Gerações
Título: Gerações
Resumo: Mu é um jovem cavaleiro que viu o Santuário inteiro ser enganado pelo assassino de seu mestre. Nesta fanfic, de 4 curtos capítulos, ele relata como foi sua vida desde então.
Notas: Eu alterei as idades dos cavaleiros. Não dá pra engolir as idades estipuladas pelo Kurumada.
1. Novato
Fui caminhando a passos apressados, afobado com os últimos acontecimentos. Não devia estar longe. Sentia o cosmos dele queimando cada vez mais forte, à medida que me aproximava da região pertencente ao Santuário, conhecida como Rozan. Em breve sairia da área urbana. Meu objetivo ali era conversar com o lendário cavaleiro de Libra, mestre Dohko.
O cosmos de meu mestre subitamente desapareceu do Santuário. Eu estava lá quando despertei no meio da noite, suando frio, depois de sonhar com a morte dele. Foi quando tentei sentir o cosmos dele e nada... Fui ver o mestre, mas não tive coragem de enfrentar a verdade no momento. Queria. O problema era que a prática estava fora do alcance do meu desejo.
Eu não pretendia mais voltar ao Santuário. Se retornasse, poderia acabar morto numa emboscada, depois de ter visto o que vi. Saí de lá apenas com a minha armadura, às pressas, no meio da madrugada. Não parei até chegar à China, no caminho para Jamiel. Como eu utilizava o cosmos para controlar meus poderes telecinéticos e não queria que minha posição fosse revelada ao Santuário, tinha de ir a pé. Mesmo um teleporte seria percebido de lá. Eu não queria problemas durante a viagem.
Parei num cruzamento. Eu estava me guiando pelo cosmos do mestre ancião, mas acabei numa região repleta de ruas sem saída, nas quais precisava dar um jeito de encontrar o meu caminho. Escolhi a única rua na qual ainda não tinha entrado e acabei de deparando com mais um beco, de odor de urina e repleto de lixo. Tentei reunir a minha paciência e tentar de novo perguntar para mais alguém. Voltei ao cruzamento.
Uma mulher, bastante jovem, passou por mim quando saí do beco. Ela carregava um embrulho com cobertor, em passos ligeiros, como quem estivesse com pressa para chegar a algum lugar. Eu achei estranho: chegar aonde? Não havia nada ali além de lixo. Pensei em ir falar com ela com o meu péssimo chinês, mas lá foi ela, sem olhar para trás. Achei então que talvez fosse melhor perguntar a algum comerciante.
Todos foram curtos e grossos: não havia caminhos para as montanhas, porque elas eram proibidas. Diziam que ali morava um dragão que devorava qualquer pessoa que se aproximasse; por isso, não existiam caminhos às montanhas proibidas. O único jeito era sair da vila e adentrar a mata fechada até o local.
Eu pensava na rota mais fácil de sair da vila, naquele mesmo cruzamento, quando ouvi aquele choro. Era um choro estridente, incômodo. Provavelmente algum bebê reclamando à mãe. China era o país dos nascimentos. A gente via crianças por toda a parte; portanto choro não devia ser algo tão incomum.
Havia uma saída no lado oeste da vila. Podia não ser a mais próxima de Rozan, mas, como fazia várias conexões com outros lugares, podia ser que eu encontrasse ali mais facilidade para entrar nas montanhas proibidas. Por outro lado, a saída norte não parecia ruim...
Aquele bebê me irritou. Ele simplesmente não parava de chorar. Até parecia que tinha alguém matando o pobre coitado. Como não conseguia raciocinar direito com aquele berreiro, olhei em volta para saber de onde vinha o choro. E fiquei pasmo quando percebi que era daquele beco.
A mulher não estava mais lá. Entrei, desviando do lixo e tapando o nariz por causa do forte odor até encontrar o cobertor largado. Lá estava o pequeno, ou melhor, a pequena. Tirei um manto de minha bagagem para pegá-la nos braços. Naquele momento, eu teria ficado muito grato se alguém me ensinasse a segurar um bebê. Eu era um cavaleiro, não uma babá, e não consegui fazer aquela pequena parar de chorar.
Não havia com quem deixar aquele bebê. Eu sabia que havia um orfanato na última cidade pela qual tinha passado, mas estava distante demais. Não voltaria apenas para deixá-la. Resolvi visitar o mestre primeiro e depois levar o bebê à doação. Isso me fez lembrar a pequena Athena. Estaria ela bem? Não fazia a menor ideia... Como será que eles cuidavam dela? Como eu cuidaria dessa nas minhas mãos? Em primeiro lugar, vi se a fralda não estava suja. Felizmente, estava seca. Então fiquei matutando na comida. Como alimentá-la? Estava mais do que óbvio: era recém-nascida. Como arranjar leite?
Vi uma mulher com um bebê no colo. Foi a melhor ideia que tive. Conversei com ela, pedi que desse de mamar, apenas naquela vez. Ela recusou de início, mas aceitou quando eu lhe ofereci um pouco de dinheiro. Ela deu por quinze minutos e quis mais dinheiro. Acabei cedendo, duas vezes, até que a bebê ficasse satisfeita. E finalmente ela se calou. As pessoas até pararam de olhar irritadas para mim, de tanto que chorara.
Finalmente pude voltar ao caminho. Peguei a saída oeste, procurei por possíveis caminhos. Achei algumas trilhas, mas nenhuma delas chegou a se aproximar das montanhas. Fui obrigado a abrir minha própria trilha, longe dos olhares chineses. Tentava, ao mesmo tempo, proteger o bebê do sol, escolhendo o caminho com mais árvores.
Andei por mais de uma hora, todo carregado de coisas, até começar a ouvir o barulho da cachoeira. Sentia o cosmos do mestre ancião naquela direção. Atravessei um rio bem limpo e o segui até uma clareira. E fiquei sem palavras. Eu gostaria de descrever a cachoeira de Rozan em palavras justas, mas só consigo falar de impressões. Era como se eu me transformasse numa formiga, olhando para aquela imensidão furiosa caindo do céu, barulhenta e repleta de força. Rozan merecia ser chamada de... lendária. Não.
Divina.
Fui subindo a montanha pela lateral. Naquele momento é que quis mais poder usar meus poderes. Seria muito mais fácil me teleportar até lá. Não é que eu dependesse do cosmos para ter os meus poderes. Eles eram de nascença. Entretanto, aprendi a mantê-los sob o controle com o cosmos, para evitar desastres. Mestre Dohko estava lá em cima, sua presença ficava mais forte a cada passo. Apesar dos resmungos do bebê, incomodado com o barulho, notei que ela nem ameaçava chorar. Teria sido encantada por toda aquela beleza?
Vi um velho homem, encurvado e coberto de sujeira, no topo de uma pedra. Ele permanecia imóvel, quase como se fizesse parte da pedra sobre a qual sentava. Tive de me colocar na sua frente para ter a atenção.
"Mestre ancião. Perdão por invadir a sagrada região de Rozan. Vim aqui porque precisava conversar com o senhor."
Os olhos cansados me inspecionaram. Ele então disse, alto e claro:
"Você é o discípulo de um valioso amigo para mim."
"Sim. Sou Mu de Áries, discípulo de Shion."
"Assim como Shion ajudou meu discípulo, também devo ajudar o aluno dele. O que deseja de mim, Mu?"
"Mestre Shion... foi morto."
"Então você também sentiu. Meu amigo Shion já não vive mais. Não importa quantas centenas de anos passem... A morte de um amigo tão valioso não muda."
"Mas... lá no Santuário, é como se ele ainda estivesse vivo! E os outros cavaleiros de ouro não acreditaram quando eu disse que não é o mesmo. Duvidaram de minha lealdade... Eu até pensei em me revoltar, mas..."
"Hum... Você não teria chance contra os outros cavaleiros de ouro, jovem Mu... Também sinto que o cosmos de Aioros desapareceu."
"Sim... Aioros foi considerado traidor e morreu nas mãos de Shura."
Ele baixou a cabeça, como num sinal de luto.
"Uma chuva de sangue cairá sobre o Santuário a partir de agora. Mas... Não podemos fazer nada por enquanto... Não enquanto os outros cavaleiros de ouro apoiarem essa farsa."
"O que devemos fazer então, mestre ancião? É possível que esse farsante tente nos perseguir. Nós sabemos que não é o mestre Shion quem está por trás daquela máscara... O senhor poderia convencer os outros cavaleiros, não?"
"No momento, eu não posso sair daqui, jovem Mu... E os outros cavaleiros não vão acreditar, se não quiserem acreditar..."
"Então qual é a solução? Eu vim aqui apenas para saber do senhor!"
Acabei elevando o tom de minha voz. Logo me senti culpado. O bebê começou a chorar sem parar, e eu tentei, em vão, confortá-la. Mestre Dohko abriu os olhos, estudou o bebezinho, vagaroso e com pensamentos ocultos.
"Mu, essa criança..."
"Eu encontrei no lixo, abandonada pela mãe, no caminho até aqui... Eu não podia deixá-la. Pretendo levá-la até um orfanato quando voltar."
Ele estendeu as mãos, muito lentamente. Não acreditei quando vi.
"Esse bebê foi guiado pelo destino, por meio de sua bondade, até mim. Pode deixá-la comigo, Mu."
"Mas... Mestre ancião, cuidar de um bebê exige mobilidade e disposição física, algo que o senhor..."
"Por favor, Mu."
Não consegui desobedecer. Entreguei o bebê para ele, que a segurou firme e gentilmente. Vi um sorriso raro aparecer na enrijecida boca e o olhar dele tornar-se carinhoso, como se admirasse a própria filha. E eu tentava imaginar que tipo de cavaleiro ele teria sido na juventude.
"Um botão para a primavera... Shunrei. Aqui em Rozan, as flores crescem fortes e com saúde. Assim será também para a pequena Shunrei."
Sabia eu lá como ele conseguiria criar a criança, mas deixei que ficasse com ela. Mestre Dohko era uma daquelas figuras lendárias, com as quais todos deviam respeito. Eu estava feliz por não ter mais de levar o bebê ao orfanato, mas ele tinha claramente desviado do assunto.
"Mestre ancião... O senhor ainda não me respondeu. Qual é a solução para o problema do Santuário? O que podemos fazer?"
"O que sempre fizemos, Mu. Você carregou com bondade este bebê indefeso... Cavaleiros de Athena são guerreiros que devem, não importa a situação, carregar bondade e justiça. Mesmo que muitos anos se passem, não devemos nos esquecer do que somos e de como devemos ser. Mesmo que outros cavaleiros acreditem que o novo mestre seja o meu amigo Shion, eles também carregam a bondade e a justiça no coração."
"Mas... só isso não trará a verdade à tona."
"A verdade virá à tona sempre que surgirem cavaleiros de Athena. Uma pessoa maligna não pode controlar uma estrutura feita para o bem sem ser um prisioneiro. Não tenha pressa. Continue sendo o bom rapaz que sempre foi. Apenas isso, Mu... Você é jovem, muito jovem, não precisa se preocupar porque ainda há muito tempo..."
Mestre Dohko soltou uma risada baixa. Eu não conseguia entendê-lo. Podia ser que mestre Shion, se ainda estivesse vivo, entendesse...
"Eu estou com raiva, mestre. O mestre Shion me recolheu quando eu ainda era um menino, em Jamiel. Ele me ensinou a controlar os meus poderes, me ensinou sobre ser um cavaleiro de Athena... Ele não merecia essa morte! Será que o senhor não entende que não podemos permitir que o impostor fique lá? Não devemos deixar que o tempo enterre isso..."
"Sim. Eu também sinto raiva por Shion ter sido morto dessa forma. Mas a melhor forma de honrar a morte dele é continuar em frente. Mu, eu quero que você volte para Jamiel. Permaneça lá e espere. É uma ordem."
Mestre Dohko permaneceu irredutível. Nossa conversa não progrediu mais depois de sua ordem. Obedeci, sem as respostas que desejava.
