil...

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O sol nem havia nascido ainda e Saga foi acordado de seu sono com batidas vigorosas na porta da frente. Prendendo os cabelos, ele abriu a porta e deu de cara com dois homens segurando Dohko pelos braços e um terceiro com uma trouxa de roupas em uma das mãos e dois candelabros de prata na outra.

-Desculpe o incômodo, senhor Saga, mas encontramos este homem saindo da aldeia no meio da madrugada, carregando estes candelabros de prata. Ele insiste em dizer que foi um presente que o senhor lhe deu.

-Ele está certo, soldado. E me admira que tenha esquecido de levar também as taças e a bandeja de prata que lhe dei, Dohko!

Os soldados soltaram Dohko que, surpreso, encarou Saga com um ar de interrogação. Ele, por sua vez, guardou os candelabros, as taças e a bandeja na trouxa de roupas do homem à sua frente, enquanto lhe falava.

-Entenda que com este gesto não salvei sua vida, Dohko, e sim a sua alma. Sei que a partir de agora, não importa o que aconteça, será um novo homem...

Saga o abraçou fortemente e então fechou a porta de sua casa, deixando Dohko sozinho e pensativo do lado de fora. Sem rumo certo, ele partiu da aldeia, ainda surpreso com o gesto daquele homem.

Já estava longe quando estancou o passo. Olhou para o céu, arqueou as costas para trás e gritou, assustando os pássaros à sua volta.

-Ele tem razão... A partir de agora, o mundo nunca mais verá Dohko caminhar por suas estradas!

Dizendo isto, Dohko pegou o cartão amarelo, os papeis da condicional e os rasgou com fúria, enterrando seus pedaços à beira da estrada.

A partir daquele momento, Dohko não existia mais. E uma nova vida estava para começar.

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Gostaram do prólogo? Eu achei que ficou bacana, forte... E o Shion? Pois bem, ele tem toda a pinta que vai ser o vilão da história, mas eu digo que esta fic não tem vilões, assim como "Os Miseráveis" também não os tem.

Na verdade, o papel do Shion aqui é o de antagonista, o que é bem diferente de um vilão. Na trama original, o personagem se chama Javert (o protagonista é Jean Valjean) e ele é um homem que tem seus princípios sólidos de honra e justiça, mas não deixa nunca de admirar a força, a coragem e até o caráter de nosso protagonista. Fora que achei interessante mostrar o embate desta fic entre dois personagens que são melhores amigos um do outro.

Outro ponto importante. Como esta primeira parte se passa na época em que o Partido Comunista armava alianças para chegar ao poder, a propriedade privada ainda era um direito dos cidadãos chineses. Assim, não estranhem o fato de Saga ser dono de um sítio e Julian e Tétis de uma pensão.

O título da fic, "Vermelho e Negro", tem duas explicações: Primeiro, é uma das canções do musical "Les Miserábles" que mais gosto. Segundo, pode ser entendido como uma analogia ao vermelho do partido comunista e o negro que de certa forma se transformou a alma daqueles que não tem outra expectativa na vida senão se conformar com a situação e esperar pela morte, tal como acontece no livro de Victor Hugo.

Este capítulo foi betado pelas minhas queridas amigas Yui Minamino e Arthemisys. Muito obrigada meninas, é a vocês que dedico esta fic...